16 março 2011

Cinco riscos espreitando os jovens cientistas sociais moçambicanos (2)

O segundo número desta série.
Escrevi no número inaugural ser possível considerar cinco importantes riscos que espreitam os jovens cientistas sociais moçambicanos. Quais são esses riscos? Esses riscos são os seguintes: (1) o risco do amor ao conforto do gabinete, (2) o risco do amor às opiniões, (3) o risco do amor às consultorias dos temas da moda, (4) o risco do amor à ascensão política e (5) o risco da vaidade paroquial.
Vamos ao primeiro risco. Obtido um dado grau académico, digamos que o mestrado e, mais especialmente, o doutoramento, obtido o vistoso cartão de visitas com um Master ou um PdD bem visível, podem surgir seduções, amores fortes como âncoras capazes de pôr em causa e de imobilizar o futuro científico de jovens prometedores. Por exemplo, amar o conforto do gabinete, amar o ar-condicionado, amar a atmosfera do abnegado secretariado telefónico, os intervalos para o coffee break, amar a desk research, sorver regularmente o ritual acolhedor dos workshops (uso prepositadamente algumas das expressões inglesas sedimentadas em vários dos nossos jovens Master e PhD). Tudo isso é indiscutivelmente belo. Mas esse é justamente o ambiente que, quando sistemático, quando exclusivo, assassina - permitam-me tão duro termo - aquelas horas, aqueles meses, aqueles anos de repetido humilde labor que os jovens cientistas - se realmente a pesquisa é o seu horizonte - precisam percorrer permanentemente nos arquivos das fontes primárias, nas estadias prolongadas em bairros, quarteirões, aldeias, etc., observando, dialogando, estudando, tomando notas, decantando dúvidas, subindo patamares cognitivos em meio às diferenças sociais de todo o tipo para, depois, procederem à conversão do trabalho realizado em artigos e livros.
(continua)
Adenda: hoje ainda existe uma enorme falta de uniformidade universitária nos critérios definindo o âmbito das ciências sociais. Por exemplo, leia o seu confinamento apenas à antropologia, à sociologia e à ciência política, aqui. Há, ainda, o problema das copulativas. Por exemplo, há quem goste da expressão "ciências sociais e humanas", como se o social não fosse humano. Na Universidade Eduardo Mondlane, existe uma "Faculdade de Letras e Ciências Sociais". Talvez um dia em escreva algo sobre a história das ciências sociais e dos muitos ciúmes e muitas discórdias que nelas habitam.

3 comentários:

Salvador Langa disse...

Se calhar seria uma boa ideia discutir o tema nas faculdades, mesmo naquelas como medicina, veterinária e até engenharias.

Xiluva disse...

Mostrar títulos serve para vestir a mediocridade...

ricardo disse...

Postei o meu comentario no local errado. Porque, na verdade, mesmo a aceitacao do termo Ciencia Social e uma grande conquista em Mocambique. Tempos houve em que isso foi confundido com Curso Superior de Assistencia Social...

Pessoalmente, e acompanhando o que presentemente vejo em Portugal a acontecer com a geracao A RASCA, temo que estejamos a formar levas de cientistas sociais e outros que irao acabar como trapaceiros ou vigaristas. Para nao falar de politicos mentirosos profissionais.

Sendo certo que Mocambique nao tem, nem de perto, nem de longe, um RACIO de quadros superiores igual ao de Portugal, e todavia, um mercado aberto e sem regras. Havendo por isso, um imigracao de massa pensante que ja comeca a fechar as portas aos quadros formados localmente. Alias, o apelo do Governo para que estes se instalem nas provincias e sintomatico. So que espantosamente, quem la vai, rapidamente se apercebe que o que se quer LA sao EXECUTORES, e nao PENSADORES, por diferentes motivos: porque o caciquismo impera, ou porque ja algum quadro superior de alguma ONG ocupou o seu lugar. Ate suspeito que nunca se tentou fazer uma estatistica sobre o numero absoluto de quadros superiores estrangeiros em Mocambique em todas as areas da sociedade, para dai se retirarem as devidas ilacoes.

Se eu estivesse no pelouro da Educacao deste pais, colocaria as minhas barbas de molho.