31 maio 2011

Segregação urbana em Maputo (5)

O quinto número desta série, que tem a cidade de Maputo como contexto de reflexão.
Os espaços urbanos não são organizados por geração espontânea, mas por grupos sociais. Os grupos dominantes delimitam quem deve viver onde e como. No caso da cidade de Maputo, vou permitir-me considerar a hipótese de três períodos de segregação espacial*:
*Período colonial, assentando numa clara divisão centro (classes alta e média coloniais)/periferia (colonizados), com uma zona intermediária destinada aos colonizados integrados/amanuenses;
*Período nacional I, alargando bastante a base intermediária agora com nacionais, mas mantendo a estrutura global colonial centro/periferia;
*Período nacional II, dissolvendo parcialmente a estrutura global centro/periferia em função de enclaves fortificados - condomínios fechados -, separados dos habitantes periféricos não horizontalmente pela distância, mas verticalmente pelas tecnologias de segurança.
Prossigo mais tarde. Imagem reproduzida daqui.
(continua)
*Referência teórica em Rio Caldeira, Teresa Pires do, Cidade de muros, Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008, pp. 211-300.

8 comentários:

Salvador Langa disse...

No estrangeiro há muitos trabalhos sobre os condomínios e todos insistindo sobre riqueza, difesynymunnrença social, violência e crime.

Carlos Serra disse...

Sim, tem razão, tenho-os estudado um pouco e escreverei um pouco sobre os fenómenos que aponta.

ricardo disse...

Primo, vamos la filosofar...

E possivel retirar um homem da caverna. Mas nao e facil retirar a caverna do ser humano. Com os condominios, o que vemos, e tao somente o espirito de sobrevivencia cavernal na selva urbana.

Secundo, vamos la sociologizar...

Os condominios, sao uma consequencia do colonialismo mental imposto pelos cooperantes socialistas e depois, pelo FMI e Banco Mundial. Com efeito, os doadores e os expatriados, foram os pioneiros dos condominios em Mocambique.Lembremo-nos dos predios segregados so para cooperantes, por exemplo, o 33 Andares. Lembremo-nos das embaixadas da Russia e da RSA. Muitas outras mais lhes seguiram o exemplo. Um dos motivos, que sei, foi a especulacao arrendataria, que causava um deficit constante de tesouraria em muitas embaixadas. Mas tambem, o estado acolhedor que comprou a ideia em beneficio proprio. Essencia das politicas neoliberais de reforco das solucoes privadas em areas de natureza publica. A habitacao e uma dela, porque esta directamente ligada a demografia e planeamento fisico do territorio.

Tertio, agora vamos la problematizar...

Se porventura fosse possivel, como foi antigamente, habitar um edificio como as Torres Vermelhas, com elevador funcional, agua corrente, garagem para estacionar e jardim para as criancas brincarem, sem mendigos a exigir RESGATES SOCIAIS que deveriam ser e PAGOS pelo Governo, haveriam tantos condominios em Mocambique?

Eu penso que, o conforto e o bem estar individuais, tambem sao um direito social legitimo e de cidadania. Resignarmo-nos a viver numa miseria igualitaria para fazer tabua rasa dos nossos anseios individuais, nao nos faz mais virtuosos que os demais. Por isso, entendo, o Estado social que abracamos em 1975 tambem contribui para a solucao "Condominios" por ter sangrado ate a exaustao todos os recursos que poderiam fomentar a habitacao social e publica.

Anónimo disse...

O condomínio é uma figura jurídica constante do Código Civil, Capitulo V, artigos 1414º a 1438ª (salvo erro; escrevo de memória) e resulta da necessidade de definir regras de utilização e conservação de partes comuns e de co-habitação em geral.

O Decreto 53/99 de 8 de Setembro (uns meses antes da entrada em vigor da nova Constituição em Nov/99, que acabou com o socialismo e introduziu o Estado de Direito democrático, veio introduzir algumas especificidades para acomodar e dar tempo ao governo para corrigir as barbaridades jurídicas da 1ª Republica, inerentes às nacionalizações, em grande partes ainda não corrigidas.

Assim, nos termos da lei, na nossa Maputo temos milhares de condomínios: cada edifício com mais de 2 moradias e partes comuns, tem obrigatoriamente que constituir-se em condomínio, para assegurar a manutenção e conservação em geral, elevadores, sistemas de água e electricidade, segurança, etc.

Bem, mas o Professor refere-se aos mais recentes e luxuosos condomínios, onde, ao que parece, a IMORALIDADE reside na forma como se tem acesso aos terrenos onde são implantados. Trata-se de terrenos propriedade do Estado, que são cedidos a troco de favores/influências, sem concurso, a cidadãos que constroem, muitas vezes desrespeitando, POR CONIVÊNCIA, normas urbanísticas básicas e, sempre, ESPECULANDO nos preço … pois o preço dos favores também, em regra, não é meigo.

Depois, coloca-se a questão de entender como cidadãos, aparentemente, vivendo do seu trabalho conseguem poupança para aquisição de patrimónios milionários. Não é preciso muita imaginação para se entender como!

