18 junho 2007

Curtas notas parisienses

1. Rue du Cherche Midi, boulevard Raspail, café « Le Raspail », mesmo ao lado do edifício da Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais. Certamente conhecem-no. Bebia aí o meu café quando passou o homem, sobraçando com o braço direito um livro com o título « O Estado por dentro » e levando na mao esquerda uma chave de fenda e um alicate. Levantei-me rapidamente para o seguir e confirmar o que vira. Confirmei.
2. Linha metro direcçao Porte d’ Orléans. Muita gente , calor. Duas jovens beijam-se, a que está de frente para mim está visivelmente ardente, a que está de costas parece apenas complacente. O beijo da rapariga ardente é do tipo 4/4, polifacético, com um trabalho notável de língua.
3. Gabinete do sociólogo Michel Wieviorka, oitavo andar do edifício da Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais. Sujou a camisa ao almoçar, saiu e comprou outra, vestindo-se à minha frente.
4. Paris está cheia de turistas, todos iguais, todos engraxados de pressa e de espanto de almanaque. E em quase todos os pratos de almoço que mirei hoje havia regra geral alface e mayonese.
5. Corpo, pilosidade, sangue, memória, identidade : territórios temáticos de montes de livros na FNAC.
6. FNAC, rue de Rennes : desalfandego-me de algum tempo de jejum, desforro-me agora com os livros. Tanto livro, tanto apetite. Contento-me com os aperitivos.
7. Metro : a morte das emoçoes, o reinado do eu-fortaleza.
8. A rapariga passa grácil e altaneira, 1.76, botim alto. Aquele botim podia parecer exagerado de exterioridade, tipo do nosso madjonijoni, mas nao: parece uma peça natural do corpo.
9. Bonjour et pardon: as suas palavras-chave na Paris burguesa (na Paris popular é mais difícil vê-las desembainhadas). Com a primeira criamos a ilusao de que deixamos franquear a nossa porta afectiva, com a segunda mostramos que nao (ou queremos passar ou nao queremos tocar ou ser tocados). Duas palavras de solidao aromatizadas pelo costume.
10. Rue du faubourg Poissonnière, décimo arrondissement: tenho a sensaçao táctil de que por aqui, mesmo à minha frente, passa gente de todos os continentes. Sinto-me plural.
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Perdoem, nao sei controlar os acentos neste computador. E escrevi a correr.

3 comentários:

Avid disse...

Um sociologo em Paris ( quase me parece o titulo de algum filme)... Que a viagem continue...
Bjs meus

Anónimo disse...

faz lembrar o livro do Papalagui

Anónimo disse...

Interessantes notas... Gostei mais da 3ª. A solução que Wieviorka encontrou para o dilema de uma peça de roupa suja, antes que o leque de assuntos a tratar durante o dia tenha terminado é espectacular. Sinónimo de poder económico? Quantos moçambicanos (e quais),teriam tal postura diante do salário mínimo??? Estamos "proibidos" de pensar sequer na compra duma camisa no mercado informal do Compone ou Xipamane para solucionar tal entrave...
Cila