O segundo número desta nova série.
Numa espécie de casamento, tecnicamente excelente, entre a sinestesia (no caso vertente, uma proposta de variedade sensorial) e a metonímia (no caso vertente, uma proposta de contiguidade sensorial), o anúncio em epígrafe feminiza imageticamente a Laurentina preta, sexualiza pela escrita o prazer de a beber (já a bebemos, tempo verbal no pretérito perfeito, esta preta foi de boa para melhor) e sugere a ambiguidade exotizante que faz o vaivém subreptício entre cor da cerveja e cor racial (esta preta...).
Vou permitir-me buscar mais dois exemplos de feminização sexualizada ocorridos o ano passado. O primeiro é o da Devassa brasileira, com duas imagens (clique sobre elas com o lado esquerdo do rato se quiser ampliá-las):
(continua)
18 comentários:
Segundo parágrafo de alto nível, o anúncio da devassa é mesmo "devasso", baste ler aqui - "pedir uma DEVASSA tem a dose certa de segundas intenções".
Pois e sr. Professor. E sabe o que e que essa figura da DEVASSA fez de seguida? Posou nua na Playboy brasileira, onde insinuou que tinha gostos sexuais por orificios bastante apertadinhos...E todo mundo vibrou, comprou e bebeu mais da loirinha da Devassa. Alias, procurem saber em que circunstancias se chama uma mulher de Devassa no Brasil.
Com este alarido todo a volta da PRETA MAIS QUE BOA, as unicas pessoas com motivos para sorrir agora sao os accionistas da Cervejas de Mocambique, que irao engordar a sua carteira de vendas de Laurentina Preta. Por isso, a minha questao prevalece: Estamos ou nao dispostos a purificar todos os excessos da nossa sociedade, ou apenas alguns?!
Questao colocada.
> Os nossos cervejeiros poderiam ter adoptado o critério dos vinhateiros: tinto e branco, mas preferiram a designação: preta e clara.
> MAS, já "nos tempos", e em alguns casos ainda hoje, há um certo PUDOR em pedir uma "cerveja preta" com receio da conotação racial -> que me parece ser o que está na base da polémica!
> Não raras vezes, alguns optam por pedir um ESCURA, em vez de preta, por analogia com CLARA, em vez de branca.
> Com o que se passa no dia a dia das nossas TV´s, MMF´s ... e até no desporto, é completamente ridículo apregoar moral com base no vestuário mais ou menos ousado.
> Vejamos no desporto: cá, e por esse mundo fora, as jovéns atletas de velocidade, salto, etc., usam "top´s" e quase tanginhas, com as bundinhas bem ao léu;
-- Aqui, nos Africanos, as meninas do Voléi usam "top´s" e uns bem "sexis" mini-calçõeszinhos.
-- Já as basquetobelistas optaram por uns enormes calções (quase saia-calça) que lhes tiram a graça toda.
> Serão as velocistas, saltadoras e voleibolistas umas depravadas? e as basquetobelistas umas "freiras" cheias de moral?
> As "mazelas" raciais levam gerações a "curar"... e, provavelmente, muitas!
> Mulher, símbolo sexual, aqui:
http://aeiou.expresso.pt/no-sensual-mundo-das-ipin-upsi=f672589
Caro Ricardo
Aprecio seu comentário relativamente ao Brasil. Acredito que se calhar neste país tenha faltado aquilo que Moçambique tem vindo a fazer nos últimos tempos (levantar a voz para aquilo que não concordamos). Não estou aqui para julgar a ninguém mas por aquilo que tenho visto em canais brasileiros considero o país «promiscuo» até certo ponto.
Pegando no exemplo do Brasil tentarei responder a sua questão: em condições normais tínhamos que purificar todos os excessos mas se alguns nos passam despercebidos então chamemos atenção para aqueles que nos saltam nas vistas, como foi o caso da cerveja preta porque senão que sociedade será a nossa? Não queremos e nem estamos preparados para que a obscenidade pareça normal como acontece em alguns paises em que já distingue o o certo do errado.
Quanto ao leitor anónimo penso que o que está em causa neste debate é o corpo feminino sua exposição abusiva e não a questão racial, está última serviu para complementar a primeira, acredito.
Lili
Certa vez, há um ano, um anónimo fez-me a seguinte pergunta:
"Então Muna, tu já viste um peixe que de um lado estivesse bom e do outro podre?"
