No seu livro "Lutar por Moçambique", Eduardo Mondlane escreveu o seguinte após a morte de Salazar: "(...) o regime de Salazar era, de facto, uma oligarquia. A personalidade do ditador moldava o aspecto exterior do Governo; mas o Poder residia num pequeno grupo de proprietários, industriais e chefes militares. Nesta base assenta a autoridade de Caetano como sucessor de Salazar, e por conseguinte, mesmo que ele o quisesse, verificaria ser virtualmente impossível fazer grandes mudanças numa direcção que prejudicaria os interesses desta poderosa minoria" (Mondlane, Eduardo, Lutar por Moçambique. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1976, 2.ª ed.ª, p.243).
Observação: nessa, como em tantas outras passagens, Mondlane mostra a sua extraordinária sagacidade política e dá-nos a medida do enorme pesquisador que era. Ao mesmo tempo, (1) situa epocalmente um fenómeno, (2) mostra a lógica que o rege e (3) cria condições para usarmos a sua análise como enxada interrogadora de situações transfronteiriças e - permitam-me dizê-lo - transhistóricas. Fundamental é o facto de Mondlane nos dar a conhecer a lógica e a estrutura condicionadoras dos homens-efígie (Salazar e Caetano, no caso vertente). Mais: leva-nos bem para além da sedução frenética que sentimos pelos grandes homens, pelo singular, pelo excepcional, pelo único. Quando lemos os textos de autores como Mondlane e Marx, o que deve ser feito não é veneração divina, mas a aprendizagem analítica. Voltarei a Mondlane na minha série Graça, Marcelino e Rebelo: a frente crítica.
8 comentários:
Pode dizer em que ano ele escreveu o livro?
Esse livro, pelo ano da sua publicacao - 1968 - que pessoalmente contesto, pois, acho que o texto foi escrito logo apos o I Congresso da FRELIMO em 1962, e um marco para suscitar diversas analises:
1- Mostra a faceta neo-liberal de Mondlane, mesclada com o socialismo africano (outro sonho quimerico) de Nyerere. Por comparacao, atrevo-me a dizer que Mondlane se assemelhava no pensamento a Kwame Nkrumah, mas que fundo, a sua praxis seria proxima a de um William Tolbert.
2-Mostra a contradicao entre o que ele diz e o que ele faz (II Congresso da FRELIMO), onde a visao marxista-leninista radical, sob a sua batuta (estaria ja politicamente isolado como um puppet leader) se impoe no movimento e que se cristalizou com a ascensao de Marcelino e Samora ao poder.
3- Quase que sugere que se ele nao tivesse sido assassinado em 1969, certamente o teria sido antes de 1975, ou em ultima analise, desertado da FRELIMO ou mesmo formado a sua propria organizacao nacionalista e acabado como um Kamba Simango ou um Artur Vilanculos, possivelmente a leccionar novamente em Syracuse.
Como academico, Mondlane era um fino intelectual, mas como uma grande maioria deles, tambem idealista naive, incapaz de ler a dinamica da guerra fria no seu proprio Comite Central. E sem o sexto-sentido de um guerrilheiro, capaz de perceber que todo isolamento politico precede a uma aniquilacao fisica. Esta nos manuais da guerra revolucionaria de Mao-Tse-Tung que ele leu, mas nao compreendeu. Falha que se lhe perdoa, pois como se viu em 1986, nao foi o unico que cometeu a mesma asneira.
Nesta ocasioes, pergunta-se:
O que teria sido em 1975, caso fosse Mondlane a proclamar a Independencia?
Uma coisa posso assegurar. Teria certamente lidado com os dossiers Rhodesia e Suid-Afrika com maior parcimonia, a semelhanca do que fizeram o Botswana, a Swazilandia e ate a Zambia. E isso, seria a grande diferenca entre ELE e o outros que lhe seguiram, os mandaretes de Moscovo.
E o simples facto de assim ser, talvez tivesse ditado uma sorte diferente tambem para Angola, e porque nao dizer, de toda Africa Austral, que hoje talvez se assemelhasse a realidade Franco CFA da CEDEAO. Quanto ao Apartheid...acho que teria evoluido para uma solucao federalista. Porque no fundo, toda a questao sempre foi economica, qualquer cosmetica politica serviria.
Quanto aos colonizadores que ainda ficassem por ca, o seu "modus operandi" com eles nao teria sido diferente do de Lumumba, pois a confrontacao politica ou armada seria inevitavel, pois era todo um sistema que estava em causa. E ai entao, talvez fosse obrigado a engolir sapos, o que, como Intelectual genuino, nunca aceitaria. E tal como Lumumba, seria traido por um dos seus pares e o seu destino igualmente tragico.
Há-de sempre aparecer um senão... defeitos dos analistas.
Para mim, tenho em Mondlane um homem lente.
Pronto. Está dito.
Zicomo
Dois congressos, dois momentos, que demonstram a contradicao dos principios atribuidos a Mondlane:
I Congresso:
In Bard E. Oneil, William R. Heaton, Donald J. Alberts,
Insurgency in the Modern World, (A Westview Special Study:
Westview Press, 1980):
1. To develop and consolidate the organizational structure of Frelimo;
2. To further the unity of Mozambicans;
3. To achieve maximum utilization of the energies and capacities of each and every member of Frelimo;
4. To promote and accelerate training of cadres;
5. To employ directly every effort to promote the rapid access of Mozambique to independence;
6. To promote by every method the social and cultural development of the Mozambican woman;
7. To promote at once the literacy of the Mozambican people,
creating schools wherever possible;
8. To take the necessary measures towards supplying the
needs of the organs of different levels of Frelimo;
9. To encourage and support the formation and consolidation of trade union, student, youth and women's organizations;
10. To cooperate with the nationalist organizations of the other Portuguese colonies;
11. To cooperate with African nationalist organizations;
E mais...
