Cidade de Praia, Cabo Verde. Estou sentado na esplanada de um hotel, manhã, fumo o meu cachimbo, o mar está tão perto que certamente está encostado à alma. Acompanham-me uma assistente e o reitor de um dos estabelecimentos de ensino superior do nosso país.
Surge a mulher, alta, forte, anca larga, envolta naquelas fascinantes capulanas da África Ocidental que eu sempre amo ver no aeroporto Charles de Gaulle em Paris. Em francês, pede-me que lhe acenda o cigarro. Acendo-o.
-Desculpe, por que fala em francês?
-Porque amo.
-A senhora é de Cabo Verde.
-Era.
-Era? De onde vem?
-Escute, nasci aqui mas vivo em Dakar no Senegal.
-Mas é caboverdeana.
-Era. Agora sinto-me senegalesa.
-Há muitos caboverdeanos no Senegal?
-Sim, 100 mil.
-Tantos! O que fazem lá?
-Muitas coisas, uns até são da polícia, outros são administradores.
-E eles sentem-se caboverdeanos?
-Não, senegaleses.
-Olhe, o meu país vai jogar brevemente com o Senegal.
-Ai é? Sei que o Senegal vai ganhar!
Fumo docemente o meu cachimbo, enquanto colonizo o mar com a alma.
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Bem, esta é a última vez que entro no blogue em Cabo Verde.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
9 comentários:
Pobres de espírito os que acham que é preciso renegar a um país, um povo, uma cultura, para haver identificação com outro! Quanto complexo - de inferioridade,quase sempre! - se esconde por trás de atitudes como essa!
Li no stâ drêto, ma es stâ ta faze tcheu cusa feia na Ilha de Moçambique. Nô meste nhô para escreve carta.
Sabe, Professor, eu não me sinto nada dividida. Antes reunida, e tenho muito orgulho nisso. Quem me dera ser cidadã do mundo e ter por pátria o universo! Quando nos será isso possível?
Um abraço.
Fátima Ribeiro
a liberdade de escolher
Não entendo porquê se é pobre de espírito por escolhermos ser cidadãos de um país que não o nosso. a Fátima Ribeiro coloca bem a questão quando diz que gostaria de ser cidadã do mundo e ter o universo como sua pátria. quantos assim não se sentem? imaginem termos que andar por aí sem recurso a passaporte!
Se "em Roma sê romano", porque não "no Senegal sê senegalês"? Com a cumplicidade da distância já que o Senegal é o país mais próximo de Cabo Verde.
Acho francamente exagerada e talvez enganadora a informação que a descaboverdianizada deu ao Professor, tanto no número de emigrantes no Senegal como no sentimento relativamente às origens.
Cabo Verde tinha em 2000 um total de 434.812 residentes e 517.780 emigrantes. Os principais centros de emigração eram os EUA (264.900), Portugal (80.000), Angola (45.000), França e Senegal (25.000) e São Tomé e Príncipe (20.000).
Segundo André Corsino Tolentino, na sua muito recente dissertação de doutoramento “Universidade e transformação social nos pequenos estados em desenvolvimento: O caso de Cabo-Verde”, Fundação Calouste Gulbenkian, Janeiro de 2007, pag. 232 (de onde também extraí os números acima): “Poucos emigrantes voltam definitivamente durante a vida activa, mas numerosos são aqueles que gozam as delícias do regresso virtual e mantêm estreitos laços afectivos, culturais e económicos com as ilhas, o que se explicará em parte pelo ethos, digamos, o carácter forte que resulta de factores como a luta contra a pobreza extensiva, a escravatura, a mestiçagem como transgressão e a transnacionalização.”
PS: Aproveito para tentar melhorar a mensagem que atrás dirigi ao Professor em crioulo, usando a escrita fonética que agora se usa em Cabo-Verde (e corrigindo erros que dei por interferência do português e de um certo imediatismo na escrita). Creio que assim fica bem melhor:
Li nu sta dretu, ma es sta ta faze txeu kuza feio na ilia di Musambiqui. Nu meste nho pa screbe carta.
O comentário anterior saiu sem a minha assinatura:
Fátima Ribeiro
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Obrigado a todos!
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