E eu respondi, com alguma esperteza, que sim, já vi, mas para te puder mostrar não pode ser nem dia nem noite. O tal 'chamuale' riu-se, mas a conversa não terminou sem antes lhe explicar o seguinte...
Como querem uma economia capitalista selvagem (podre em todos os seus ângulos) e do outro lado da moeda uma sociedade comunista (com todas as regras possíveis)? O caminho que escolhemos não coaduna com atitudes de ética, de valores... nem sempre!!!
Zangam-se por uma imagem, da 'Laurentina Preta', mas não são capazes de se zangar quando aos quadros exóticos que penduram nas paredes das suas mansões.
O sexo também inspirou Picasso, Malangatana, Goes, Vermeer, Gogh, etc? E quem não quer ter um quadro de um destes artistas? Uma obra de arte não vale apenas pela imagem, mas sim pelo conjunto de instrumentos, materiais, que faz a obra. Uma obra de arte é a materialização de olhar, portanto, a garrafa de 'Laurentina preta' é uma obra de arte, e as palavras, uma criação artística.
Como pode haver lucros, numa empresa capitalista, sem expor ideias? Sem se ser criativo? É claro que não tenho gesso na consciência e sei muito bem que
"A LIBERDADE DE DAR UM MURRO EM ALGUÉM TERMINA NA FACE DO ADVERSÁRIO", mas convenhamos, senhores, a lesão aqui, havendo entendimento para isso, não é menos grave que o nudismo que há muito venho denunciando neste diário.
E se tivesse sido escrito em nhúnguè, chinês, cena, francês, teria à mesma provocado tanto alarido? Ainda que mal pergunte: que dirão as mulheres de Zavala, Matundo, Mugovolas, Mandie, ao verem esta imagem? Terão o mesmo sentimento à visão da senhora Semo e seus séquitos?
Zicomo
Prezada Lili,
> Respeito o seu ponto de vista, mas, permita-me, em parte, dele discordar:
> No meu entender, neste caso concreto, não está em causa a exposição abusiva do corpo da mulher. Aliás, o belo corpo de mulher aparece elegantemente
coberto, induzindo um certo sensualismo, é certo, mas longe do "abusivamente exposto"!
> Vemos todos os dias, em video clips, anúncios, programas ao vivo nas TV´s locais, cenas que roçam o pornográfico, essas sim, degradantes para a dignidade da mulher -> apelos ao consumismo sem limites, sem regras. Mas todos CONSUMIMOS, com mais ou menos tolerância, ou mesmo agrado.
> Neste caso, no meu entender, o “fogo” teve origem na “fricção”, sobre o racial, ainda latente no subconsciente de alguma boa gente.
> Pessoalmente, acho o slogan banal, para não dizer "brejeiro" ( malicioso, ordinário, vádio, tunante, velhaco,... segundo dicionários Editora), por isso propenso a interpretações várias, logo de evitar.
> Em contrapartida, acho muito bem conseguida a estilização do corpo de mulher! Substituiria o rótulo actual, tradicional, por este bem mais moderno.
Mulher só serve para isto - publicidade e sexo???????????????
A tendência da sociedade de consumo é a de libertar todos os prazeres, incluindo aqueles que eram antigamente tabu.
Ainda que a situação não seja de forma alguma igualitária, uma mulher tem hoje mais liberdade para falar do corpo masculino, tratando-o também como um simples objecto sexual, descartável, sobretudo nos meios urbanos.
Na RTP África tem passado uma publicidade de vinhos portugueses onde, em voz off, uma angolana diz:
"Sempre ouvi dizer que o português é elegante, bom de boca, bom de festa, até que tive a sorte de o conhecer. Meu Deus! Fiquei arrepiada! Convidei as minhas amigas, atiramo-lo para cima da mesa, tiramos-lhe a rolha!... e o resto... não vou contar... sabes porquê? Porque não houve resto! (riso malicioso)".
Vídeo disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=6g461YXcf0U
Professor,
Na análise de qualquer discurso publicitário, acho que vale sempre a pena recorrer a Nietzche.
Nietzche desenvolveu o conceito de “morte de Deus”, portanto de toda a moral que desprezava os instintos da vida nomeadamente aquilo que designava de “vontade do poder”. A noção de pecado, associada ao desprezo pelo corpo, era vista por Nietzche como uma hostilidade e uma negação da vida.
