25 agosto 2010

Linchar à luz do dia: como analisar? (1)

Acusadas de roubo, três pessoas foram espancadas e queimadas vivas no último fim-de-semana em dois bairros periféricos da cidade da Beira (uma na Manga e duas na Munhava). Segundo a Rádio Moçambique, duas outras encontram-se hospitalizadas com ferimentos graves. De acordo com o "O País" online, os linchamentos foram efectuados por centenas de pessoas. Foi isso feito de noite? Não, foi em pleno dia. Segundo o jornal, o Secretário da Munhava disse que "os moradores optaram pela justiça com as próprias mãos, porque a polícia revela falta de capacidade para conter a onda de criminalidade que tende a agudizar-se naquele bairro" (confira numa postagem minha aqui). Num estudo que dirigi sobre linchamentos no país, divulgado em dois livros em 2008 e 2009 (frequentemente referidos neste diário), verificou-se que a noite e o secretismo eram o pano de fundo desses actos. Ora, no evento aqui em causa, os linchamentos foram executados em pleno dia por multidões, acrescendo que foram demasiados casos para um período temporal demasiado curto. Como podemos analisar isso?
(continua

3 comentários:

(Paulo Granjo) disse...

A julgar pelos dados que disponibilizou, tarta-se de um padrão de linchamento urbano diferente do predominante, mas não inédito.

Normalmente (se é que tal palavra se pode aplicar a este tipo de casos...), como tão bem sabe, o acto não é pré-deliberado, mas uma resposta casuística e imediata a uma acusação ou ameaça de roubo ou violação, por parte de forasteiros. Suspeito que a coincidência com a noite terá, aí, mais a ver com o aumento da sensação de ameaça (e de condições esperadas para o crime) do que com ocultação do linchamento. Afinal, pode chegar a ser chamada a televisão para filmar...

Este caso parece ter, em vez disso, um padrão semelhante ao daquela principal excepção de 2008, ocorrida em Fevereiro, creio que no Chimoio.
Aqui, as pessoas não respondem a um grito de alerta inesperado, mas antes je juntam, deliberadamente e com um "julgamente" e "sentença" já consensuais, para procurar indivíduos específicos e já referenciados como criminosos que actuam no bairro, mas que não são realmente forasteiros, mas alguém que também lá habita ou é presença habitual.

O dia parece ser, neste quadro, a melhor altura para os encontrar, e também uma altura mais adequada a que a multidão mostre a "limpeza" que, ao sair de casa, já decidiu que vai fazer.

Mas há um outro aspecto que talvez merecesse também reflexão.
Poucos dias depois do motim de Maputo, em que medida os linchamentos do Chimoio terão sido (mesmo que de forma não totalmente consciente) a forma localmente encontrada de afirmar a "saída da garrafa"?
Em que medida este novo caso fora do padrão poderá estar relacionado, por exemplo, com mal-estar resultante do caso em torno da posse de edifícios entre a frelimo e o Conselho Municipal, ou dos boicotes partidários à actividade deste último?

Por outras palavras, em que medida é que, neste outro padrão mais raro de linchamentos, as questões de poder e a reação à actuação das forças partidárias serão mais centrais e explícitas do que aquilo que difusamente acontece nos linchamentos urbanos mais habituais em Moçambique?

Talvez possamos falar pessoalmente um pouco acerca disso, no mês que se aproxima.

(Paulo Granjo) disse...

A julgar pelos dados que disponibilizou, tarta-se de um padrão de linchamento urbano diferente do predominante, mas não inédito.

Normalmente (se é que tal palavra se pode aplicar a este tipo de casos...), como tão bem sabe, o acto não é pré-deliberado, mas uma resposta casuística e imediata a uma acusação ou ameaça de roubo ou violação, por parte de forasteiros. Suspeito que a coincidência com a noite terá, aí, mais a ver com o aumento da sensação de ameaça (e de condições esperadas para o crime) do que com ocultação do linchamento. Afinal, pode chegar a ser chamada a televisão para filmar...

Este caso parece ter, em vez disso, um padrão semelhante ao daquela principal excepção de 2008, ocorrida em Fevereiro, creio que no Chimoio.
Aqui, as pessoas não respondem a um grito de alerta inesperado, mas antes je juntam, deliberadamente e com um "julgamente" e "sentença" já consensuais, para procurar indivíduos específicos e já referenciados como criminosos que actuam no bairro, mas que não são realmente forasteiros, mas alguém que também lá habita ou é presença habitual.

O dia parece ser, neste quadro, a melhor altura para os encontrar, e também uma altura mais adequada a que a multidão mostre a "limpeza" que, ao sair de casa, já decidiu que vai fazer.

Mas há um outro aspecto que talvez merecesse também reflexão.
Poucos dias depois do motim de Maputo, em que medida os linchamentos do Chimoio terão sido (mesmo que de forma não totalmente consciente) a forma localmente encontrada de afirmar a "saída da garrafa"?
Em que medida este novo caso fora do padrão poderá estar relacionado, por exemplo, com mal-estar resultante do caso em torno da posse de edifícios entre a frelimo e o Conselho Municipal, ou dos boicotes partidários à actividade deste último?

Por outras palavras, em que medida é que, neste outro padrão mais raro de linchamentos, as questões de poder e a reação à actuação das forças partidárias serão mais centrais e explícitas do que aquilo que difusamente acontece nos linchamentos urbanos mais habituais em Moçambique?

(PS: é a 3ª vez que tento meter o comentário, mas parece não ter entrado. Se entraram, peço que apague as repetições)

Carlos Serra disse...

Obrigado, Paulo, terei em conta o que escreveu. Salientarei o seu comentário na continuidade da série.