Mais um pouco da série.
O rochedo de Dhlakama é, sem dúvida, pesado, sísifico.
Internamente, Dhlakama e seu núcleo dirigente (creio que cada vez mais castrense e pré-1992 face à purga de intelectuais e de quadros-link) tem de fazer face a uma constante demanda de retribuições. Sem dúvida que deve haver quem milite num partido como quem milita numa igreja: por dedicação isenta de cargos e de salários. Mas é mais provável que um partido seja bem mais um corredor de aspirações, tão mais fortes quanto os recursos de vida e poder são escassos, mas apetecidos: cargos e benesses em assembleias municipais, na assembleia da República. Ora, os anos vão passando e quer os guerrilheiros, quer os militantes pós-1992, aguardam os prémios da mata e da dedicação.
Externamente, Dhlakama e seu núcleo dirigente têm de enfrentar uma bateria crescente, quase diária, de mísseis ideológicos dos partidos inimigos (Frelimo e os pequenos partidos acomodados, por exemplo os da "oposição construtiva"), de jornalistas críticos, de clérigos, de intelectuais, etc. Qualquer coisa que venha de Dhlakama, não importa o quê agora, é imediatamente inscrita em três estantes: a estante do militarismo (guardas acantonados em Marínguè, por exemplo), a estante da incoerência (a acusação da fraude, por exemplo) e a estante da violência (os promessas de desobediência civil, por exemplo).
E assim temos um núcleo dirigente a viver a dureza do duplo constrangimento: por um lado, a tentativa de escapar em permanência ao roteiro histórico da guerrilha através da modernidade política do partido e da frequência regular dos corredores urbanos da afirmação e da disputa política (assembleia da República, mídia, viagens, seminários); por outro, a exposição contante e crescente à crítica, seja vinda do partido no poder, seja vinda da antiga oposição (hoje completamente acomodada). A virulência da crítica destrói os ganhos da desguerrilhação progressiva. A ala dirigente da Renamo é um fac-símile daquele herói de um filme de Charlie Chaplin que, apanhado por uma tempestade de neve quando dormia na sua cabana, vê esta de repente na borda de um precipício. Ao acordar, quer sair. Mas se avança para o lado do precipício, a cabana tomba; se recua e pretende sair, a tempestade aguarda-o. O herói de Chaplin não pode nem habitar a cabana nem deixá-la.
(continua)
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