06 março 2011

À mão a comida tem melhor gosto (8)

Mais um pouco desta série.
Escrevi no número inaugural que falta fazer a história dos hábitos, dos gostos, das maneiras,  dos processos de contacto, da gestão do corpo, das classificações comportamentais e das concepções de civilidade em Moçambique, eventualmente algo parecido com aquilo que foi feito por Norbert Elias. Todavia, o que vai seguir-se não é um subsídio directo nesse sentido.
Não comer à mão implica uma ruptura cultural com o natural. No passado dos Moçambicanos não é possível saber exactamente quando opera essa ruptura. Mas ela deve ter começado nos séculos XVIII/XIX nos poucos meios urbanos existentes (designadamente Ilha de Moçambique, Tete, Quelimane e Lourenço Marques) e, aqui e acolá, no concernente ao meio rural, em alguns locais próximos das missões católicas. Comer de garfo e faca era bem mais do que interpôr instrumentos entre a boca e o prato: era tentar vencer o ostracismo colonial, era tentar chegar à dignidade humana. Por isso era preciso, lentamente, socialmente, visivelmente, descolonizar a faca e o garfo, moçambicanizá-los. 
Prossigo mais tarde. 
(continua)

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