18 abril 2014

Sobre "poder" e "aspirar ao poder"

1. Não há poder em si. Nenhum poder é extrínseco a uma relação, a uma comunicação regular entre pelo menos duas pessoas. Na verdade, que poder poderia alguém ter fora dessa relação, fora de um Nós? Com efeito, é na relação societal e só nela que alguém poder ter o poder de influenciar ou de determinar a nossa conduta. Assim, o poder tem uma natureza intrinsecamente relacional. O poder de A sobre B é a capacidade revelada por A para obter, na relação com B, que os termos de troca lhe sejam favoráveis. Alarguemos o postulado para a relação política. Lá onde a relação política está saturada de força e de violência (do género "a bolsa ou a vida") e onde, portanto, as alternativas à acção social são escassas ou inexistem, não há uma relação de poder, mas uma relação de violência ou de força. Como escreveu Foucault, uma relação de violência age sobre corpos e coisas: ela força, dobra, quebra, destrói, aspira à passividade do Outro e, confrontada com a resistência, destrói. Pelo contrário, uma relação de poder articula-se sobre dois eixos fundamentais: por um lado, o Outro é sempre reconhecido como sujeito da acção e, por outro, está sempre em aberto todo um campo mútuo de respostas, de reacções, de efeitos e de invenções possíveis.
2. O segundo ponto diz respeito a uma posição que surge sistematicamente na nossa imprensa escrita, nas rádios, nas televisões, nos blogues e nas redes sociais digitais. A posição é esta: "Eles aspiram ao poder". Nos casos mais extremos, diz-se "Eles aspiram ao poder a todo o custo". Regra geral essa acusação - porque é efectivamente uma acusação - é feita a quem não está em posição de ter, relacionalmente, o poder de gerir e de manter o Estado. Por outras palavras, é suposto que quem não tem esse poder, aspira a tê-lo. Não poucas vezes, a acusação tem um valor moral muito forte, um valor moral negativo, no sentido de que B não deve aspirar ao poder que já pertence a A - típica acusação de pecado. O que se esconde à retaguarda dessa posição acusatória? Esconde-se, oculta-se o facto de quem tem o poder de poder gerir o Estado tem tanta ou mais apetência pelo "poder político de poder". Por isso o mantém e por isso o defende a todo o custo. Só que o transfigura, o camufla, dotando-o de características meramente técnicas, de características neutralmente assistenciais, como se fosse algo estrangeiro a uma entidade política concreta. (Imagem: el poder, quadro do pintor e ceramista argentino Raúl Pietranera)

2 comentários:

Salvador Langa disse...

Grande radiografia.

nachingweya disse...

Muitas vezes, mas muitas mesmo, o que se esconde por trás de tal acusação igualmente frequente, não é mais do que a incompetência de quem tem o poder de poder gerir mas não sabe. Quem lhe aponta a incapacidade , quase sempre associada a uma total ausência de integridade, já é apontado como desejoso de poder a todo o custo.
Há infelizmente muitos incompetentes a pilotarem o Poder.