tag:blogger.com,1999:blog-26386084.post4830167958545916903..comments2023-11-05T11:16:21.481+02:00Comments on Diário de um sociólogo: Postagens na forjaCarlos Serrahttp://www.blogger.com/profile/13187727359471585794noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-26386084.post-43882071923089337752012-12-15T14:21:09.160+02:002012-12-15T14:21:09.160+02:00“...São muitas as histórias de raptos, deportações...“...São muitas as histórias de raptos, deportações e seqüestros, geralmente contadas com certa tranqüilidade, e diante de uma platéia que acompanha com atenção a história. Uma profusão de narrativas que nega a imposição do silêncio, que parece vir das elites moçambicanas, ou mesmo dos intelectuais, na forma de:"eles não vão contar". Em Moçambique nos deparamos com um cenário oposto ao de outros contextos de pós-guerra: não há uma fala oficial, e a enunciação de um debate público parece constituir uma ameaça de retorno à guerra. Não há um comitê de verdade e reconciliação, ou uma associação dos antigos deportados... Os sobreviventes ou voltaram para as suas aldeias e cidades, ou permaneceram nos locais para onde foram levados, negando a possibilidade de reatar o fio perdido de sua vida anterior. E aí, nos bairros, nas localidades, nas vilas, encontramos tudo menos o silêncio. São novamente as histórias de guerra que se impõem, numa naturalidade desconcertante para o antropólogo. É quando percebemos que estamos conversando com gente, que além de histórias para contar, parecem ser portadores de outras histórias, as histórias de seus antepassados que, diga-se de passagem, convivem com eles no presente, enviando sinais, exigindo presentes, retribuições ou vinganças.<br /><br />E aí raptos e seqüestros nos levam a experiências antigas, que passam pela guerra do Gugunhana e pelos exércitos formados por cativos, ou para a escravidão para as ilhas do Índico, que alcança a primeira década do século XX; ou para as deportações em massa promovidas pelos colonizadores portugueses, sedentos de terras para o estabelecimento de colonos ou para empresas agrícolas; os mesmo colonizadores que faziam uso do chibalo, ou trabalho forçado, lembrado por todos os meus interlocutores como análogo ao trabalho exigido pela Frelimo.<br /><br />A explicação última para o sofrimento de alguém, contudo, não se esgota na atuação arbitrária do governante, seja ele o Gugunhana, o Estado colonial ou o Estado da Frelimo, ou mesmo os guerrilheiros da Renamo. São as disputas locais, que envolvem vivos e mortos, autóctones e estrangeiros, ciclos de feitiçaria e conflitos ditos tribais, que fazem eco aos desejos de um Estado central, que se apropria de formas institucionais normalmente associadas a estados totalitários, mas que encontra sua força justamente na sua fraqueza, e na sua rendição às formas locais de disputa e reprodução do poder.<br /><br />Aceder a esta dinâmica exige atenção a estas histórias, muitas vezes fragmentárias e expressas na forma de rumor. Nossa experiência no terreno fez com que desconfiássemos de narrativas altamente estruturadas, geralmente construídas tendo em vista o que o nosso interlocutor acredita que queremos escutar, quase que seguindo um modelo e perseguindo a revelação de uma tragédia pessoal. É na forma de conversas, histórias fragmentárias e rumores que encontraremos peças preciosas a nos indicar o funcionamento e a dinâmica dos campos. Rumores que nos indicam as representações sobre as estruturas repressivas, sobre as transformações pelas quais passou o país, sobre a natureza do socialismo e sobre as relações entre indivíduos e famílias de diferentes estratos sociais no interior dos campos. É no rumor, fragmentado, sem pretensão de coerência, e sem o compromisso com a sedução do interlocutor – que encontraremos um dos elementos centrais desencadeados pela instauração dos campos: ciclos de vingança, suspeitas e acusações, ferramentas continuamente presentes na tessitura da instabilidade e da insegurança sentida aguda e cotidianamente por diversos grupos vulneráveis em Moçambique...”<br /><br />In “ O. Thomaz, "Escravos sem dono": a experiência social dos campos de trabalho em Moçambique no período socialista, 2008”ricardohttps://www.blogger.com/profile/13405198280433195256noreply@blogger.com