In Thomas H. Henriksen, Mozambique: A History, (Southampton:
The Camelot Press, 1978), p. 174.
& Eduardo Mondlane, The Struggle for Mozambique, (Middlesex:
Penguin Books, Ltd., 1969), p. 122-123.
12. To cooperate with the nationalist movements of all countries;
13. To obtain funds from organizations which sympathize with the cause of the people of Mozambique, making public appeals;
14. To procure all requirements for self defense and resistance of the Mozambican people;
15. To organize permanent propaganda by all methods in order to mobilize world public opinion in favour of the cause of the Mozambican people;
16. To send delegations to all countries in order to undertake campaigns and public demonstrations of protest against the atrocities committed by the Portuguese colonial administration, as well as to press for the immediate liberation of all nationalists who are inside the Portuguese colonialist prisons;
17. To procure diplomatic, moral and material help for the cause of the Mozambican people from the African states and from all peace and freedom loving people
E como o puseram em pratica?
"...With no real working class or Mozambican military to isolate from the Portuguese regime and ultimately from which to gain support as in the case of a typical Marxist-Leninist strategy, Frelimo leaders adopted a Maoist strategy with one major change. The Maoist insurgency is typically three-staged..."
.../...
E dai se desembocou no
II Congresso:
"...The goals
of the first Congress of Frelimo in September 1962, recounted
earlier, are clear, direct, and bear no striking resemblance to
the typical rhetoric which accompanies a Communist inspired
insurgency. The goals of the Second Congress of Frelimo in June 1968, however, are not the same. Though too numerous to
recount in detail, an examination of a selected few should
provide the general flavour:
In Eduardo Mondlane, The Struggle for Mozambique, (Middlesex:
Penguin Books, Ltd., 1969), p. 189-195.
1. "The Portuguese government is a colonialist, fascist government that still maintains the myth that Mozambique is a Portuguese Province, and consequently, part and parcel of Portugal".
2. "Our struggle is a people's struggle. It requires the total participation of all the masses of the people".
3. "Many comrades are engaged in the struggle because..."
4. "The Mozambican people are engaged in an armed struggle
against Portuguese colonialism and imperialism for their national independence and for the establishment of a social, democratic order in Mozambique. This struggle is part of the world's movement for the emancipation of the peoples, which aims at the total liquidation of colonialism and imperialism, and at the construction of a new society free from exploitation of man by man."
Totalmente atipico, "vindo" de um Mondlane que agora ja "e" um marxista convicto!
Que inflexao conveniente...
So que eu nao acredito nela. Mais, admito que Mondlane, metodico como era, escrevesse notas pessoais sobre a evolucao da Luta desde o I Congresso. Textos esses que foram criativamente editados "montando" um intelectual em negacao da negacao. Mas, um intelectual do seu calibre, seria sempre coerente com os seus principios.
Mais, certas datas, de Marco de 1968 a Fevereiro de 1969, tambem convidam a reflexao. Ora, senao vejamos, em Março de 1968, comecam os motins na FRELIMO instigados por Gwendjere. Em Junho realiza-se o II Congresso. Salazar, cai da cadeira em Agosto de 1968, portanto nao ha relacao causa e efeito entre o que se passa em Mocambique e Lisboa. Ou seja, a metrople andava muito longe da atencao do Lider fundador. Caetano ascende ao poder em 27 de Setembro de 1968. Nessa altura, andava ja Mondlane, escondido, em movimento constante, por motivos de seguranca. E como se viu, quase em reclusao sempre ao lado da fiel Betty King.
Em suma, com apenas tres meses de vida, acossado por seus militantes, isolado do seu Comite Central, desconhecendo a realidade do interior e auto-exilado em Oyster Bay com a sua fiel secretaria, Mondlane pode fazer as espantosas analises em compila-las neste Livro! Numa era em que a Internet nao existia. E os correios na Tanzania, funcionavam possivelmente a vapor...
Portanto, o mais certo e conceber que algumas paginas do seu Livro nunca foram escritas por ele, mas sim, reescritas conforme as conveniencias ja depois de sua morte, para justificar o que se viria a oficializar no III Congresso de 1977.
Tal como o "heroi" Augusto Ngangula do MPLA, prova-se uma vez mais que a historia e sempre construida pelos vencedores.
Ate um dia.
Bem sr ricardo, não é como é porque e para que, como so o homem era um academico e estudioso ainda um mestre na intrperetação(sociologo) subjectiva é claro que para ele era simples criar ou recriar qualquer cenario possivel ou imaginario.
De facto, sr. Fenix. O poeta nasce e o orador faz-se...
Curador é o profissional capacitado responsável pela concepção, montagem e supervisão de uma exposição de arte, além de ser também o responsável pela execução e revisão do catálogo da exposição. A curadoria é um processo de criação, assim como a obra de arte.
O termo curador, a princípio, remete a alguém que cura outros seres, um médico ou curandeiro, por exemplo. O termo, entretanto, possui ainda outras acepções:
Em direito, o curador pode assumir sentidos diversos, dependendo da área específica, como por exemplo, se referir a um membro do Ministério Público a quem cabe defender por lei, perante as varas cíveis e especializadas, os ausentes, os incapazes, massas falidas, resíduos de pessoa física ou jurídica.
Curador – tratador de doente
Curador – organizador de exposições; neologismo derivado de "curator".
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