Tal como afirmou o presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique - citado pelo "Canal de Moçambique" -, apenas 1% do universo total de clientes de telefonia móvel havia procedido ao registo dos seus números do sistema de pré-pago quando faltava um dia para o término de registo dos cartões SIM.
Agora, não há nenhuma posição governamental. Este é um problema com várias faces. Tal como é muito difícil mudar mentalidades e atitudes depois que - a trouxe-mouxe, aqui e acolá, pela vontade de cada um logo de seguida colectivamente trilhada - surgiram carreiros na relva, dumba-nengues, barracas, venda móvel de quinquilharia e uso dos passeios e dos bulevares para estacionar viaturas, também é muito difícil, agora, mudar mentalidades e atitudes no concernente ao pré-pago sem registo do SIM. Coisas começadas mal podem ser sentidas como tendo começado bem quando surgem imposições, coisas objectivamente erradas podem ser sentidas como subjectivamente certas quando irrompem mudanças. Tenho por hipótese que o pré-pago se transformou um pouco num informal renitente a regras, a ordens e a polícias, transformou-se num mundo sui generis com as suas próprias leis que começa logo com a compra de uma recarga no canto de uma esquina, não importa a que horas. Mais do que utensílio de ricos, o pré-pago com o SIM não registado é utensílio de pobres, do desenrasca que o mais modesto xitique permite adquirir. Estamos, agora, como se - permitam-me a comparação irónica - no universo estudado um dia por Pierre Clastres, no mundo daqueles orgulhosos habitantes do Brasil e do Paraguai que não concebiam que um Estado ou que um rei os pudesse subjugar, que cortavam pela raíz a veleidade de os chefes se transformarem em "reis portadores de leis", mundo não muito diferente daquele dos fumos e das muzindas seiscentistas do Mwenemutapwa. Mas mais: tenho por hipótese que o sistema tal como existe permite, creio, grandes réditos às empresas: é negócio fácil e multiplicador sem um Big Brother a querer saber o que se diz e o que se escreve com um celular. Mexer precipitada e xambocadamente nesse mundo de esquemas e de coisas por baixo, há muito instalado, tentar preocupadamente impôr um SIM oficial a um não informal acostumado (e a culpa não é de quem se acostumou), poderá fazer surgir a crença de que as empresas de telefonia móvel estão ao serviço da coerção do Estado, quando a memória da revolta de 1/3 de Setembro de 2010 está ainda viva. Este é um tema que requer profunda atenção e cautela dos gestores de condutas cidadãs, numa época que se anuncia cheia de dificuldades sociais crescentes. Ademais, o protesto social não carece de um pré-pago registado para se fazer ouvir.
Agora, não há nenhuma posição governamental. Este é um problema com várias faces. Tal como é muito difícil mudar mentalidades e atitudes depois que - a trouxe-mouxe, aqui e acolá, pela vontade de cada um logo de seguida colectivamente trilhada - surgiram carreiros na relva, dumba-nengues, barracas, venda móvel de quinquilharia e uso dos passeios e dos bulevares para estacionar viaturas, também é muito difícil, agora, mudar mentalidades e atitudes no concernente ao pré-pago sem registo do SIM. Coisas começadas mal podem ser sentidas como tendo começado bem quando surgem imposições, coisas objectivamente erradas podem ser sentidas como subjectivamente certas quando irrompem mudanças. Tenho por hipótese que o pré-pago se transformou um pouco num informal renitente a regras, a ordens e a polícias, transformou-se num mundo sui generis com as suas próprias leis que começa logo com a compra de uma recarga no canto de uma esquina, não importa a que horas. Mais do que utensílio de ricos, o pré-pago com o SIM não registado é utensílio de pobres, do desenrasca que o mais modesto xitique permite adquirir. Estamos, agora, como se - permitam-me a comparação irónica - no universo estudado um dia por Pierre Clastres, no mundo daqueles orgulhosos habitantes do Brasil e do Paraguai que não concebiam que um Estado ou que um rei os pudesse subjugar, que cortavam pela raíz a veleidade de os chefes se transformarem em "reis portadores de leis", mundo não muito diferente daquele dos fumos e das muzindas seiscentistas do Mwenemutapwa. Mas mais: tenho por hipótese que o sistema tal como existe permite, creio, grandes réditos às empresas: é negócio fácil e multiplicador sem um Big Brother a querer saber o que se diz e o que se escreve com um celular. Mexer precipitada e xambocadamente nesse mundo de esquemas e de coisas por baixo, há muito instalado, tentar preocupadamente impôr um SIM oficial a um não informal acostumado (e a culpa não é de quem se acostumou), poderá fazer surgir a crença de que as empresas de telefonia móvel estão ao serviço da coerção do Estado, quando a memória da revolta de 1/3 de Setembro de 2010 está ainda viva. Este é um tema que requer profunda atenção e cautela dos gestores de condutas cidadãs, numa época que se anuncia cheia de dificuldades sociais crescentes. Ademais, o protesto social não carece de um pré-pago registado para se fazer ouvir.
2 comentários:
Interessante Texto. Interessante interpretacao sociologica de uma pergunta que V. coloquei em posts anteriores.
