22 agosto 2019

Para a psicologia dos rumores em Moçambique [137]

-Lenda urbana, boato ou rumor é "um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações." (in Renard, Jean-Bruno, Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p.6).
Número inaugural da série aqui. Número anterior aqui.
Prossigo a história do rumor da prisão da chuva no céu.
Como observei no número anterior, a crença na chuva presa ao céu tem raízes no passado. Pedra angular dessa crença era (e é) algo como o igualitarismo aldeão, digamos assim. Era (e continua a ser) considerado ilícito todo o processo de acumulação realizado à margem das relações existentes, especialmente parentais. Enriquecer era ferir a comunidade, o igualitarismo aldeão. Assim, em documento referente ao século XVII (poderia arrolar muitos outros documentos do mesmo género e de períodos históricos distintos), Francisco Monclaro escreveu o seguinte a propósito das comunidades camponesas (muchas) do centro do país, mas, também, do Zimbabwe:
"E se acontece que algum deles é mais diligente e granjeador e por isso colhe melhor novidade e cópia de mantimento, logo lhe armam couzas falsas por onde lho tomam e comem, dizendo: porque razão haverá aquele mais milho que outro, não atribuindo isto a maior indústria e deligência, e muitas vezes por esta culpa o matam para lhe comerem tudo (...)"
(Fonte: Almeida, Francisco Figueira de, Carta q Franc.co Figr.ª de Almeida, Capitam de Sena, escreveuo ao Governador Dom Nunes de Alues, dando lhe conta do q hia obrando, acerca da guerra, in Gomes, Antonio, Viagem q fez o Padre Ant.º Gomes, da Comp.ª de Jesus, ao Imperio de de (sic) Manomotapa: e assistencia q fez nas ditas terras de Alg´us annos (séc. XVII), 3, 1959, separata, p. 205.)
Nota: os rumores que estou a apresentar não seguem uma ordem cronológica.

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