21 julho 2011

A proibição das saias curtas (em Lichinga?) (7)

Toda a história de mulheres foi feita por homens (Simone de Beauvoir, O segundo sexo)
O sétimo e último número da série, com o título modificado face ao que o nosso leitor A. Katawala aqui comentou ontem. Termino a quarta ideia apresentada no segundo número, com mais algumas hipóteses. É no século XIX que as burguesias reinantes europeias consolidam a ideia de sistematicamente prevenir o desvio social, seja contra o que chamavam "classes perigosas" (operários e colonizados), seja contra os protótipos de "desvio social" (doenças mentais, sexualidade, alcoolismo, etc.). Estatística, prisões, hospícios, casas de correcção: todo um mundo de disciplinarização social. Se o homem se mantém em seu papel público, à mulher continuou reservado o papel privado, o do lar. Saltar fora deste perímetro era colocar em causa a ordem "natural" das sociedades, era, afinal, como se a mulher fizesse uso das saias curtas de hoje e desta maneira fizesse perigar a ordem androcêntrica. No nosso país, a era colonial foi profundamente marcada pelo escamoteamento do corpo da mulher. Se analisarmos a documentação portuguesa a partir do princípio do século XX, veremos a preocupação colonial (completamente masculina) em vedar a nudez campesina. Por todo o lado, multiplicaram-se os interditos de exposição da nudez, muito especialmente da nudez feminina. Foi literalmente imposto, um bocado por todo o lado, o uso de determinados tipos de vestuário "decente" (termo que aparece em muitos relatórios). Os administradores e chefes de posto (que todos eram homens) desencadearam massivas campanhas de destruição das árvores das quais se extraía a entrecasca que permitia o fabrico de "tangas" (na Zambézia, isso feito em relação ao "muroto"). Por outro lado, nas cidades e ainda nos anos 60/70, mesmo nos prostíbulos urbanos (o caso da Rua Araújo, aqui em Maputo) a nudez era vigiada e proibida, ainda que as jeans e, especialmente, as então boca-de-sino, fossem toleradas. Quando chegamos à independência, surgem as campanhas de purificação de valores e fazem-se rusgas para apanhar as prostitutas e encaminhá-las para campos de reeducação. As mini-saias foram severamente desaconselhadas, muitas vezes por decisão espontânea de pessoas que se auto-designaram curadoras da moral pública. E não menos vezes eram as mulheres mais velhas que mais severas eram para com a exposição do corpo feminino. Ao longo do período revolucionário, era muito difícil encontrar as nossas jovens vestidas com roupas que exaltassem o seu corpo e a sua sexualidade. Os anos 90 são, creio, um marco importante para a subversão dos valores androcêntricos que exigiam e exigem a sobriedade e o resguardo. Penso que se casam, então, nas cidades, o desejo feminino de libertação corporal e a exaltação neo-liberal do sexismo. A disseminação da televisão, o surgimento em massa do vídeo, tudo isso trás consigo a visão de espaços de comparação e de aparente emancipação, espaços que passam a fazer parte da vida e do imaginário das nossas mulheres urbanas. A tchuna-baby, por exemplo, foi e é, apenas, um dos produtos desse casamento ainda não estudado, se a minha hipótese puder ser tida em conta. Ora, há alguns anos que se sucedem as vozes de pessoas clamando por um retorno à sobriedade, ao recato, que exigem um combate contra o que chamam costumes dissolutos. São homens e mulheres que se se queixam, entre outras coisas, de que a criminalidade sexual tem como uma das causas a nudez feminina. O seu ponto de comparação é o passado, que dizem ter sido bem melhor, um tempo - argumentam - no qual havia respeito. Em meio a esta angústia geracional, um dos alvos é a novela brasileira. Anos atrás, membros da Organização da Mulher Moçambicana chegaram, já, a pedir ao presidente da República a elaboração de uma lei que repusesse ordem no porte e no vestuário.
(fim)

3 comentários:

Salvador Langa disse...

Brilhante.

Xiluva/SARA disse...

Boa Prof!!!!!!!!!!!

BMatsombe disse...

Faço minhas as palavras do Langa.