18 fevereiro 2010

Eles são atrasados (2)

Regresso à série.
Os estranhos fenómenos que surgem no nosso país (alguns parecem ser cíclicos) são produto de racionalidades que não aceitamos, são produto de maneiras de ver, de analisar, de sentir que não são as nossas.
Esses fenómenos são analisados no interior do nosso prisma de vida e não no interior do prisma dos seus habitantes e artífices. Por isso os consideramos estranhos, bizarros, anormais.
Entendemos que a racionalidade e a verdade apenas pertencem ao nosso prisma, o prisma do exclusivo poder urbano de definir, catalogar e normar outrem.
No interior dessa lógica, é racional que, por exemplo, usemos sinais de trânsito para que os automobilistas saibam como conduzir; é irracional que pessoas usem esse sinais para fabricar candeeiros domésticos.
(continua)
Aguardo que os leitores comentem e contra-argumentem.

7 comentários:

ricardo disse...

Professor...

Decidi encarnar um habitante local:

"...Mas se a luz do meu candeeiro brilhar com mais intensidade ao colocar-se la um pedaco daquele reflector que "esta a enfeitar a estrada - esses MUZUNGOS que pensam que gozam connosco quando poem coisas dessas a frente das nossas casas, agora vao ver- para as pessoas ricas da cidade", para que eu finalmente consiga ver a cara dos meus filhos a noite, alumiar o meu quintal quando faco reunioes de familia (ou ate partidarias). E fundamentalmente, se a luz da minha casa for tao intensa quanto a da casa do administrador, entao, eu sou um pessoa feliz. Eu sou uma pessoa importante..."

Agora, EU PROPRIO:

Questao 1: Quanto custa a tarifa de electricidade na zona? Quem a pode pagar?

Questao 2: Sinistralidade na area? Mais Pessoas (ou Ciclistas) ou Veiculos Motorizados? Veiculos Motorizados certamente. Quem e que, para alem do administrador, tem "carro" na zona e ganha dinheiro com isso?

Deducao: Bicicletas guiam-se por sinais reflectores? Nao. E os camioes que vao e vem de Nacala? Sim. Entao, deixem-me vender candeeiros que ate aumentam a minha renda e faz de mim um benfeitor da comunidade. O que sempre e util quando os tempos ficam mais dificeis...

Unknown disse...

professor veja os comentários sobre uma imagem aqui. http://debateereflexao.blogspot.com/2010/02/family-director.html

Agente faz as mesmas coisas tanto no campo como na cidade o que difere é o método. e quem disse que o melhor é este ou aquele método?

ricardo disse...

Ha sempre um metodo padrao. Mas todo metodo tem o seu complemento. E nisso, e que se deve concentrar a atencao dos governantes.

Quando se melhora a seguranca de uma estrada pensando no progresso economico, isso, e um metodo padrao. Mas quando se complementa o mesmo, criando quiosques para os camionistas comerem, para fazer a barba, cortar cabelo, trocar alimentos por artigos, sem ser SO pela MAO DE FERRO do CANTINEIRO LOCAL, isso e estimular a criacao de riqueza que vai permitir comprar um PETROMAX que e muito melhor que um candeeiro feito com pedacos de reflector. Isso e "explicar" a populacao que aquela estrada e importante tambem para eles e a sua seguranca beneficia a todos...e nisto, esta a distracao dos nossos governantes. Porque, tecnocratas, so compreendem o material, nao mergulham no espirito do seu Povo.

Abdul Karim disse...

Professor,

O problema esta na pobresa... na cultura de roubar... no tentar desenrascar.... cada um para cada qual... e Deus pra todos.... afinal nao 'e assim...?

ricardo disse...

Ainda a questao do metodo padrao e o seu complemento.

Leiam no ultimo Whampula FAX deste blog sobre a "insatisfacao dos comerciantes locais..." sobre a iniciativa governamental de criar feiras agricolas. Aqui esta a raiz do problema.

Mocambique, precisa reescrever o modus fasciendi das relacoes produtor-comprador-vendedor.

E preciso enquadrar este comprador - o intermediario - porque ele nao serve a ninguem, senao a ele proprio. Mas como nao ha mais ninguem a fazer o seu papel, entao impoem. Mas impoem tudo, ate a manutencao da miseria a um nivel que nunca acabe com o seu negocio. Por muito militantes da Frelimo que se declarem.

Esta relacao de producao e uma heranca dos cantineiros do antigamente. Hoje, numa realidade diferente, e preciso rever esta situacao. Outro tipo de esquema deve ser pensado. Comecar por feiras agricolas e um bom principio, mas tambem e preciso assegurar que o Campones aprenda como colcar a sua producao a precos justos.

umBhalane disse...

O longínquo, basto, e definitivo afastamento de Moçambique, fizeram-me bastante distante das realidades quotidianas.

Mas os cantineiros, os exploradores do Povo, os leões indomáveis, não foram, faz muito tempo expulsos, usurpados, esbulhados de/em Moçambique?

Muita confusão p'ra minha cabeça.

ricardo disse...

Se se refere aos cantineiros BRANCOS, sim, foram-no.

Mas agora estao la outros. De diversas etnias e proveniencias. Negros, Asiaticos, Mesticos, Brancos, Chineses, Bengalis, etc, etc.

Penso que compreendeu que o que estou a problematizar e a questao do INTERMEDIARIO.

Este INTERMEDIARIO que faz hoje o mesmo papel do cantineiro colonial quando as relacoes de producao conhecem hoje uma outra realidade:

1 - Trocar a producao do Campones por quinquilharias de tuta e meia e nao encorajar a poupanca do dinheiro. Logo, o campones nao aprende a servir-se melhor do sistema bancario. A realidade hoje e outra. Nao se pode conceber uma multinacional de Titanio ao lado de pessoas que nao sabem o que e um banco. Tamanha discrepancia e inaceitavel e perigosa;

2- O INTERMEDIARIO encarece o custo do produto ao consumidor final, porque ganha a sua comissao por cada transaccao de e para o campo. E como sabemos que o seu lucro e quase sempre a dobrar, temos um elemento pernicioso chamado especulacao. E quando constatamos a pratica de CARTEL por muitas familias que controlam este comercio na zona norte de Mocambique, pior fica ainda;

3- Finalmente, o INTERMEDIARIO e um bico de obra para a cobranca de Impostos. Visto que a transaccao primaria deste com o produtor se faz por generos, nao e possivel provar contabilisticamente, o que e que efectivamente deve ser cobrado pelo Estado. Logo, informaliza a area fiscal, criando injustica fiscal para nos, os pagantes de impostos.

Podera me perguntar o que e que entao fazia o Governo Colonial para saber o que aquele INTERMEDIARIO efectivamente ganhava com os camponeses. Pois eu digo, apoiava-se no Chefe de Posto e no Regulado que sabia exactamente o que e quanto havia sido produzido pelo fulano XPTO. Mas isso, umBhalane sabe melhor do que eu. Mas vai concordar que isto perpetuava o ciclo da precariedade do campones, que so produzia para subsistir e nunca para enriquecer.