Em Moatize, pátria do carvão a cerca de 20 quilómetros da cidade de Tete, alvo das multinacionais, um havido avião mágico – prosaico boneco de trapos com ar estranho -, supostamente usado para transporte nocturno de feiticeiros, aterrou dia 31 de Dezembro de 2012 no quintal de um jovem casal. Momento de grande azar para o casal, pois o marido perdera o pai em Setembro e a carta de condução já em Dezembro, enquanto a esposa abortara em Agosto. Esta foi a terceira vez que um avião mágico aterrou na vila, os habitantes estão de novo preocupados.
Há que queimar o avião de 31 de Dezembro, sentenciou um ancião. Por sua vez, a polícia entendeu que não havia crime, o fenómeno não tinha enquadramento no código penal, o assunto devia ser tratado pelo “médicos tradicionais”, por outras palavras, pelos curandeiros. Enquanto isso, o secretário do bairro afectado apontou o dedo acusador aos curandeiros malawianos e prometeu que o seu executivo iria promover uma campanha em todos os quarteirões da vila de apelo à vigilância.
O ancião mencionado é o veículo da racionalidade popular; a polícia exemplifica a racionalidade estatal; finalmente, o secretário do bairro é o porta-voz da racionalidade da mão estrangeira.
A racionalidade popular aqui em causa tem a ver com regras de inferência. O surgimento do avião nada tem a ver, localmente, com irracionalidade ou com ilógica. Trata-se de uma crença colectiva numa relação ao mesmo tempo de intencionalidade e de causalidade, relação que faz sentido para aqueles que nela acreditam. De nada servirá sustentar que estamos perante uma crença objectivamente falsa. Na verdade, a crença é subjectivamente sentida como legítima, como verdadeira, quer como intenção, quer como causa. Como intenção, na medida em que se acredita que o avião foi prepositada e mágicamente construído para provocar efeitos maléficos; como causa, na medida em que não importa que fenómeno desagradável ou dramático ocorra no período de aterragem do avião, será imediatamente havido como consequência natural da força maléfica.
Perante o avião invasor e atemorizante para certos círculos de Moatize, eis a posição do Estado veiculada através da polícia: "(...) as autoridades policiais consideram que a presença de “avião tradicional” não é crime, porque não tem enquadramento no código penal. Poderia ser crime se no interior houvesse um nado-morto ou algum membro do corpo humano, conforme avançaram, acrescentando que o fenómeno só pode ter interpretações a partir dos médicos tradicionais, por se tratar de factos meramente mágicos."
Tal como exemplifiquei através do depoimento mostrado no número anterior pertencente ao porta-voz da polícia, o Estado colocou-se formalmente à margem do que chamou "fenómenos mágicos". Na verdade, perante esse tipo de fenómenos, aparelhos do Estado têem por regra encaminhá-los para a Ametramo.
Por outras palavras, através do seu representante, no caso vertente a polícia, o Estado colocou uma fronteira rígida entre visibilidade e comprovação material e crença nas forças do invisível. Sem dúvida que os polícias individualmente considerados podem acreditar (e acreditam, muitas vezes) nessas forças, mas o Estado formal exige que essa crença fique na penumbra.
Passo à terceira racionalidade.
Quem foram os obreiros de tão malévola acção? O secretário do bairro onde aterrou o misterioso avião não teve dúvidas: foram os curandeiros malawianos. Estes pérfidos seres merecem cuidado e por isso o secretário prometeu que iria desencadear uma campanha em todos os bairros da vila de Moatize para que as pessoas pudessem estar vigilantes. Esta, a racionalidade da mão estrangeira.
Qualquer das racionalidades fez e faz sentido para os seus defensores e, provavelmente, podem ter dado origem a combinações.
Há que queimar o avião de 31 de Dezembro, sentenciou um ancião. Por sua vez, a polícia entendeu que não havia crime, o fenómeno não tinha enquadramento no código penal, o assunto devia ser tratado pelo “médicos tradicionais”, por outras palavras, pelos curandeiros. Enquanto isso, o secretário do bairro afectado apontou o dedo acusador aos curandeiros malawianos e prometeu que o seu executivo iria promover uma campanha em todos os quarteirões da vila de apelo à vigilância.
O ancião mencionado é o veículo da racionalidade popular; a polícia exemplifica a racionalidade estatal; finalmente, o secretário do bairro é o porta-voz da racionalidade da mão estrangeira.
A racionalidade popular aqui em causa tem a ver com regras de inferência. O surgimento do avião nada tem a ver, localmente, com irracionalidade ou com ilógica. Trata-se de uma crença colectiva numa relação ao mesmo tempo de intencionalidade e de causalidade, relação que faz sentido para aqueles que nela acreditam. De nada servirá sustentar que estamos perante uma crença objectivamente falsa. Na verdade, a crença é subjectivamente sentida como legítima, como verdadeira, quer como intenção, quer como causa. Como intenção, na medida em que se acredita que o avião foi prepositada e mágicamente construído para provocar efeitos maléficos; como causa, na medida em que não importa que fenómeno desagradável ou dramático ocorra no período de aterragem do avião, será imediatamente havido como consequência natural da força maléfica.
Perante o avião invasor e atemorizante para certos círculos de Moatize, eis a posição do Estado veiculada através da polícia: "(...) as autoridades policiais consideram que a presença de “avião tradicional” não é crime, porque não tem enquadramento no código penal. Poderia ser crime se no interior houvesse um nado-morto ou algum membro do corpo humano, conforme avançaram, acrescentando que o fenómeno só pode ter interpretações a partir dos médicos tradicionais, por se tratar de factos meramente mágicos."
Tal como exemplifiquei através do depoimento mostrado no número anterior pertencente ao porta-voz da polícia, o Estado colocou-se formalmente à margem do que chamou "fenómenos mágicos". Na verdade, perante esse tipo de fenómenos, aparelhos do Estado têem por regra encaminhá-los para a Ametramo.
Por outras palavras, através do seu representante, no caso vertente a polícia, o Estado colocou uma fronteira rígida entre visibilidade e comprovação material e crença nas forças do invisível. Sem dúvida que os polícias individualmente considerados podem acreditar (e acreditam, muitas vezes) nessas forças, mas o Estado formal exige que essa crença fique na penumbra.
Passo à terceira racionalidade.
Quem foram os obreiros de tão malévola acção? O secretário do bairro onde aterrou o misterioso avião não teve dúvidas: foram os curandeiros malawianos. Estes pérfidos seres merecem cuidado e por isso o secretário prometeu que iria desencadear uma campanha em todos os bairros da vila de Moatize para que as pessoas pudessem estar vigilantes. Esta, a racionalidade da mão estrangeira.
Qualquer das racionalidades fez e faz sentido para os seus defensores e, provavelmente, podem ter dado origem a combinações.
Sem comentários:
Enviar um comentário