18 fevereiro 2010

Eles são atrasados (1)

Têm tido curso no nosso país vários tipos de fenómenos que provocam em muitos de nós ira, repulsa, condenação, exigência de medidas punitivas severas.
Confrontados com o que consideramos ser o puro exercício da irracionalidade, decretamos que os seus autores são energúmenos, atrasados, obscurantistas, mal infomados, desinformados, etc.
Face aos seu extremos, aos danos sociais que causam, prendemo-los, privamo-los de uma liberdade que - é nossa convicção - não sabem gerir racionalmente.
(continua)
Espero que o leitor vá comentado e contra-argumentando nesta nova série.

6 comentários:

ricardo disse...

Atrasados somos nos que, no nosso doutorismo urbano, nao descemos ate ao seu nivel para sabermos o que eles querem e como veem o mundo da sua aldeia...

Faz-me lembrar a historia de um politico em campanha que comecou a distribuir geleiras portateis numa aldeia remota. So que o seu governo ainda nao tinha ligado electricidade ao local. Entao, as geleiras transformaram-se em providenciais mesinhas de cabeceira. Porque o que eles precisavam mesmo era de habitacao mobilada!...

E tambem alguns universitarios em ferias "...activistas do HIV/SIDA " que se puseram a distribuir CONDOMS a torto e a direito aos jovens e adolescentes de aldeias do interior. Resultado, varios milhares de preservativos foram transformados em baloes e bolas de futebol. Porque o que aquela gente queria era praticar desporto!...

Penso que o Professor pretende questionar alguns acontecimentos recentes em Mocambique.

Por exemplo, o que FAZ uma multidao ululante arrasar com Postos de Saude, num local onde nao havia nada antes? Ou, o que faz um grupo de pessoas destruir semaforos num sitio onde nao passava ninguem antes? Ou o que FAZ alguem roubar paineis solares, num local onde NUNCA houve energia electrica?

Para comprender isto, e preciso saber responder a um pre-questionario:

1- Quem e que PEDIU para o Centro de Saude ser construido la? Quem SAO os profissionais da Saude que la estao? Que nocoes tem eles de Sociologia e Antropologia? De que zona veem?

2- PORQUE e que se COLOCOU o semaforo naquele local e nao em outro? Quem e que realmente precisa da estrada? O que pensam os locais do movimento de veiculos na zona?

3 - QUEM e que realmente precisa da ENERGIA SOLAR para viver no local? Quanto custa a sua exploracao? Que e que pode pagar?

E a grande questao: Quem, do conjunto de membros do novo Governo e que nao e tecnocrata? Armando Artur? E mais quem?!

Depois disso, podemos comecar a falar de outros assuntos.

Atrasados e que nao!!!

Carlos Serra disse...

Bem, já postei o segundo número da série...

umBhalane disse...

Bom,
quando eu viajava naquela estrada "boa, muito boa" do Luabo para Mopeia, vi e parei muitas vezes num posto de saúde no Chimbazo, a cerca de 40 Kms do Luabo, e a 30 de Mopeia.

Muito mal apetrechado, diga-se.

Durante longos anos existiu, e nunca foi arrasado, destruído,...
e ficou lá em 1974/75.

E também haviam as doenças de hoje!
SIDA, não, ainda.

Vou saber se ainda existe, e depois mando a resposta.

ricardo disse...

Caro umBhalane,

Eu ate compreendo o sentido do V. comentario. Mas ha aqui duas situacoes:

1. O "status" de um enfermeiro no tempo colonial era comparavel ao do administrador. Hoje nao, e um obscuro funcionario administrativo do Estado. Enfermeiro era autoridade e tinha a bencao do regulo. Em suma, havia uma interaccao implicita entre aquilo que se optou por chamar "medico tradicional" e a medicina convencional. De maneira natural. Hoje, ha um departamento no MISAU que trata burocraticamente esses assuntos, mas sempre, com tom imperativo.

2. Como disse, o posto era mal equipado. Vou especular. Sera que e porque havia mais campanha de prevencao de doencas, logo menos doentes. Ou sera que era para deixar o "espaco livre" para a medicina cafreal tambem exercer o seu metier?

Sinceramente, gostaria de perceber melhor qual destas duas situacoes contou para as coisas serem diferentes na epoca em que por la passou.

umBhalane disse...

Caro Ricardo

A medicina tradicional, os macangueiros, na zona do Baixo Zambeze, Luabo até Mopeia, cerca de 70 Kms, SEMPRE tiveram o seu peso institucional na sociedade.
Advinda da cultura secular dos Povos, e do seu isolamento/afastamento dos bens da medicina científica.

E esta era quase sempre vista como último recurso, apenas quando se desconseguia.

No Luabo/Marromeu, o acesso à medicina era GRATUITO, fruto de um convénio, suponho (eu erava muito muana), entre o Estado e a S.S.E., empresa que era omnipresente na área.

Já os residentes mais próximos e/ou dessas vilas, ao tempo, recorriam assiduamente aos hospitais, e lembro-me que gostavam muito, demais, de injecções, e detestavam muito, demais, os comprimidos, que lembro, ao tempo, muitos eram amargos.
Mesmo os mais afeitos à medicina científica deitavam fora os medicamentos, ou simplesmente não cumpriam a prescrição.
Injecção é que era bom.
E razões tinham, disse-me o Dr. Barros, grande médico de clínica geral e doenças tropicais, que nos corpos “virgens”, a cura era fulminante, o que é bom de ver (eu erava muana, mas lhe perguntei).

Claro que havia doenças.
Referi que não havia sida (essa invenção laboratorial dos leões indomáveis).
Campanhas de vacinação, nas escolas eram frequentes – escolas oficiais que sempre frequentei.

No chamado mato, lembro-me vagamente de algumas iniciativas
Mas em propaganda, mesmo do regime colonial, chumbei nessa matéria.
Não estou muito seguro (na m/zona) da sua regularidade.

As fontes vão secando, mas vou tentar encontrar coisas oficiais a respeito.

ricardo disse...

Coexistencia e tutela bitolada, eis o segredo.

Muito obrigado umBhalane, mas penso que o V. relato ja mostra como as coisas eram muito diferentes.

Para bom entendedor meia palavra basta. Mas nao garanto que os mandam nesta terra tenha entendido o mesmo que eu.

E a vida...