A morte de Deus (portanto de uma moral que oprimia o homem) seria acompanhada pela emergência do “Super-Homem”. Inspirado na Grécia antiga, em Dionísio, o Super-homem está situado “para além do bem e do mal” uma vez que obedece apenas à sua “vontade de poder”. A existir, a sua moral estaria orientada para o culto da pessoa e do seu prazer, para o contentamento narcísico. Trata-se da concretização da “vontade de poder”. Essa vontade de poder deveria ser constantemente renovável, por intermédio do mito do “eterno retorno”, portanto do seu contínuo trabalho, associado à sua constante mudança de valores e ao seu aperfeiçoamento físico e intelectual.
Na sociedade de consumo passa-se mais ou menos o mesmo, senão repare-se:
Os tabus e a noção de pecado levam à repressão dos prazeres e, consequentemente, do consumo hedonista. Uma sociedade de consumo não se pode desenvolver neste contexto. A publicidade tem por isso que combater os tabus (portanto proclamar a “morte de Deus”) de forma a promover a libertação do homem para o consumo. O castigo já não provém de Deus, mas do próprio corpo (por exemplo quando pouco sexy, quando não tem prazer e poder) e é este, e não a alma, que se torna objecto de salvação. Parece-me ser essa a lógica da sociedade de consumo. E quem deve simbolizar a destruição dessa moral de sacrifício e de opressão do corpo? Precisamente o “super-homem”. As personagens publicitárias são hoje dionisíacas, belas, jovens, felizes, fortes e saudáveis. As personagens publicitárias (homens ou mulheres arrojados(as), amorais e sem medo do prazer) constituem hoje o modelo do super-homem.
Por sua vez, o “eterno retorno” é diariamente lembrado pela publicidade. Se a sociedade de consumo liquidou os princípios puritanos, ela não deixou de gerar novos imperativos, desta vez direccionados para a juventude, para a elegância, para o lazer ou para o sexo. O eterno retorno está no convite contínuo ao prazer e à libertação do homem e do seu corpo, com vista à libertação do homem e ao seu aperfeiçoamento. Mas já não é uma libertação do tipo Prometeu, com base no sacrifício. Trata-se de uma libertação numa ambiência de sedução e de consumo.
Muito obrigado pela contribuição com Nietzsche, acho que muito útil. Amanhã coloco o anúncio de uma cerveja portuguesa e deverei introduzir o sumário da série, lamentavelmente esquecido no início. Finalmente, tenciono produzir algumas ideias sobre publicidade. Abraço.
Tenho para mim, por uma questao de objectividade e poupanca de tempo e dinheiro dos contribuintes, que a LEI DO ALCOOL ja deveria ter sido aprovada na AR, bem como, o seu respectivo Regulamento. Porque afinal, o consumo desregrado de alcool se tornou num problema de saude publica em Mocambique. Espero que ate 2012 isso ja tenha sido feito em sede propria. Da mesma maneira que, em paralelo, apoio em 110% o novo Codigo de Transito que entra em vigor no mes de Outubro, o qual preve detencao sumaria caso um condutor seja apanhado a conduzir em estado de embriagues. Da mesma maneira que, espero, a LEI DO TABACO E CONSUMO DE DROGAS tenha o seu ambito extendido as casas de pasto, sobretudo discotecas de luxo, casinos e ginasios com coimas bem mais duras que as actuais.
E nao me importo de consumir uma PRETA BOA E A ESTALAR, se me apetecer quando estou de folga, e entre quatro paredes, como sempre deveria ser. Se seguirem este exemplo sensato, ninguem se aborrecera. Nem a Cervejeira, que lucrara sempre, nem o consumidor, que se saciara sempre. E nem os moralistas se exaltariam, pois ficando em casa a divertir-se saudavelmente em familia, nao precisariam de se ocupar em jogar ao mini-puzzle "CACA AOS OUTDOORS". E ponto final.
E lembrem-se. Por causa de excessos destes, um pais progressista e culturalmente avancado como o Irao se transformou numa solida Republica Islamica. Muita calma nesta hora.
P.S.
Meus parabens sr. Feijo pela sua fina alusao a Nietzche. E sempre um prazer quando um intelectual se socorre da Filosofia, com seguranca e clarividencia. Ao inves de uma cega formula resolvente para todas as situacoes da vida, aumentando a nossa confusao de leigos, com uma parafernalia de citacoes que ninguem jamais le.
Afinal os intelectuais (ainda) existem!
