09 janeiro 2014

Espírito do deixa-falar (5)

Membros da equipa, da esquerda para a direita nas caricaturas em epígrafe: Sónia Ribeiro, moçambicana, professora de Biologia, Bairro Sansão Muthemba, cidade de Tete; Carlos Serra, moçambicano, coordenador, Bairro da Polana, cidade de Maputo; Geraldo dos Santos, moçambicano, historiador, Bairro da Malhangalene, cidade de Maputo; Félix Gorane, moçambicano, advogado, Bairro do Macúti, cidade da Beira; Joseph Poisson, francês, farmacêutico, Rue des Écoles (quarteirão latino), cidade de Paris.
Sónia Ribeiro: olá, amigos, aqui me tendes a escrever a partir desta cidade namorada pelo Zambeze, a bela Tete. Escutem. Se analisarmos bem o que alguns de vocês escreveram, verificamos facilmente que o tom é, no fundo, o mesmo: a Renamo é a maldade personificada. Ó Félix, você já pensou que se existe no Acordo de Roma uma cláusula ou um conjunto de cláusulas que salvaguarda a proteção do presidente da Renamo (mesmo se essa proteção atinge a estrutura física de um exército ou quase isso no figurino da sua "guarda presidencial"), isso deve-se ao facto de que, no terreno, a Renamo quase controlava militarmente o país e que, no fundo, as cidades estavam cercadas? Já pensou que a cláusula ou conjunto de cláusulas tem a ver com a força da Renamo e não com a sua fraqueza? Já pensou que essa cláusula ou esse conjunto de cláusulas é, no fundo, uma vitória da Renamo? E depois, caros amigos, já que tanto falais em guerra, já esquecesteis que a Frelimo também teve de fazer uma luta armada para desalojar o colonialismo? A guerra parece ser o nosso destino, não é? Olhem, por agora fico por aqui. Beijocas tetenses. Sónia.
Joseph Poisson: Méchanceté? Mais bien sûr, assim é, tout à fait, Mesdames et Messieurs. Já esqueceram que même les Américains disseram que la Renamo a commis um dos maiores génocides de l'histoire humaine? Vocês querem jeter l'histoire à la poubelle? Sacrebleu. Amitiés. Joseph
Geraldo dos Santos: vamos lá considerar a Renamo não como causa, mas como consequência histórica de alguns dos nossos problemas. Vamos por partes, devagar. Uma tese clássica é a de que a Renamo é produto dos interesses militares e da contra-inteligência dos regímens da Rodésia do Sul e da África do Sul. Sem dúvida que é impossível negar isso e a documentação existente atesta-o. Quer a Rodésia do Sul quer a África do Sul de então viam com maus olhos o surgimento da Frelimo no poder e, portanto, tinham todo o interesse em bloquear a irradiação regional da influência "comunista". Certas grandes potências mundiais também estavam preocupadas com o que entendiam ser o radicalismo revolucionário da Frelimo. Mas, fazendo uso de uma linguagem metafórica, para se fazer a omolete da quinta-coluna chamada Renamo, era preciso haver ovos moçambicanos. Deixarei este tema para mais tarde. Respeitosos cumprimentos. Geraldo.
Carlos Serra: fico satisfeito pela pronta aceitação da linha de pensamento da Sónia. Vejo que existem já muitos laços por onde pegar. Deixem-me propor-vos mais um, sabendo-se haver indicações claras de que o conflito militar se generaliza no país. Eis a pergunta: pode considerar-se estarmos diante de uma guerra civil? Abraço. Carlos
(continua)
Adenda: a série pode também ser consultada na minha página da Academia.edu, aqui; sobre como nasceu este deixa-falar, confira um texto do Geraldo dos Santos, aqui.

1 comentário:

nachingweya disse...

Sim estamos em guerra. Como não há já em volta Estados interessados em desmantelar a logística do ANC ou da ZANU combatendo-se o seu provedor, esta é, por definição, uma guerra civil. Se vai durar? É dificil prever pois tudo depende dos apoios logisticos que a Renamo conseguir mobilizar num cenario de operações em ilha (cercada de regimes hostis por todos os lados). E como, revogado o AGP pelo ataque a Satungira, a Afonso Dhakhama só resta a alternativa de morrer de pé, até que seja abatido dará luta e não estará só.