"Onde a diferença falta, é a violência que ameaça" (René Girard, A violência e o sagrado)
Avanço um pouco mais nesta série, sugerindo mais algumas ideias, mais algumas hipóteses ainda sobre o quinto ponto do sumário que vos propus, a saber: crise como instrumento de propaganda.
Permito-me recordar o que escrevi no número anterior: a crise é uma arma apetecida no combate político. Qual crise? A crise dos outros. A este propósito, é possível transformar a crise num triplo momento: (1) falsa preocupação com o mal que é suposto apoquentar os outros, (2) imensa alegria com esse mal e (3) receituário piedoso.
Quando surge o que se entendemos ser uma crise política na casa do Outro, damos imediata conta pública do quanto estamos preocupados, na superfície das preocupações navega o que parece ser um genuíno pesar, um sincero anseio pela alteridade opinativa ou comportamental. No bojo das coisas, porém, viaja uma imensa alegria com o que entendemos estar a passar-se. E entre a falsa preocupação da superfície e a nua realidade do interior - ser perversamente dúplice no cenário de uma hipócrita conversão na estrada de Damasco -, irrompe um receituário piedoso, cheio de peregrinas mezinhas do género "portem-se bem, tenham cultura digna, procedam como nós". O centro do poder despreza e/ou odeia a periferia política, canibaliza-a analiticamente em permanência através de eufemismos sem fim.
Prossigo mais tarde.
Avanço um pouco mais nesta série, sugerindo mais algumas ideias, mais algumas hipóteses ainda sobre o quinto ponto do sumário que vos propus, a saber: crise como instrumento de propaganda.
Permito-me recordar o que escrevi no número anterior: a crise é uma arma apetecida no combate político. Qual crise? A crise dos outros. A este propósito, é possível transformar a crise num triplo momento: (1) falsa preocupação com o mal que é suposto apoquentar os outros, (2) imensa alegria com esse mal e (3) receituário piedoso.
Quando surge o que se entendemos ser uma crise política na casa do Outro, damos imediata conta pública do quanto estamos preocupados, na superfície das preocupações navega o que parece ser um genuíno pesar, um sincero anseio pela alteridade opinativa ou comportamental. No bojo das coisas, porém, viaja uma imensa alegria com o que entendemos estar a passar-se. E entre a falsa preocupação da superfície e a nua realidade do interior - ser perversamente dúplice no cenário de uma hipócrita conversão na estrada de Damasco -, irrompe um receituário piedoso, cheio de peregrinas mezinhas do género "portem-se bem, tenham cultura digna, procedam como nós". O centro do poder despreza e/ou odeia a periferia política, canibaliza-a analiticamente em permanência através de eufemismos sem fim.
Prossigo mais tarde.
(continua)
3 comentários:
Em certos jornais surgem cartas dos leitores quase sempre com o mesmo tom - os outros não prestam. São mesmo cartas muito "inclusivas".
Em Maputo vá lá, mas fora...
Creio não me enganar se disser que toda a luta política é ao mesmo tempo inclusão e exclusão.
"(...) lembrei-me de um livro fascinante, escrito por Norbert Elias em parceria com John Scotson, que tem um título assim: "Lógicas de exclusão". Ou que também pode ser assim: "Os estabelecidos e os intrusos". Nesse livro, Elias mostra como, no fim dos anos 50 do século passado numa cidade inglesa de periferia, os aí chegados em primeiro lugar produzem e reproduzem a exclusão social dos novos chegados, como os catalogam, como os rejeitam, como se esforçam permanentemente para assegurar os seus privilégios, como segregam o que o sociólogo húngaro chama racismo sem raça."
Read more: http://oficinadesociologia.blogspot.com/search?q=l%C3%B3gicas+de+exclus%C3%A3o#ixzz1NXXzk0Mn
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