04 abril 2011

À mão a comida tem melhor gosto (10)

Mais um pouco desta série.
Escrevi no número inaugural que falta fazer a história dos hábitos, dos gostos, das maneiras,  dos processos de contacto, da gestão do corpo, das classificações comportamentais e das concepções de civilidade em Moçambique, eventualmente algo parecido com aquilo que foi feito por Norbert Elias. Todavia, o que vai seguir-se não é um subsídio directo nesse sentido.
Escrevi, já, que comer de garfo e faca era bem mais do que interpôr instrumentos entre a boca e o prato: era tentar vencer o ostracismo colonial, era tentar chegar à dignidade humana. Por isso era preciso, lentamente, socialmente, visivelmente, descolonizar a faca e o garfo, moçambicanizá-los. Isto deu-se especialmente em alguns centros urbanos e nas plantações.
O comer cuidado à mesa era e foi uma forma de ficar ao nível do colono, de chegar à paridade com ele, como sucedeu, nas cidades brancas, em núcleos educados pelas missões católicas dos amanuenses locais do regime colonial. E ao comer de garfo e faca juntou-se o falar e escrever português, bem como o vestir de uma certa maneira. Este era um dos caminhos impostos pelo colonizador para que o colonizado atingisse o estatuto oficial de assimilado.
Nas plantações, especialmente a partir dos anos 60 do século passado, os trabalhadores recebiam talheres e pratos. Tal como nas cidades brancas, as plantações foram veículos de adopção e assimilação do comer elegante, afinal do comer urbano.
Prossigo oportunamente. 
(continua)

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