17 junho 2016

Guerra e hermenêutica das valas comuns em Moçambique [8]

Número anterior aqui. Finalizo o segundo ponto do sumário [aqui], a saber: 2. Produção de cenários dantescos: a sombra de Tânato. Como escrevi no número anterior, não houve confirmação das fontes, não se cruzou informação, não se observou o princípio do contraditório, não se encontrou a vala, os corpos não foram fotografados, não se foi, enfim, para além do testemunho oral [e mesmo este importava e importa ser investigado, avaliar a sua credibilidade]. A vala de Canda ficou - e permanece hoje ainda - como vala de oitiva. A necessidade de acreditar, no contexto de um conflito militar, sobrepôs-se por completo ao imperativo das evidências e das provas. Não obstante isso, a vala foi havida por confirmada.
Todavia, as dificuldades para realmente confirmar a sua existência foram, em certos círculos, aliviadas com recurso a um outro fenómeno, intitulado "corpos à vista" ou "corpos espalhados", em Sofala e Manica. Desapareceu o recurso à vala comum? Não, a crença na vala manteve-se firme e daí expressões dialécticas como as que se seguem:
Em jornais, páginas das redes sociais digitais e blogues do copia/cola/mexerica circulava a sombra de Tânatos, os cenários eram dantescos, a morte estava a descoberto, abundante, sistemática e ameaçadora. Mas no sentido aparente e directo dos corpos, no mostrado dos restos mortais, habitavam e habitam os sentidos indirectos e não mostrados de vários outros fenómenos. Estamos perante problemas de sentido múltiplo, para usar uma expressão de Paul Ricœur. Tentarei mostrar isso lá mais para a frente.

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