15 setembro 2011

Sobre a qualidade do ensino em Moçambique (6)

"Eu mesmo tenho frequentemente lembrado que, se existe uma verdade, é que a verdade é um lugar de lutas." (Pierre Bourdieu)
Avanço na série, mantendo-me no segundo ponto do sumário proposto.
2. Qualidade e ensino: o problema das definições. Suponhamos que apago a multidão de sentidos que o termo qualidade pode englobar segundo grupos, épocas e necessidades e que, para efeitos do tema ensino, estabeleço uma definição instrumental, neutra, mas extremamente pobre, como a seguinte: qualidade é  a característica distintiva de algo que assegura satisfação no uso. E como se pode definir ensino?
Prossigo mais tarde. Crédito da imagem aqui.
(continua)

2 comentários:

Salvador Langa disse...

Estou a gostar Professor.

ricardo disse...

Admitamos que a V. definicao seja tautologica. Ela poderia aplicar-se a varias situacoes. Aos interesses de quem governa. E aos anseios de quem consente ser governado. Imaginando que, se para se governar um pais, for suficiente promover determinada qualidade de ensino "fit to the business" popular, que lhe permita manter os governados sob as redeas do poder, entao, a qualidade do ensino ficara moldada as suas necessidades. Mas, se os governados se compenetrarem - e nem tem de ser pelos mesmos interesses - que qualidade e permitir que possamos olhar bem mais para la do nosso quintal, ou seja "fit to the needs" entao, certamente, a avaliacao seria bem diferente da anterior. So que fenomenos destes, nao sao expontaneos. Eles sao construidos e em prazos dilatados. Realisticamente, sr. Professor, uma reforma do ensino superior, por exemplo, dura em media 10 anos. E as outras muito mais. Podemos esperar duas a tres geracoes para alinharmos o nosso sistema de ensino como o que melhor se faz, se o objectivo final for criar 80% de analfabetos funcionais e 20% de genios!

Por outro lado, (retomando um V. post em que pergunta: "Se os mocambicanos fossem chineses?") eu especularia que, se os chineses estao hoje dentro os melhores alunos de matematica, linguas estrangeiras e economia, e porque se interrogaram tambem nos anos 60. Alias, quem leu Deng Xiao Ping, percebe exactamente o que foi feito la. Certamente porque os governantes chineses definiram que as geracoes futuras teriam que sair da China para conquistarem o mundo. Contudo, nos, parece-me, estamos mais preocupados em amarrar as geracoes vindouras ao passado abstracto, criar uma mentalidade "fortaleza mental" interna contra pontos de vista diferentes, e "domesticacao intelectual" perante a ajuda externa. E quanto a mim, isso e que distingue os que estao mais ou menos avancados no ensino a nivel mundial, e por hipotese, equaciona o problema das definicoes aqui colocado, ainda que filosoficamente. Chamo sempre atencao aos planificadores do desenvolvimento de Mocambique para estudarem a Reforma da Educacao dos anos 50 na RSA. Pese embora esta tenha sido para legitimar o odioso sistema de Apartheid, foi contudo um processo historicamente correcto que permite hoje aquele pais ser o mais desenvolvido de Africa. E nao e por acaso que o "affirmative action" tenha tambem sido inspirado nele.

Uma questao interessante. Digam-me, do conjunto de bolsas de estudo concedidas pelos mais diferentes doadores a mocambicanos desde 1986, quantas foram para areas que se reflectissem a vertente practica do desenvolvimento (contrucao, agricultura, industria, etc.)? E quantas foram para vertentes teoricas do desenvolvimento (direito, economia, consultoria, etc.)? Temo que esta ultima ultrapasse largamente a anterior, criando-se o humus do desequilibrio socio-economico onde se engrandecem os REPRODUTORES de ideias e nao REPRODUTORES do trabalho e do progresso material. E o nosso sistema de ensino e quem molda esse "status-quo".