"Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem" (Bertolt Brecht).
Mais um pouco desta série.
Propus no número anterior que deixássemos Muidumbe e regressássemos às periferias escaldantes de Maputo e Matola, lá onde, nas descrições mais oficiais - tal como em Fevereiro de 2008 -, estavam e estão os havidos por malfeitores, criminosos, vândalos, irresponsáveis, autores de assaltos e saques, etc.
Há, por agora, sobre a revolta de 1/3, cinco coisas sobre as quais vou escrever um pouco, designadamente:
1. Atracção pela moralização
2. Protocolos correntes na imprensa de leitura e análise
3. Características da revolta
4. Possíveis causas
5. Questões em aberto
Vamos ao primeiro ponto.
Há quem entenda que analisar um fenómeno é um discurso moral sem fim, injectado logo nas premissas; há quem entenda que a etiquetagem de grupos (malfeitores, irresponsáveis, charlatães, oportunistas, etc.) é analisar; há quem passe a vida a introduzir os seus julgamentos morais nas definições para os meter ao abrigo da verificação empírica; há, ainda, quem entenda que analisar uma situação ou um fenómeno é aceitá-la ou aceitá-lo, é justificá-la ou justificá-lo (não são poucos os missionários da criminalização pronta-a-vestir com diatribes do género "está a incitar à violência"; teremos, um dia, a partir das suas práticas sociais, de começar a analisar os que dizem analisar e que afirmam fazê-lo com rigor e isenção).
O que é analisar em ciências sociais? Analisar em ciências sociais é estudar cirurgicamente as partes de um fenómeno decomposto e produzir no fim do processo uma visão de conjunto do seu funcionamento e, se necessário, mostrar a natureza do (s) problemas (s) e suas causas. Analisar é procurar criar uma fronteira entre o cidadão que maneja e emprega diariamente as categorias de valor e o analista que procura estudar os fenómenos independentemente de eles serem bons ou maus, de apreciar ou não a sua natureza e os seus problemas. Não é nada fácil praticar a análise clínica, mas o esforço deve ser permanente nesse sentido. Não é fácil por quê? Porque, humanos que somos, temos por missão analisar e compreender outros seres humanos. Por isso não é raro darmos com briosas campanhas morais e moralizadoras (rigorosamente apenas isso, com disfarce de ciência em alguns casos) oferecidas pelos seus produtores como exercícios de análise (foto reproduzida daqui).
(continua)
1 comentário:
Professor,
Ia dizer tudo que disse quando dos fenómenos da Quissi Mavota.
"Ciêntistas" há que alegando várias justificações demagógicas tentaram (ainda bem que o MISAU lhes ignorou) nos dizer que alguns seguimentos da sociedade Moçambicana até legalmente constituidas neste país não deviam ter opinião sobre aquele caso sob pena de promoção à charlataria! temos que encontrar um adjectivo que qualifica cabalmente a ciêntistas que só servem as elites.
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