23 dezembro 2010

A presença da ausência

Uma vez, há muitos anos, no decorrer de um trabalho, pesquisadores de uma equipa minha queixaram-se de que não conseguiam ser recebidos pela chefia de um determinado partido político do país.
Essa foi uma boa oportunidade para discutirmos métodos de pesquisa. Então, procurei mostrar quanto a ausência de algo é, ao mesmo tempo, a sua presença através de uma certa forma; quanto o não querer receber alguém é ao mesmo tempo receber de uma certa maneira; quanto o que é dito ao mesmo tempo esconde algo; quanto as palavras  e as atitudes são ao mesmo tempo a máscara ou o rosto de outras, mas sempre reveladoras de algo; quanto falas, discursos e práticas formais contêm - embutidas em si - falas, discursos e práticas informais; quanto, afinal, o fenómeno a estudar não é a ausência ou a presença de algo, mas a liga ausência-presença ou vice-versa. O estudo dialéctico deste fenómeno - da sua estrutura, da sua linguagem, dos seus símbolos, das suas formas, dos seus hibridismos, dos seus jogos - é, para mim, uma importante área metodológica. A propósito desse Jano da vida, é possível criar um aforismo à Heráclito do género: "O mesmo habita em nós: presente e ausente".

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