20 maio 2011

Dos megaprojectos às mega-ideias (11)

Escrevi no número inaugural desta série que uma grande ênfase tem sido dada aos megaprojectos do país. O problema pode ser resumido assim: precisamos taxá-los, taxando-os a nossa vida melhora. Vou tentar discutir esse pressuposto com algumas mega-ideias.
Recordo o que escrevi anteriormente: para que, um pouco como na banal história da humanidade, possamos decisivamente passar da fase da recoleção para a fase da produção, é preciso que duas coisas estejam reunidas: um Estado ao serviço de uma burguesia social investindo na produção e uma burguesia ao serviço de um Estado social investindo no bem-estar dos cidadãos.
Mais algumas ideias frustres neste penúltimo número da série. Na minha ingenuidade e na minha ignorância habitam pelo menos sete desafios: (1) financiar e mecanizar intensivamente a agricultura, (2) desenvolver um parque industrial interno que reduza as importações e permita a diversificação das nossas exportações, (3) criar uma burguesia nacional forte, virada para a produção com créditos bonificados, (4) taxar o grande Capital internacional, (5) ampliar e melhorar a rede social do Estado, (6) criar uma política salarial que estimule os trabalhadores  e (7) ampliar o controlo da gestão ambiental, com o máximo recurso a fontes de energia não poluentes. A minha ideia é a de um capitalismo socializado, humanizado e solidário.
Imagem reproduzida de uma postagem de Novembro de 2010 intitulada "Transnacionais avançam sobre Moçambique",  aqui.
(continua)

6 comentários:

Abdul Karim disse...

Talvez um ponto (8) adicional, professor.

Uma aposta seria nas PME's,

E poderíamos ser capazes de "dar a volta" a crise,

Salvador Langa disse...

Alma de negócio de chapa vence.

ricardo disse...

Acabou de descrever da Republica Democratica Alema...

Curioso.

ricardo disse...

Agora indo aos sete desafios:

- (1) financiar e mecanizar intensivamente a agricultura;
meu ponto de vista. Para isto será preciso haver um mecanismo financeiro que permita criar, estabilizar e inovar a agricultura. A meu ver, ainda não existe. Além disso, toda a estratégia governamental será sempre guiada pelos doadores e a deles, guiada pela OMC e Bolsa internacional;

- (2) desenvolver um parque industrial interno que reduza as importações e permita a diversificação das nossas exportações;
Já tivémos um parque industrial assim, foi destruído por causa da: modelo socialista local, guerra; políticas neo-liberais; obsolência e altos custos de produção. Para se retornar ao passado, será preciso também começar de algum lugar. A meu ver poderíamos escolher uma ou duas matérias-primas base e estabelecer uma cadeia completa de produção e a partir dela, replicar para outras. Aqui também, toda a estratégia governamental será sempre guiada pelos doadores e a deles, guiada pela OMC e Bolsa internacional;

- (3) criar uma burguesia nacional forte, virada para a produção com créditos bonificados;
Aqui discordo na totalidade. Este projecto burguês sempre esteve na ordem no dia. Nunca deu resultados. Antes pelo contrário, monopolizou os recursos num grupo de privilegiados, desmotivando os que realmente eram empreendedores. Na minha visão, a construção da burguesia não se faz por decretos "a la carte", faz-se pela criação de um ambiente que sustente esse objectivo, tal como um terreno que se fertiliza antes de lá semearmos qualquer coisa. E no caso vertente, em Moçambique, era a adopção plena de uma política governamental anti-trust e o fim dos monopólios sócio-eco-político-partidários;

- (4) taxar o grande Capital internacional;
Plenamente de acordo, e a meu ver, usar o potencial enérgito nacional como trunfo negocial e não o ambiente e os benefícios fiscais. Contudo, esta medida deveria também ser acompanhada de maior equidade fiscal no nosso tecido empresarial. Não é lícito apontar baterias ao capital multinacional se for para continuar com o Regulamento de Fazenda de 1901;

- (5) ampliar e melhorar a rede social do Estado;
Concordo, mas com que esforço financeiro? Como se faria esta reserva? Logicamente pela carga fiscal. Os doadores, são créditos condicionados e que distorcem as vontades de um estado soberano. Devem ser evitados. Mas com uma distribuição tão injusta da riqueza em Moçambique, como se sustentaria uma rede social?

