05 janeiro 2014

Ninguém os viu mas é como se os tivessem visto

Correu a notícia de que homens armados supostamente da Renamo estavam no distrito de Homoíne, província de Inhambane. Pânico eclodido, pessoas começaram a abandonar localidades, desmontando literalmente as casas que tinham construído durante anos, especialmente as chapas de zinco, refugiando-se na vila-sede. Na localidade de Pembe, o posto policial foi abandonado de ontem para hoje pelos polícias (e a bandeira nacional retirada do mastro) e os técnicos de saúde fizeram o mesmo no posto de saúde. Uma equipa de reportagem televisiva andou à procura dos homens armados e não os encontrou. Interrogados, habitantes das localidades afirmaram não os ter visto, disseram que ouviram falar que eles circulavam no distrito. Ninguém viu homens armados, nenhum rasto de violência foi detectado, nada foi destruído, tiros não aconteceram, de feridos e mortos não há notícia - eis a síntese de um trabalho apresentado pela estação televisiva STV no seu jornal da noite das 20 horas.
Observação: enquanto isso, certos jornais digitais e os habitualmente ávidos e acríticos blogues do copia/cola/mexerica esmeram-se em dar por assente um cenário renamiano em Homoíne.
Adenda às 20:51: aqui e acolá, surge a expressão favorita da credulidade: não há fumo sem fogo. Por outras dialécticas palavras: não é mas é, não há mas há. Etc.
Adenda 2 às 06:15 de 06/01/2014: nenhuma referência hoje nos portais do "Notícias" e da "Rádio Moçambique".
Adenda 3 às 06:44 de 06/01/2014: recorde um trabalho meu intitulado "O duplo constrangimento governamental", aqui.

5 comentários:

nachingweya disse...

Quando o medo se torna um estado de espírito social o boato distribui as cartas no poker da vida.
Note-se por este exemplo que não existem condições para a implantação do poder de Estado na acepção ou intenção do discurso.
Fazê-lo a contar com a ajuda militar dos vizinhos e amigos que se ofereceram recentemente é reacender a guerra civil de modo pouco sustentável. Se a própria polícia fugiu de medo em lugar de efectuar operações de reconhecimento conforme os manuais de treino isso quer dizer que o Estado está longe , muito longe ainda de Homoine.

ricardo disse...

E um grande busilis. Os acontecimentos que efectivamente tem lugar (por exemplo, dois arrastoes de turistas sul-africanos na portagem da Moamba e num acampamento proximo de Marracuene, profusamente difundidos na imprensa da RSA), nao conheceram destaque algum em Mocambique. Em contrapartida, uma suposta presenca de homens armados, que ate poderia ser do Governo a civil, suscita este panico generalizado.

Mais uma prova de quao descarnados andam os fusiveis sociais em Mocambique.

"Deem-me um ponto de referencia e eu moverei o Mundo"

Cade o nosso?

jkatame disse...

Nao constitui verdade que ninguem tenha dito ter visto os homens armados em Homoine. A mesma estacao televisiva STV entrevistou alguns populares dos quais uns dizem terem sido abordados por homens armados com AK-47 e catanas que se identificaram como da Renamo e pediram comida.
Concordaria se dissesse que a maioria dos entrevistados nao viu os homens armados, mas nao concordo que ninguem tenha visto.

Carlos Serra disse...

Muito raramente respondo a anónimos. Desta faço-o, para convidar o Sr. "Jkatame" a ler a recente postagem intitulada "Não às evidências primeiras".
http://www.oficinadesociologia.blogspot.com/2014/01/nao-as-evidencias-primeiras.html

jkatame disse...

Bom dia Professor Serra
Percebo plenamente a postagem intitulada "Não às evidências primeiras".
No meu comentário anterior não tinha como objectivo afirmar que esses homens defacto existem em Homoine.
Apenas estava a analisar de forma crítica a frase que o Prof. postou dizendo "Interrogados, habitantes das localidades afirmaram não os ter visto, disseram que ouviram falar que eles circulavam no distrito...". Mas eu pessolmente acompanhei notícias televisivas, por exemplo na STV, uma senhora disse que viu os homens e que os mesmos se dirigiram a sua casa e pediram-lhe comida. Isto não significa que eu acredite nessas informações, mas achei que o texto do Prof. omitiu esse facto (afirmações). Ou seja dentre as pessoas interrogadas, uns disseram que ouviram dizer e outros disseram que viram. Isto é que é a verdade veiculada pelos orgaos de informação.
Agora, se estes homens armados existem ou não, é uma outra discussão que está fora do meu alcance.

Joseph Katame