04 setembro 2010

A musculação policial urbana (1)

"A sociedade contemporânea, que alimenta a hostilidade entre o homem individual e todos os demais, produz, assim, uma guerra social de todos contra todos (...). Para se proteger do crime e dos actos de violência, a sociedade exige um vasto e complexo sistema de corpos administrativos e judiciários, que requer um imensa força de trabalho." - Friedrich Engels, Discurso de Elberfeld, 8 de Fevereiro de 1845
As manifestações populares de Maputo, Matola e Chimoio - amplamente referenciadas neste diário - têm suscitado uma enorme e diversificada comoção social, uns criticando os métodos da polícia, outros defendendo-a. Porém, há um aspecto que não está a ser analisado, um aspecto que - creio - não tem sido tomado em conta. Falo do investimento estatal na musculação policial urbana em geral e ao nível da Força de Intervenção Rápida em particular, para conter e dissuadir os indóceis e seus territórios. Este o tema desta nova e curta série.
(continua)
Adenda às 8:36: a vida rotineira regressou à cidade de Chimoio.
Adenda 2 às 8:37: já circulam chapas em bairros da cidade de Maputo, mas ainda há bichas nas ATMs e nos mercados, por exemplo em Inhagóia.
Adenda 3 às 8:51: há todo um grande trabalho a fazer no estudo do perfil dos nossos jovens em geral e das periferias em particular. Um campo particular a ter em conta: o da masculinidade afirmativa. Leia, por exemplo, aqui.
Adenda 4 às 8:57: sugiro leia uma tese de doutoramento com o título "Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal", aqui.
Adenda 5 às 9:00: texto que uma antrópologa me enviou: "Hoje é sábado. A empregada cá de casa apanhou um dos poucos chapas que estão a circular e veio trabalhar. Eu estou a preparar-me para ir buscar dois trabalhadores que estão a fazer obras na minha casa, porque da Machava não há transporte para o centro urbano. A minha mãe pergunta avidamente o que se passa, o que se passou e o prognóstico. O prognóstico é que isto está longe de ter terminado. No bairro dela, pelo menos, fala-se que na segunda-feira as manifestações retomam. O braço de ferro é agora entre os habitantes da periferia e as forças armadas e policiais. Enquanto isso nós aqui no cimento dormimos mais descansados, porque tudo voltou à 'normalidade'. Comentámos a riso sobre as alternativas dos representantes do governo ao pão. E a resposta calma da senhora foi: onde está essa mandioca, se não há chuva. A normalidade é realmente muito subjectiva. E por vezes até absurda."
Adenda 5 às 9:04: Quelimane está rotineira, mas ainda não chegaram jornais como - referiu a minha fonte -  "Notícias", "Savana", "Canal de Moçambique", "Zambeze", etc.
Adenda 6 às 9:08: sobre a cidade de Maputo, um retrato feito por um dos meus assistentes: "Tudo muito calmo graças a uma musculada dose de força com todo o aparato visível".
Adenda 7 às 9:20: de um ex-estudante meu sobre o Bairro Ka Maxaquene, perto do Compone, um dos focos das manifestações, cidade de Maputo: "Deste lado vai-se andando como se pode".
Adenda 8 às 10:14: às 10:12 começaram a chegar as primeiras comitivas casamenteiras ao Jardim dos Namorados, vindas do Palácio dos Casamentos. Regra geral o cortejo dos veículos tem os seguintes extractos: à frente vão os de luxo (pessoais ou alugados), ao meio os assim-assim e/ou os autocarros do Estado e, no fim, os chapas com suas gentes remediadas, cantadoras e apertadas. E presentes estão, claro, os muitos vendedores de tudo um pouco. Este é um dos indicadores do regresso de Maputo à rotina.

4 comentários:

João Feijó disse...

Acabo de conversar com uma moradora da Zona Verde, que assistiu de perto aos tumultos na zona de Benfica. Falou de assaltos a armazéns e roubo de arroz, cerveja e outros produtos alimentares, que posteriormente foram consumidos (no caso da cerveja) ou vendidos a preços mais baixos. Alguns produtos do saque foram apreendidos pela polícia que, segundo a mesma, não vai devolver ao proprietário. Na quinta-feira a polícia "atirou para matar" os "muluwenes" em protesto, na maioria cobradores, carregadores de tchovas e biscateiros do desenrasca: "era guerra!". A sua opinião é que "o povo percebeu que não conseguiu nada" e "que estamos a sofrer" (falou em dezenas de baleados). À pergunta se os rumores que na segunda-feira os confrontos podem recomeçar, a resposta foi convicta: "Ah nada! O povo já rendeu. Fazer o quê? Temos que sofrer".

Carlos Serra disse...

Há todo um imenso e variado campo de fenómenos a estudar.

Anónimo disse...

Caro professor ,gostaria que lê-se esta postagem.

http://melomaniako.blogspot.com/2010/09/minha-amada-cidade-ferida-no-fundo-de.html

ricardo disse...

Possíveis argumentos...


A)Hipótese neo-marxista:"...Afinal de contas, « nada se perde, nada se cria, tudo se transforma », como disse o grande materialista Lavoisier. A luta de classes muda de forma, mas o seu conteúdo essencial, a exploração capitalista e a resistência à exploração capitalista, continua . É evidente, pois, o contra-senso sinistro dos nossos “mutantes” que tomam uma mudança de forma por uma mudança de natureza do capitalismo. A questão cada vez mais central é, na realidade, a da propriedade capitalista, ou não, dos grandes meios de produção (e não «uma outra utilização do dinheiro», dos «bons critérios de gestão...". Ver mais aqui:http://resistir.info/franca/gastaud_abr04.html

B) Corolário de Pier Paolo Pasolini sugerindo que "se contrapõe à corrupção da sociedade burguesa a saúde do próprio povo, que, nas suas mais baixas camadas (sub-proletariado) ainda lhe parecem incomuns os pseudo-valores e os cruéis esquemas da vida burguesa..." acrescentando que, "é uma concordância visceral, sem sentido político-racional(...)um limbo imóvel, onde qualquer desenvolvimento e (ou) qualquer dialéctica interior está excluída...". Assim concluiu o intelectual italiano, quando constatou que a maioria dos polícias que reprimiam os habitantes dos bairros pobres de Roma, eram também pessoas oriundas desses locais.