Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
30 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [7]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Confira o número anterior aqui. Termino a resposta à quarta pergunta. [amplie a imagem acima clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato]
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Celso Ricardo: Até que ponto é válido o argumento segundo o qual os linchamentos são uma autodefesa do povo vítima? Quem cria as condições para o povo recorrer ao linchamento?
Eu: O linchamento é um fenómeno multifactorial, não lhe são certamente estranhas as sequelas psicológicas (em particular a nível da educação familiar, por via da violência e do medo) das guerras, especialmente da que decorreu grosso modo entre 1976 e 1992. Em última análise, como propôs um especialista brasileiro de linchamentos, o linchamento clássico periurbano é um acto conservador, destinado, ainda que de forma errada, a repor a ordem. Nos meus termos, é uma desordem que apela à ordem, é, em sua forma criminosa de “controlo social” privativo, um apelo extemo e danoso ao Estado-guardião, ao Estado-reparador. Melhor ainda: é ao mesmo tempo uma crítica do e um apelo ao Estado. Seja qual for a modalidade, o linchamento é um eclipse dos órgãos formais da justiça, é também um eclipse das instâncias informais que procuram resolver conflitos como as igrejas e as chefias tradicionais.
Uma coluna de humor
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29 abril 2017
Estreia
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Notas sobre linchamentos em Moçambique [6]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Confira o número anterior aqui. Entro agora na quarta e na quinta perguntas, com a primeira parte da resposta. [amplie a imagem acima clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato]
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Celso Ricardo: Até que ponto é válido o argumento segundo o qual os linchamentos são uma autodefesa do povo vítima? Quem cria as condições para o povo recorrer ao linchamento?
Eu: No caso dos linchamentos periurbanos, uma das razões invocadas pelas pessoas é a de que a polícia não defende convenientemente as comunidades, é a de que a polícia solta ou é conivente com os criminosos. Esse é um argumento que surge em vários países do mundo afectados por linchamentos. Mas o problema central não está aí, o problema central está na intranquilidade social motivada pelo roubo na calada da noite, intranquilidade social motivada pelas violações nocturnas em bairros apinhados de pessoas, bairros frequentemente não iluminados ou mal iluminados, sem postos policiais ou com postos policiais sem meios, bairros cheios de pessoas desempregadas, com uma intensa vida de rua, com um sentido de “rádio-rua” muito profundo e rápido.
No Niassa com o humor do "Faísca"
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28 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [5]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Confira o número anterior aqui. Entro agora na terceira pergunta, com a resposta completa. [amplie a imagem acima clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato]
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Celso Ricardo: Existe algo que justifique os linchamentos populares, ou seja, os populares têm razão em aplicar justiça pelas próprias mãos?
Eu: Estamos de novo confrontados com a necessidade de sabermos com que tipo de linchamento lidamos. Mas seja qual for o tipo de linchamento que está em causa, é importante ter em conta a razão ou as razões invocadas pelas pessoas para matarem outrem. Se me permitir uma forma extrema de situar o problema, trata-se de encontrar a racionalidade da irracionalidade criminogénea. Encontrar essa racionalidade da irracionalidade pode contribuir para o desencadeamento de acções destinadas a bloquear as mentes armadas, destinadas a impedir a privatização criminosa da justiça. Temos de ser capazes de ir para além da acusação e da punição, de analisar os factores à retaguarda da mentalidade linchatória; temos de ser capazes de, com rigor científico, conhecer, analisar e prevenir as condições e as relações sociais que continuamente armam as mentes e as levam à violência e ao crime.
Um livro disponível em Moçambique
Confira no portal da editora aqui. Amplie a imagem acima clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato.
27 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [4]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Confira o número anterior aqui. Entro agora na segunda pergunta, com a resposta completa [o jovem da foto acima escapou do linchamento em 2008, na periferia da cidade da Beira].
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Celso Ricardo: O que se está a passar no tocante aos linchamentos periurbanos? Este fenómeno é demonstração de quê?