Quanto aos muros, arame farpado, sistemas de electrificação, segurança privada, etc., etc., basta dar uma volta pelos bairros residenciais com mais estatuto para confirmarmos não serem procedimentos exclusivos de Condomínio de luxo. Até mesmo nos condomínios dos pobres, nos prédios da cidade, encontramos as mais extravagantes formas de protecção da propriedade privada.

A tendência será não só para Condomínio privados, mas também para cidades satélites com condomínios e propriedade individual isolada, como acontece na África do Sul e por esse mundo fora: discriminação económica: manda o senhor dinheiro!

Sejamos realistas: Na Republica Popular (socialista) tínhamos a discriminação com base no poder político; hoje, na Republica de Moçambique (Estado de direito democrático; economia de mercado) temos a discriminação com base no poder económico: a questão de fundo está em compreender a ALQUIMIA a que tantos tiveram e – vão tendo – acesso fácil... ao senhor dinheiro.

Carlos Serra disse...

Por lapso, apaguei o quarto número da série e, ao reescrevê-la, passaram para este quinto número os comentários do quarto...

Salvador Langa disse...

Caro Professor faltam as datas.

ricardo disse...

A hipotese de segregacao espacial parece-me correcta. Todavia, em relacao ao Periodo Nacional II, convem enfatizar que os condominios nao representam "per si" a conquista do canico pelo cimento, pois nao obedecem, aparentemente, a um planeamento urbano e demografico claro. Assemelham-se mais a solucao "favela para ricos", qual mosca caida repentinamente no leite. Dai a tripla violencia do fenomeno aos olhos dos habitantes originais: (1) pela invasao do espaco, que implica a expropriacao e deslocamento dos antigos moradores (pobres, intimidaveis, ex-vizinhos e familiares); (2) a opulencia das construcoes que contrasta violentamente com as dos demais (vizinhos e ocupantes originais do espaco urbano) e (3) a mais importante, a auto-suficiencia visivel das novas construcoes (agua, electridade, saneamento e espacos ludicos) que e o garante de qualidade de vida, face a inexistencia desta na extensa realidade circundante, fazendo qualquer mente local minimamente inteligente questionar por que razoes um Municipio nunca a criou em 35 anos de consulado identicas condicoes, para pode-lo fazer em escassos dias no condiminio em questao, dado que a conduta de agua ha muito que rasga a zona. Nao e so por seguranca que se erguem grandes muros e vedacoes a volta dos condominios. Nao e so para preservar a propriedade privada (que garantia de propriedade, se a terra nunca foi transaccionavel? Afinal, o que nos dizem os livros, nao e o espaco fisico e tangivel o activo principal? Quando alguem vende propriedade vende algo, ou vende sonhos?), mas sim vergonha social pela irracionalidade do acto de viver assim.

E isto, sem duvida alguma, e uma nova deriva no paradigma urbano herdado da ex-Lourenco Marques, porque torna-se evidente que a clara divisao de outrora tende a tornar-se num microcosmos divisional permanente. Talvez nos devamos tambem questionar da moralidade que um Estado social tem ao permitir que um condominio gaste o equivalente em agua/dia ao que seria gasto por 10000 gatos pingados das redondezas que apenas dao gracas a Deus por viverem mais um dia. Pergunto-me, por isso, o que faz um FIPAG, tao cioso, majestatico e selectivo nas suas opcoes de investimento na rede hidrica nacional - tome nota - investimento selectivo, no sentido de apontar as baterias para onde o lucro e mais rapido e apetecivel?!

Avaliai as obras do FIPAG e vide onde se coloca a tonica. Este organismo publico, so investe onde ha perspectiva evidente de projectos industriais, habitacionais e outros que envolvam capital de vulto como extensao da politica governamental em articulacao com o Capital. O social nao tem muita importancia na sua agenda de trabalho. Aquilo que se diz serem obras direccionadas a grupos sociais vulneraveis, como chafarizes e outros, so existem por que ha grandes investimentos nas imediacoes. Sobre a EDM, e tao evidente que ja nem me dou a macada de falar no assunto. Quanto aos espacos ludicos na selva urbana. Um pequenissimo exemplo. Quando eu tinha os meus 7-10 anos, ia ao Parque dos Continuadores onde havia baloicos, campos de futebol, um lago artificial e um monte de espacos verdes para correr. Hoje, temos espacos vedados e pagos, vendedores ambulantes e parques de estacionamento no lugar dos baloicos. A cidade tinha tambem campos de basquetebol e futebol por toda a cidade, terrenos baldios e ate escolas. Hoje eu deparo-me com carros no passeio, novos edificios e escolas fechadas a cadeado, com acesso aos campos pagos a hora. Cade os espacos publicos para a infancia e juventude em Maputo? Foram extintos pelo Municipio!

E depois ha por ai uns tipos, a organizarem umas conferencias no Joaquim Chissano, a perguntarem-se por que os jovens e os adolescentes sao ociosos, so gostam de Facebook e televisao. Bebem a rodos e fumam que nem comboios. E fazem sexo bizarro e desprotegido. Ora, sera preciso dizer porque?!

Em suma, chegamos a este estado de coisas pelas maos de analfabetos politicos na definicao de Brecht, muito parecidos na forma e nos actos com os fariseus.

Maldito liberalismo economico...

Carlos Serra disse...

Obrigado pelo contributo. Logo que possível prossigo, unicamente com algumas ideias elementares.