09 maio 2011

Sobre crise (2)

"Onde a diferença falta, é a violência que ameaça" (René Girard, A violência e o sagrado)
Avanço um pouco mais nesta nova série, sugerindo o seguinte sumário:
*Conceito de crise
*Pensamento identitário, diferença opinativa e crise
*A concepção de crise como cataclismo
*Crise como instrumento moral
*Crise como instrumento de propaganda
*Três exemplos de imputação críseca em Moçambique
(continua)

3 comentários:

Salvador Langa disse...

O falecido John Kennedy disse isto - "Quando escrito em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade." Aguardo prosseguimento da série.

ricardo disse...

O mundo conforme Casciari
Hernán Casciari

Li uma vez que a Argentina não é nem melhor, nem pior que a Espanha, só que mais jovem. Gostei dessa teoria e aí inventei um truque para descobrir a idade dos países baseando-me no 'sistema cão'. Desde meninos nos explicam que para saber se um cão é jovem ou velho, deveríamos multiplicar a sua idade biológica por 7. No caso de países temos que dividir a sua idade histórica por 14 para conhecer a sua correspondência humana. Confuso? Neste artigo exponho alguns exemplares reveladores.
A Argentina nasceu em 1816, assim sendo, já tem 190 anos. Se dividimos estes anos por 14, a Argentina tem 'humanamente' cerca de 13 anos e meio, ou seja, está na pré-adolescência. É rebelde, se descobre sexualmente, não tem memória, responde sem pensar e está cheia de acne.
Quase todos os países da América Latina têm a mesma idade, e como acontece nesses casos, eles formam gangues. A gangue do Mercosul é formada por quatro adolescentes que tem um conjunto de rock. Ensaiam em uma garagem, fazem muito barulho, e jamais gravaram um disco.
A Venezuela, que já tem peitinhos, está querendo unir-se a eles para fazer o coro. Na realidade, como a maioria das mocinhas da sua idade, quer é sexo, neste caso com Brasil que tem 14 anos e tem fama de ser avantajado.
O México também é adolescente, mas com ascendente indígena. Por isso, ri pouco e não fuma, nem um inofensivo baseado, como o resto dos seus amiguinhos. Mastiga coca, e se junta com os Estados Unidos, um retardado mental de 17 anos, que se dedica a atacar os meninos famintos de 6 anos em outros continentes.
No outro extremo, está a China milenária. Se dividirmos os seus 1.200 anos por 14 obtemos uma senhora de 85, conservadora, com cheiro a xixi de gato, que passa o dia comendo arroz porque não tem - ainda - dinheiro para comprar uma dentadura postiça. A China tem um neto de 8 anos, Taiwan, que lhe faz a vida impossível. Está divorciada faz tempo de Japão, um velho chato, que se juntou às Filipinas, uma jovem irresponsavel, que sempre está disposta a qualquer aberração em troca de dinheiro.
Depois, estão os países que são maiores de idade e saem com o BMW do pai. Por exemplo, Austrália e Canadá. Típicos países que cresceram ao amparo de papai Inglaterra e mamãe França, tiveram uma educação restrita e antiquada e agora se fingem de loucos.
A Austrália é uma babaca de pouco mais de 18 anos, que faz topless e sexo com a África do Sul. O Canadá é um rapaz gay emancipado, que a qualquer momento pode adoptar o bebê da Groenlândia para formar uma dessas famílias alternativas que estão de moda.
.../...

ricardo disse...

A França é uma separada de 36 anos, mais promiscua que uma galinha, mas muito respeitada no âmbito profissional. Tem um filho de apenas 6 anos: Mônaco, que vai acabar virando p... ou bailarino ... ou ambas coisas. É a amante esporádica da Alemanha, um camionista rico que está casado com a Áustria, que sabe que é traida, mas que não se importa.
A Itália é viúva faz muito tempo. Vive cuidando de São Marino e do Vaticano, dois filhos católicos gêmeos idênticos. Esteve casada em segundas núpcias com Alemanha (por pouco tempo e tiveram a Suíça), mas agora não quer saber mais de homens. A Itália gostaria de ser uma mulher como a Bélgica: advogada, executiva independente, que usa calças e fala de política de igual para igual com os homens (a Bélgica também fantasia de vez em quando que sabe preparar esparguete).
A Espanha é a mulher mais linda de Europa (possivelmente a França se iguale a ela, mas perde espontaneidade por usar tanto perfume). É muito avantajada e quase sempre está bêbada. Geralmente se deixa perder de amores pela Inglaterra e depois a denuncia. A Espanha tem filhos por todas as partes (quase todos de 13 anos) e que moram longe. Gosta muito deles, mas a perturbam quando têm fome, passam uma temporada na sua casa e assaltam sua geleira.
Outro que tem filhos espalhados no mundo é a Inglaterra. Sai de barco de noite, envolve-se com algumas incautas e nove meses depois, aparece uma nova ilha em alguma parte do mundo. Mas não fica de mal com ela. Em geral, as ilhas vivem com a mãe, mas a Inglaterra as alimenta.
A Escócia e a Irlanda, os irmãos da Inglaterra que moram no andar de cima, passam a vida inteira bêbados e nem sequer sabem jogar futebol. São a vergonha da família.
A Suécia e a Noruega são duas lésbicas de quase 40 anos, que estão bem de corpo, apesar da idade, mas não ligam para ninguém. Amam-se e trabalham, pois são formadas em alguma coisa. Às vezes, fazem trio com a Holanda (quando necessitam maconha, haxixe e heroína); outras vezes provocam a Finlândia, que é um sujeito meio andrógeno de 30 anos, que vive só em um apartamento sem mobília e passa o tempo falando ao celular com a Coréia.
A Coréia (a do sul) vive de olho na sua irmã esquizóide. São gêmeas, mas a do Norte tomou líquido amniótico quando saiu do útero e ficou estúpida. Passou a infância usando pistolas e agora, que vive só, é capaz de qualquer coisa. Estados Unidos, o retardadinho de 17 anos, a vigia muito, não por medo, mas porque quer pegar as suas pistolas.
Irão e Iraque eram dois primos de 16 que roubavam motos e vendiam as peças, até que um dia roubaram uma peça da motoca dos Estados Unidos e acabou o negócio para eles. Agora estão comendo lixo. O mundo estava bem assim até que, um dia, a Rússia se juntou (sem casar) com a Perestroika e tiveram uma dúzia e meia de filhos. Todos esquisitos, alguns mongolóides, outros esquizofrênicos.
Faz uma semana, e por causa de um conflito com tiros e mortos, os habitantes sérios do mundo, descobrimos que tem um país que se chama Kabardino-Balkaria. É um país com bandeira, presidente, hino, flora, fauna... e até gente! Eu fico com medo quando aparecem países de pouca idade, assim de repente. Que saibamos deles por ter ouvido falar e ainda temos que fingir que sabíamos, para não passar por ignorantes.
Mas aí, eu pergunto: por que continuam nascendo países, se os que já existem ainda não funcionam?

NOTA SOBRE O AUTOR:
Hernán Casciari nasceu em Mercedes (Buenos Aires), a 16 de março de 1971. Escritor e jornalista argentino. É conhecido por seu trabalho ficcional na Internet, onde tem trabalhado na união entre literatura e blog, destacado na blognovela. Sua obra mais conhecida na rede, 'Weblog de una mujer gorda', foi editada em papel, com o título: 'Más - respeto, que soy tu madre'.