Eu: O linchamento periurbano típico envolve uma multidão que assassina alguém de noite, regra geral um jovem desempregado passante na zona, acusado de roubo ou de estupro. O linchado pode estar inocente, mas isso não interessa à multidão, o que interessa à multidão é a crença de que “aquele indivíduo” é culpado, a crença de que ele deve pagar por todas e tudo. Para usar uma expressão do bispo Diniz Sengulane, as mentes estão armadas. O que mostra esse tipo de crime? Mostra inquietação social. Esta inquietação social desagua no crime aplicado a um bode expiatório, crime que é como um fusível que “salta” devido a um “sobreaquecimento social”.
26 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [3]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Número anterior da série aqui. Segue-se, agora, o fim da resposta à primeira pergunta.
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Celso Ricardo: Regra geral, por que os linchamentos não ocorrem dentro da cidade de cimento?
Eu: Concretamente, em relação à sua pergunta, depende do tipo de linchamento que está em causa, porque há vários tipos de linchamentos. Por exemplo, há dias a "Rádio Moçambique" reportou que duas pessoas foram linchadas em Gaza, acusadas de prática de feitiçaria. Entre as seis pessoas indiciadas do crime e detidas em Chicualacuala e Bilene, estavam professores. O linchamento por acusação de feitiçaria é uma coisa, o linchamento por acusação de roubo ou estupro é outra. Se estiver em causa o linchamento periurbano por acusação de roubo ou estupro e em relação à sua pergunta no tocante à cidade do cimento, talvez possamos ter em conta factores como os seguintes: segurança (pública e privada) mais visível, iluminação, estrutura habitacional diferente, grande circulação rodoviária, sociabilidades distintas, privacidade, etc.
25 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [2]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Número inaugural da série aqui. Prossigo com a primeira pergunta e a continuidade da resposta.
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Celso Ricardo: Regra geral, por que os linchamentos não ocorrem dentro da cidade de cimento?
Eu: Estamos perante um exercício de privatização criminogénea da justiça. Por hipótese, este tipo de crime colectivo pode situar-se na figura do crime “por sentimento de justiça”, provocado por um sentimento de frustração. Em sua elementaridade, trata-se de um crime cometido como resposta a uma injustiça, real ou imaginada, que se acredita ter sido exercida sobre uma comunidade ou uma família. Ladrões ou feiticeiros atormentam as pessoas, a polícia é suposta não agir eficazmente, então pessoas juntam-se e lincham o ou os supostos autores do mal. Esse grupo de pessoas torna-se como que a versão vingativa local de Michael Kohlhass, protagonista – com o seu bando - do romance de Henriche von Kleist. [resposta à pergunta prossegue no próximo número]
25 de Abril de 1974
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Um prisma sobre Moçambique
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24 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique [1]
"Segundo dados estatísticos coligidos, o país registou, no ano de 2016, em média, dois linchamentos por semana. Os números demonstram, infelizmente, que os linchamentos tornaram-se uma prática da realidade moçambicana [...]. [...] o linchamento é um problema social que não pode ser solucionado, primariamente, por acções repressivas, devendo dar-se primazia às acções de prevenção como a promoção de debates [...] - Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República [2017], pp. 37-38.
Em 2011 fui entrevistado sobre linchamentos pelo jornalista Celso Ricardo de O País. Por me parecer que as minhas afirmações continuam actuais, reproduzo-as na íntegra nesta série.
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Celso Ricardo: Regra geral, por que os linchamentos não ocorrem dentro da cidade de cimento?
Eu: Permita-me, em primeiro lugar, definir o linchamento, fenómeno que afecta vários países. Linchamento é a execução sumária de alguém por uma multidão, grande ou pequena, não importa o tamanho. Acusada de um crime real ou imaginário, culpada ou não, a vítima não tem qualquer hipótese de defesa, não tem qualquer tipo de protecção legal. O linchamento é um crime abominável. Uma multidão tornada homicida decide do destino de outrem indefeso, roubando ao Estado o monopólio da justiça e da penalização [resposta à pergunta continua no próximo número].
Uma crónica semanal
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23 abril 2017
Notas sobre linchamentos em Moçambique
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Notas sobre a normalização política do corpo [16]
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22 abril 2017
Notas sobre a normalização política do corpo [15]
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Uma coluna de humor
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