Li sobre este assunto uma analise pertinente e que expõe duma forma diferente a razão de toda esta polémica
http://melomaniako.blogspot.com/2011/09/cerveja-preta-complexada-da-laurentina.html
Tóxico
Muito ricas as contribuições de todos.
Eu venero a mulher esse poema da natureza que Naguib exalta em pintura, Craveirinha e outros rimam nas suas artes.
Quanto a mim o problema do ‘spot’ publicitário é a tentativa quase conseguida de vulgarizar o sublime, neste caso incarnado no corpo sem rosto da mulher de raça negra rotulada precisamente na região púbica, associando todos os seus aromas, encantos e valores ao poder refrescante e fácil disponibilidade de uma cerveja preta bem gelada. Uma mulher só corpo não precisa de outros adjectivos. Nela se pode colocar qualquer cara, qualquer sentença.
Esta tentativa, na minha opinião, dá-nos mais a conhecer o perfil do seu autor e revela o tipo de Mercado que constituímos.
No entanto, grande parte das contribuições mostra que a maioria de nós acredita na necessidade de MORALIZAÇÃO da nossa sociedade. Em algum momento teremos que concordar e estabelecer VALORES sob os quais pretendemos viver. Como fazer? Talvez começar a estabelecer entidades reguladoras com suficiente independência e responsabilidade ante a sociedade civil e governo.
Serão eventualmente necessárias opções fortes que, por vezes, poderão colidir com aquilo que entendemos chamar empreendedorismo. Mas não tenho dúvidas de que alguma coisa tem de ser feita.
Esta área de publicidade é fundamental. Anda muito joio e pouco trigo nos campos dourados que nos são mostrados. Intenção de subverter também.
PS.: Olhemos também para os acidentes de viação que regra geral envolvem álcool disponível de qualquer maneira, a toda a hora, para todas as idades e em toda a sorte de embalagens.
Regular a comercialização do álcool era capaz de melhorar a sinistralidade das nossas estradas com menos custos do que com inspecções anuais de viaturas. São os condutores e não os carros quem precisa de uma inspecção e uma boa dose de cidadania.
> Esta postagem vem comentada em
naocompreendoasmulheres.blogspot.com
> Donde retirei o comentário seguinte:
"LM disse...
Cerveja preta foi durante muito tempo a minha bebida de eleição. Adorava chegar a um balcão de vestidinho, salto alto,e num ar muito pin-up sexy pedir a dita para depois encostar os cotovelos no bar e com uma voz máscula comentar em voz alta: "Diz que faz crescer as mamas".
(Ora peguem lá preconceito..lolol)
8 de Set de 2011 10:40:00"
___
> Isto é, na verdadeira acepção da palavra: MULHER EMANCIPADA!
isto é publicidade brasileira,aqui uma publicidade deste género dava para os moralistas matarem os criativos;estamos na idade da pedra e os apologistas da falsa moral querem que lá permaneçamos
http://www.youtube.com/watch?v=4eCK8bC85dU&feature=player_embedded
Estou em grande parte de acordo com o Muna. Não se encontra grandes motivos para se fazer um julgamento moral a esta publicidade. Se havia algo a condenar são as novelas brasileiras que de dia e de noite atropela os valores culturais e morais dos moçambicanos. Segundo, associar esta publicidade à racismo, é para mim uma demonstração pura de obcessão pelo racismo. Ser chamado de preto, preta, etc só será ofensivo para aqueles que vêem esses termos como pejorativo. Senghor, quando apelidou o seu movimento de "Negritude", recebeu muitas critícas simplismente porque a palavra "Negro" tinha um sentido pejorativo. Senghor afirmou que essa é a tendência do homem branco, fazer com que tenhamos vergonha de nós mesmos. A "preta" deve ser um simbolo de orgulho.
Bravo Queface,
Parte do discurso de Leopoldo Senghor - sobre este tema - pode ler lido na Universidade de Évora aquando da recepção do Doutoramento Honoris Causa.
Portanto, estamos atentos.
Não andamos aqui, neste prestigiado diário, a dizer só por dizer.
Zicomo
Enfim, neste exercicio de intelecto cervejal (very, very, very...STOUT), ocorreu um evento raro, que sucede neste blogue com a mesma frequencia da passagem do cometa Halley pela Terra, que e termos o sr. Gento Roque Chalaque Jr. de acordo com os seus multiplos heteronimos...
Notavel!
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