14 dezembro 2012

Postagens na forja

Eis alguns dos temas que, progressivamente, deverão entrar neste diário a partir da meia-noite local:
* Genéricos: À busca do ouro (17); Uma viagem a Namau (Pemba-Metuge) (32)
Séries pessoais: A raça das raças (4); Desunidos e unidos (4); O poder de nomear desviantes e vândalos (5); Sobre o 15 de Novembro (12); Produção de pobreza teórica (7); O discurso da identidade nacional (3); Como suster os linchamentos? (8); Legitimidade política: o problema de Graça Machel (14); O que é um intelectual? (10); Democracia formal e prescrição hipnótica (8); Semiologia das ameaças políticas em Moçambique (11); Análise da análise (14); Morte dos blogues moçambicanos? (33); A carne dos outros (19); A difícil fórmula da distribuição de consensos (30); O casamento das famílias (23); Sobre os guerrilheiros do informal em Moçambique (14); Modos de navegação social (20); Ditos (51); O que é Moçambique, quem são os Moçambicanos? (97)

1 comentário:

ricardo disse...

“...São muitas as histórias de raptos, deportações e seqüestros, geralmente contadas com certa tranqüilidade, e diante de uma platéia que acompanha com atenção a história. Uma profusão de narrativas que nega a imposição do silêncio, que parece vir das elites moçambicanas, ou mesmo dos intelectuais, na forma de:"eles não vão contar". Em Moçambique nos deparamos com um cenário oposto ao de outros contextos de pós-guerra: não há uma fala oficial, e a enunciação de um debate público parece constituir uma ameaça de retorno à guerra. Não há um comitê de verdade e reconciliação, ou uma associação dos antigos deportados... Os sobreviventes ou voltaram para as suas aldeias e cidades, ou permaneceram nos locais para onde foram levados, negando a possibilidade de reatar o fio perdido de sua vida anterior. E aí, nos bairros, nas localidades, nas vilas, encontramos tudo menos o silêncio. São novamente as histórias de guerra que se impõem, numa naturalidade desconcertante para o antropólogo. É quando percebemos que estamos conversando com gente, que além de histórias para contar, parecem ser portadores de outras histórias, as histórias de seus antepassados que, diga-se de passagem, convivem com eles no presente, enviando sinais, exigindo presentes, retribuições ou vinganças.

E aí raptos e seqüestros nos levam a experiências antigas, que passam pela guerra do Gugunhana e pelos exércitos formados por cativos, ou para a escravidão para as ilhas do Índico, que alcança a primeira década do século XX; ou para as deportações em massa promovidas pelos colonizadores portugueses, sedentos de terras para o estabelecimento de colonos ou para empresas agrícolas; os mesmo colonizadores que faziam uso do chibalo, ou trabalho forçado, lembrado por todos os meus interlocutores como análogo ao trabalho exigido pela Frelimo.

A explicação última para o sofrimento de alguém, contudo, não se esgota na atuação arbitrária do governante, seja ele o Gugunhana, o Estado colonial ou o Estado da Frelimo, ou mesmo os guerrilheiros da Renamo. São as disputas locais, que envolvem vivos e mortos, autóctones e estrangeiros, ciclos de feitiçaria e conflitos ditos tribais, que fazem eco aos desejos de um Estado central, que se apropria de formas institucionais normalmente associadas a estados totalitários, mas que encontra sua força justamente na sua fraqueza, e na sua rendição às formas locais de disputa e reprodução do poder.

Aceder a esta dinâmica exige atenção a estas histórias, muitas vezes fragmentárias e expressas na forma de rumor. Nossa experiência no terreno fez com que desconfiássemos de narrativas altamente estruturadas, geralmente construídas tendo em vista o que o nosso interlocutor acredita que queremos escutar, quase que seguindo um modelo e perseguindo a revelação de uma tragédia pessoal. É na forma de conversas, histórias fragmentárias e rumores que encontraremos peças preciosas a nos indicar o funcionamento e a dinâmica dos campos. Rumores que nos indicam as representações sobre as estruturas repressivas, sobre as transformações pelas quais passou o país, sobre a natureza do socialismo e sobre as relações entre indivíduos e famílias de diferentes estratos sociais no interior dos campos. É no rumor, fragmentado, sem pretensão de coerência, e sem o compromisso com a sedução do interlocutor – que encontraremos um dos elementos centrais desencadeados pela instauração dos campos: ciclos de vingança, suspeitas e acusações, ferramentas continuamente presentes na tessitura da instabilidade e da insegurança sentida aguda e cotidianamente por diversos grupos vulneráveis em Moçambique...”

In “ O. Thomaz, "Escravos sem dono": a experiência social dos campos de trabalho em Moçambique no período socialista, 2008”