08 março 2015

Destituir a tragédia da sua tragédia

Os argumentos merecem sempre estudo, como os dois que a seguir proponho.
Um bocado aqui e acolá há quem procure mostrar que as manifestações de pesar e de protesto perante o assassinato do Professor Gilles Cistac primam pelo esquecimento da história, primam pela unilateralidade. Em que sentido? No sentido de que outras tragédias, tão ou mais graves, que fizeram e fazem parte da nossa história de sofrimento e tristeza, não receberam e não recebem a mesma aderência, física e mediática. Através desse argumento, destitui-se a tragédia em causa do seu valor integral de tragédia, dilui-se o seu peso na comparação, dá-se-lhe a dimensão do excesso. Nos casos mais veementes, enxerta-se no evento uma coloração racial ou um estatuto social.
Mas não só. Sucede também que há quem atribua a alguns ou a muitos dos que se manifestam o sinete da falsidade, da hipocrisia, do interesse, da maquilhagem. Por outras palavras, quem protesta (seja qual for a forma de protesto), quem demonstra estar pesaroso, é porque quer, de alguma maneira, tirar partido da tragédia, aproveitar-se dela. Transformando a honestidade em desonestidade, esta também é uma subtil maneira de destituir a tragédia da sua tragédia.

1 comentário:

nachingweya disse...

O problema é a fasquia a partir da qual começa a nossa indignação. Pergunto-me ainda se a tragédia de Chitima tivesse acontecido nas barracas do Museu qual seria a agenda de Estado nesse dia. Não duvido que o presidente tomasse posse porque esse acto é a garantia de que não existe um vazio no lugar de maestro. Mas teria havido banquete de Estado?