- (6) criar uma política salarial que estimule os trabalhadores
Peco desculpa, mas isso e teoria nao e solucao. Eu conheco sector do Estado que tem salarios muito generosos e no entanto, o desempenho do trabalhador e pessimo. Nao basta aumentar salarios e preciso merece-los. E para isso, um grande passo seria a despartidarizacao da Funcao Publica. E nada mais.

- e (7) ampliar o controlo da gestão ambiental, com o máximo recurso a fontes de energia não poluentes.
Tambem concordo. Alias, e a perspectiva de futuro. Felizmente, Mocambique tem excedente de energia. Nao sabe e como usa-la, por isso e que e tao popular junto das multinacionais. E isso tambem e um problema, se calhar muito mais grave que o uso de energias nao poluentes. Outro aspecto a ter em conta, e o alto custo de investimento nessas formas de energia. Nao devera ser desprezado.
.../...

ricardo disse...

O meu modelo ideal seria mais concreto e assentaria nos seguintes pilares:

1- Reforma simultanea das politicas de transportes, comunicações, construção e demografia fundindo-as num super-ministerio e respectivas secretarias de estado para melhor coordenar as ajudas externas e políticas do Banco Mundial e FMI, colocando o foco, onde elas se revelam efectivamente coerentes e necessarias. E para mim, apenas abarcam estas areas de actuacao. As demais, sao soberanas. Usar o modelo alemao como inspiracao;

2- Reforma da politica de Educacao, colocando enfase na matematica, fisica e quimica e linguas estrangeiras. Usar o modelo sul-africano como inspiracao;

3- Reforma na politica fiscal, enterrando o Regulamento de Fazenda de 1901 e adoptando o SISTAFE adaptado a Mocambique. Usar o modelo anglo-saxonico como inspiracao;

4- Reforma na justica, adoptando partes do codigo processual, penal, comercial norte-americano ou brasileiro ou ate sul-africano;

5- Reforma na politica de defesa, despartidarizando a Policia e o SISE e profissionalizando as forcas armadas que passariam apenas ser de voluntarios, com aposta maior na especializacao do que no número de efectivos. Usar o sistemas alemão como inspiracao. Quanto aos reservistas e outras forças chamadas a contribuir em caso de guerra, usar o sistema suíço como inspiração para garantir sua prontidao;

6- Reforma da Funcao Publica, tornando-a profissional e imune aos jogos partidarios do governo do dia. O pais nao deve parar sempre que um governante visite uma vila. Usar o sistema italiano como inspiracao;

7- Rever a nossa politica de integracao regional na SADC. Para se promover uma agricultura e industria locais, provavelmente teremos que taxar fortemente as importacoes daquilo que ja houver no pais a precos justos e competitivos. Usar o modelo brasileiro como inspiracao. Além disso, o estágio actual da UE convida a reflexão de qualquer estado soberano. Estudar o caso islandês;

8- Reformar o ensino superior, criar condicoes fiscais, políticas e até económicas para que filiais de instituicoes prestigiadas como as universidades de Harvard, Cape Town, MIT se instalem em Mocambique em parceria ou em conta propria. Usar o modelo japonês como inspiracao.

9- Rever a politica de TICs, combater os monopolios e jogos de interesses instalados no MCT e abrir o Estado ao open-source. Usar o modelo brasileiro, indiano ou chinês como inspiracao.

Penso que, para comeco, isto ja seria mais do que o suficiente.

Carlos Serra disse...

Obrigado, dá para reflectir.