17 julho 2011

O sistema

Não é apenas o "Notícias", é também, agora, o semanário "domingo", ambos mostrando (1) quanto as nossas florestas estão a saque, (2) quão fácil é embarcar madeira em contentores e (3) quão misterioso é o processo de inspecção aos contentores com madeira apreendida. O "domingo" de hoje - abrindo na capa com antetítulo "Moçambique no reino das madeiras" e título "Falcatruas postas a nu em Nacala" - dedica as páginas 20-22 ao delicado tema da inspecção de contentores carregados de madeira, retidos em Nacala. O jornalista Jorge Rungo escreveu, na introdução, que o processo de verificação do conteúdo de centenas de contentores em Nacala - do qual os jornalistas foram afastados -, "está a ser marcado por episódios que evidenciam, uma vez mais, que alguns funcionários de instituições públicas vergam com toda a sua coluna vertebral perante a ilegalidade e a troco de valores irrisórios, quando comparados com o prejuízo que provocam para o país e para o Estado Moçambicano" (p. 20). O jornalista foi informado de que a madeira a ser inspeccionada, destinada à China, pertence a quatro empresas chinesas e a duas sino-moçambicanas. No tocante aos nomes dos proprietários, Rungo escreveu que "conforme se diz à boca pequena, são generais na reserva das Forças Armadas de Moçambique e alguns membros do actual Governo" (p. 21).
Observação: o problema já não é o caso A e depois o caso B e depois os casos N, o problema já não é Nampula, Zambézia ou Cabo Delgado. O real problema é todo um sistema social gangrenado (operando com valores que podem até nem ser nada irrisórios) que precisa ser seriamente inspeccionado - bem mais do que barcos e contentores -, sistema que, se tem um um percutor estrangeiro, funciona oleado com a cumplicidade de mãos internas (na economia de saque do nosso passado, século após século, ouro, marfim e milhares de escravos saíram anualmente do país graças a mãos internas). Neste diário ando há anos a chamar a atenção para o saque, aqui existem centenas de postagens alusivas. Finalmente, recorde duas cartas minhas dirigidas ao presidente da República em 2007, aqui.
Adenda às 15:11: na mesma edição do "domingo", está um editorial intitulado "A madeira da nossa desgraça em dois actos e uma conclusão", p. 2. No primeiro parágrafo observa que "As mortes já são demais. Trabalhadores inocentes são atropelados, de noite, pelos camiões que, contra a lei, transportam madeira. (...) reina o medo na mata densa". No último parágrafo conclui observando que  "o caso é de tal maneira chocante que estamos em crer que assume as raias do crime organizado, a avaliar pela metodologia usada".
Adenda 2 às 15:51: Ainda no editorial: "No sector da madeiras, a verdade anda à tona e não será difícil penetrar nos subterrâneos, se houver vontade política de acabar com os desmandos enraizados em personalidades marcantes no aparelho de Estado".

8 comentários:

Muna disse...

Caro Professor Serra,

Hoje é domingo, posso falar à vontade...

Se os nossos dirigentes se afogassem de vergonha, talvez não restasse meia dúzia deles. À excepção seria, a meu ver, Eneias Comiche, Ivo Garrido, o ‘nkulu’ (mais velho) Jorge Rebelo, Graça Machel ... perdi-me...

Enquanto ESTES paladinos comungam a hóstia da espiritualidade, da ética, da justiça, da solidariedade, da paz, da imparcialidade, da moçambicanidade, por outro lado, temos um colégio de Pilatos que permitem capivaras saquearem as nossas florestas, se não forem eles os verdadeiros capivaras roedores.

Não se preocupe que as suas cartas são lidas (ninguém o ignora, "quando o homem atinge o cimo mental de Kilimanjaro, não há sistema no mundo que o ignore, que o compreenda) acontece, porém, que a Nação Moçambicana (é minha percepção) há muito é governanda por um piloto automático (um país desgovernado na governação) só resta trazer a ditadura do voto para impor a ordem.

Esta é a voz de quem tem seus sobrinhos a estudarem debaixo das árvores e no chão, neste Moçambique 'desdarfurizado' em leis e 'somalizado' em economia e organização.

Lembrando o paladino da pátria, Samora Machel, só me resta invocar o brocardo Shona “as abundâncias do passado não saciam as fomes do presente”. Onde andas "papá" Samora? Até breve!

Zicomo

Muna disse...

Trabalhei uns tempos em Nacala-Porto e acompanhei de perto histórias de como o saque da madeira e a entrada de mercadoria não declarada era feito.