Mas por estes dia, ouvi uma parabola interessante, que se calhar, e tambem um tratado sociologico. Com a vantagem de ser sabedoria popular muito comum nos lares dos mocambicanos.
Era uma vez um jovem casal de namorados que decidiu casar-se um dia. O marido, fiel a tradicao, sugeriu que a mulher nao tinha necessidade de trabalhar, pois o salario era suficiente e alem disso, havia que cuidar das lides domesticas. Com o tempo, as coisas comecaram a mudar. Vieram as primeiras carencias. O salario nao chegava, porque nasceram os filhos, outras despesas chegaram. E as reclamacoes cresceram de parte a parte. Do marido, porque entendia que se gastava muito e a contribuicao era somente dele. E da mulher que entendia que fazia o melhor que podia, mas nuca era reconhecido por este.
Um dia, a mulher disse ao marido que tinha arranjado um emprego. Para ajudar, disse ela. E o marido, fiel aos dogmas e tradicoes bantu, desgostou. Disse que era uma afronta, que se sentia menos macho e coisas que tais. Mas a mulher foi firme, e demonstrou que o pouco que ganhava era mesmo para pequenas coisas: pao, chapa-cem e renda de casa. Isto porque, anos de isolamento domestico imposto pelo marido nunca lhe haviam permitido estudar por ai alem, logo so lhe eram permitidos empregos de mais baixa renda. E ainda assim, nunca desistia. Mesmo reconhecendo o facto, o marido insistiu que discordava e ainda disse que desde que a esposa arranjara emprego, o lar nunca mais fora o mesmo. Mal se tocavam, mal se viam ou almocavam juntos. Alem disso, o barulho dos filhos era insuportavel. E com o dinheiro que ainda punha la a cada mes nao se justificava tanto desconforto. Consequentemente, iria responsabilizar a mulher caso ele fosse procurar conforto em outras paragens.
E foi assim que um dia conheceu uma mulher experiente, bem conservada, que um dia se tornou sua amante. Mas como esta era rica, diplomada, independente e dona de uma beleza invulgar apesar da idade,enfim, a anti-tese da sua legitima esposa, o nosso patriarca bantu rendeu-se as evidencias e teve que aceitar a ideia de conviver com a nova realidade extra-conjugal. E de facto, nos primeiros tempos, era apenas prazer carnal, que ambos pareciam apreciar. Ate ao dia em que descobriu que o SOL da vida de sua amante nao era ele, mas uma constelacao deles. Fiel as tradicoes, reagiu e exigiu explicacoes. E a amante simplesmente lhe respondeu: REGRAS DE JOGO. PEGAR OU LARGAR. Ele decidiu pegar, mas jurou a si mesmo que haveria de ser vingar de tremenda traicao. E assim e que arranjou outra amante, muito mais jovem, flexivel e espantosamente generosa para a sua idade. Nao tardou, e a amante mais velha descobriu tudo e deu-lhe um monumental pontape no traseiro.
.../...
E assim, de repente, o nosso discipulo das tradicoes de Muenemutapa & cia, chegou a uma assombrosa constatacao. Afinal, era ja a amante mais velha e nao o seu salario o que sustentava o seu estilo de vida. Assustado, decide refazer o seu matrimonio "em cacos". Entretanto, sua esposa crescera economicamente e pese embora nao ser uma figura conhecida da praca empresarial, era todavia uma verdadeira forca da natureza do mercado informal.
Quando a amante mais jovem se apercebeu, capitalizou o momento como bem sabem fazer. Sugou-lhe os ultimos cobres e ainda fe-lo assinar um monte de papelada nos mais diferentes idiomas. E depois, disse-lhe que tinha um namorado muito mais jovem, desde a primeira hora, que lhe poderia partir em dois se ele tentasse alguma coisa contra ela.
Desalentado, como um grupo de italianos perdidos no deserto da Libia, o nosso homem, que agora ja era um respeitavel vovo, regressou a casa e disse para a sua FIEL esposa:
A PARTIR DE HOJE, NOS VAMOS TER DE MUDAR TUDO NESTA CASA. EM NOME DA MODERNIDADE E DO BEM-ESTAR, TEMOS QUE ASSUMIR CERTAS DECISOES, QUE NAO SAO FACEIS, NEM SIMPATICAS, MAS SAO DECISIVAS SE QUISERMOS DEIXAR ALGUM PE DE MEIA PARA OS NOSSOS FILHOS...
E a mulher respondeu-lhe simplesmente:
MEU AMOR, EU JA MUDEI E MUITO. COMPREI INCLUSIVAMENTE ESTA CASA COM O MEU DINHEIRO. E QUANTO AOS NOSSOS FILHOS, NAO TE PREOCUPES, ELES SAO OS SOCIOS DA NOSSA EMPRESA FAMILIAR...
Esta parabola, mais ou menos nestes termos, foi-me contada por um vendedor ambulante, naquilo que para mim e sabedoria popular de mais fino quilate para interpretar a historia de um pais a 35 anos independente. Sendo o marido, os que governam. A mulher e filhos, a sucessivas geracoes de governados. E as amantes, as diferentes fontes do nosso OGE oficiais e oficiosas ao longo dos tempos.
Dispensei qualquer justificacao sociologica a partir de entao.
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