Como é que funciona o contrabando de madeiras e outras mercadorias?

Simples, sabota-se a rede de energia eléctrica e os contentores são embarcados para o estrangeiro (China) ou, quando for o inverno, são descarregados mercadorias sem que o sistema de 'scan' desse por ele.

No fim do parto (aliviados pela trafulhice) dividem o dividendo (não há chefia no roubo, dizem, “a mola” é dividida por todos).

Tudo isto acontece na calada da noite e a população sabe porque o roncar dos carros (velhos) perturba o sono reparador daquele povo.

Meia dúzia de meses, temos novos-ricos e pequenos burgueses, como se pode ver hoje em Nacala-Porto. O Governo não intervém, porque aqueles DEUSES são poderosos e precisos na época das eleições.

Isto é um facto.

Zicomo

Salvador Langa disse...

Não é um sistema, é um super sistema.

Muna disse...

"As mortes já são demais. Trabalhadores inocentes são atropelados, de noite, pelos camiões que, contra a lei, transportam madeira."

De onde escrevo não tenho como ler este jornal em tempo real, mas é o que eu dizia nos débitos anteriores confirmada agora por esta adenda (15:11).

Basta ir a Nacala-Porto para perceber como é que as coisas funcionam. Não vou citar nomes para preservar as minhas fontes com quem trabalhei nessa altura e assistíamos diariamente este fenómeno degradante.

E não é só em Nampula, Cabo-Delgado, Zambézia, na zona de Kassacatiza, em Tete, a 'sarna' também é demais. Madeira e pedras preciosas são contrabandeados junto à fronteira com a Zâmbia. Isto não carece de provas, porque há o crime desfila à luz do dia.

As autoridades sabem disso e nada fazem. Para o primeiro caso, Nacala-Porto é o celeiro do PODER. Basta ver a quem do CC mandaram para Nacala-Porto? Paúnde combateu este fenómeno e da linha-férrea, mas depois tiraram-no de lá.

Só não vê quem não quer. Termino por hoje agradecendo ao Prof. pela coragem em denunciar e postar este assunto no seu blogue, eu cansei-me MESMO.

Até o próximo domingo.

Zicomo

Anónimo disse...

Sejamos pragmáticos:

Com as cartas-abertas que dirigiu ao PR, com as múltiplas abordagens na imprensa, com o assassinato de fiscais, com milhões de dólares investidos em scanners, etc., etc., só há uma justificação para o que está a acontecer:

 estamos, perante uma rede de CRIME ORGANIZADO, um POLVO alimentado /apadrinhado ao mais alto nível do Aparelho de Estado e com o envolvimento de altas patentes da geração do “25 de Setembro” e corregelionários.

 Impressionante a dimensão do crime e também do navio transportador: vários conjuntos de 12 contentores em largura e 5 em altura.

Discordo da afirmação do Jornalista, quando diz que os funcionários vergam a Coluna Vertebral…, esses funcionários não são Vertebrados, não têm coluna vertebral, vegetam como plantas saprófitas.

De que servem os Scanners, se a inspecção não ficar registada, digitalizada, para poderem ser feitas AUDITORIAS ao trabalho dos operadores.

 SE TAL REGISTO EXISTISSE (é incompreensível que não exista) não seria necessário, sequer, abrir os contentores. Seriam visualizadas as imagem de cada contentor e apenas retirados para reinspecção os que revelassem irregularidades.

 De que vale um sistema sofisticado se deixarmos o PODER nas mãos do funcionário/ operador? Por melhor salário que possam ter … perante a possibilidade de enriquecimento fácil … é óbvio que “embarcam”.

izumoussufo disse...

Venham aqui em Cabo Delgado ver como é (se deixarem)...

Anónimo disse...

Caro Izoumoussufo,

As florestas de Cabo Delgado e Niassa continuam zonas libertadas, não foram integradas na Nação.

nachingweya disse...

o seguinte diálogo passa-se num filme americano:
"-Filha: Pai, dá-me o exemplo de uma coisa inútil.
-Pai: uma coisa inútil, filha, é, por exemplo, um grande rio em África"
É perturbador perceber a verdade nesta conversa em família.
E aplica-se aos outros recursos naturais que se exportam em bruto, sem nenhum trabalho que não o da extracção. Refiro-me ao zircão, à madeira, ao ouro, ao algodão, cajú, carvão, ilminite, rutilo e tantos outros quilos, toneladas desta estuprada pérola do Índico.

Quando se puderem contentorizar as águas dos rios...