08 agosto 2013

Um texto

8 comentários:

Anónimo disse...

Professor,
Aqui do Brasil, tenho acompanhado atentamente o desenrolar do ProSavana e não acredito muito que os moçambicanos assistam em breve a uma antipática invasão de agricultores brasileiros. Simplesmente por um motivo: isso iria contra a política de cooperação Sul-Sul tão cuidadosamente esculpida pelo Itamaraty e pelo próprio ex-presidente Lula, constantemente presente em África. Tal invasão teria toda a aparência de uma tradicional investida neocolonialista do "Norte", e acabaria por fazer ruir – a meu ver, de forma grosseira e pouco condizente com a sofisticada diplomacia brasileira– todo o esforço investido na construção desse discurso da cooperação Sul-Sul, uma das peças-chave da imagem internacional dos governos do Partido dos Trabalhadores.
Entretanto, se quisermos identificar fragilidades em tal discurso - e não tenho dúvida que há muitas - seria mais recomendável atentar para os modelos que são propostos: no caso do ProSavana, é no modelo agrícola proposto que se percebe claramente a ênfase na agricultura capitalista comercial - quiçá naquela mais voltada para a exportação de commodities agrícolas, ao invés da produção de alimentos para os mercados locais. E é aqui que as críticas ao programa podem recuperar a força do seu argumento original: a agricultura capitalista comercial, seja ela feita por brasileiros, moçambicanos ou por gente de qualquer outra nacionalidade, é, por definição, usurpadora de terras. Uma vez que está inserida no modelo de produção capitalista de ponta, precisa de grandes investimentos de capital inicial e de estar sempre a reduzir custos e maximizar lucros, numa busca incessante por aumento da produção, sob risco de perda de mercado e consequente falência. E aumentar a produção levará necessariamente ou a aumentar a área plantada (adquirindo terras a preços módicos daqueles menos capacitados), ou a reduzir custos de mão-de-obra, recorrendo cada vez mais à mecanização e à tecnologia; ou os dois.
Não que isto seja, por definição, um problema. Se a população de deslocados (os menos capacitados no campo) puder ser “aproveitada” em outros setores de produção capitalista, seja no industrial, seja no de serviços, todos acabam por garantir condições de vida razoáveis. O que se deve atentar é que a inserção na indústria e no setor de serviços exige qualificação técnica. Se essa população de prováveis deslocados não atender a esse requisito, então a usurpação advinda do modelo de produção capitalista agrícola produz as desigualdades já tão conhecidas aqui no Brasil: o que são as “famosas” favelas senão um enorme contingente de deslocados históricos, produto desse processo de usurpação de terras, sem a devida qualificação técnica que lhes permitisse uma inserção digna na sociedade? O Brasil, há 50 anos atrás, tinha uma população pobre eminentemente rural . Hoje, ela é fundamentalmente urbana, e com as características de profunda desigualdade em que os cinturões de favelas são o seu mais acabado símbolo. Essa migração do campo para as cidades – e nas condições em que se deu – é exatamente o reflexo desse processo de concentração do capitalismo agrícola que acabou por transformou o Brasil no tão elogiado “celeiro do mundo”, como alguns por aqui gostam de dizer.
Finalmente, confesso estranhar a ênfase no combate a essa iniciativa brasileira – absolutamente válido pelo que expliquei acima – e o silêncio a respeito das iniciativas do G8 no âmbito agrícola, também em curso em Moçambique. Se eu não interpretei mal as notícias que li a respeito de ambas, a brasileira, perto da do G8, é brincadeira de criança.
Peço desculpas pelo extenso comentário.

Carlos Serra disse...

Acredito que a autora do texto lerá este comentário.

Unknown disse...

O ProSAVANA apresenta uma tremenda incongruência na medida em que procura se legitimar com o falido argumento que a mecanização da agricultura vai garantir a segurança alimentar no país. Argumento:
1. O que falta no mundo não é alimento, o alimento existente no mundo daria para alimentar mais 2 bilhões de pessoas, o problema está no acesso ao alimento.
2. O próprio Brasil que lidera mundialmente a fama d agronegócio, não é este modelo de agricultura que garante a segurança e soberania alimentar, pois Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira são produzidos por agricultores familiares. No Brasil, a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 60% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.
3. O capitalismo ao penetrar no mercado agrícola (são 8 empresas que controlam a produção de comida em todo mundo – tremendo oligopólio), experimenta uma grande limitação que é a terra (pois eles conseguiram se apropriar de tudo: sementes naturais por GM, adubos orgânicos por fertilizantes químicos, trabalho manual pelo mecanizado, etc), mas não conseguem se apropriar da terra. Por isso depois de a degradarem em decorrência do abuso desmedido de uso de químicos deixando a terra infértil (em países onde estes modelos capitalistas foram largamente implementados), estas multinacionais procuram expandir o seu império especialmente em África que detém mais de 60% da terra agricultável do mundo. Daí a invasão pela África de todos os cantos, da chamada cooperação Sul-Sul aos G8 – que atentam a alteração da Lei de Terras de Moçambique, patenteamento de sementes para tornar as famílias camponesas moçambicanas a eles submissas. É preciso entender o fenômeno da pobreza como resultante de privações de várias ordens, e – a privação do acesso a terra das famílias camponesas moçambicanas (80% da população moçambicana), será a maior catástrofe que a história do país irá testemunhar, caso isso aconteça.
4. Concluindo: toda a política agrícola bem intencionada no país deve visar o aumento da capacidade (emponderamento) dos agricultores familiares, e o ProSAVANA, nos moldes em que é apresentado está aquém deste anseio.

Célio Panquene

Anónimo disse...

Prezado Célio,
Obrigado pelo comentário enriquecedor.
Aproveito para fazer uma pequena correção no meu comentário anterior.
Quando alerto para o risco que o modelo agrícola brasileiro implica, indicando a sua natural necessidade de expansão e consequente concentração fundiária, penso no regime fundiário brasileiro, regido pela propriedade privada.
Em Moçambique, onde, se estou bem informado, as terras são do Estado, esse risco da concentração fundiária não existiria.
Entretanto, como o Célio bem lembrou, existe uma proposta - que poderíamos bem chamar de pressão - para a flexibilização do atual regime fundiário moçambicano da propriedade do Estado.
Se isso acontecer, aí sim, o tal risco a que me referi passa a ser real.
E, note-se, a proposta - ou pressão - não é dos brasileiros, mas do G8, conforme se pode ler no documento Quadro de Cooperação do G8 para Apoiar a "Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutricional" em Moçambique

Anónimo disse...

Peço desculpas pela insistência, mas acho este ponto fundamental.
Quando o G8 quer obter do governo moçambicano o compromisso de Reformar o sistema dos direitos de uso e aproveitamento da terra(DUAT) e acelerar a emissão de DUATs, desenvolvendo e aprovando um regulamento que estabeleça os procedimentos e autorize as comunidades a efectuar parcerias através de arrendamento ou sub-arrendamento (cessão de exploração), não acho que seja nos pequenos agricultores que o G8 esteja a pensar, mas exatamente em facilitar esse processo de concentração dos grandes.
Isso está descrito no Anexo I do documento que cito no comentário anterior

Unknown disse...

Clarificando o ponto 1 do meu cometário: A comida actualmente disponível no mundo daria para alimentar mais 2 bilhões de pessoas para além das 7 bilhões que compõe o planeta.

Célio Panquene

Carlos Serra disse...

Acerdito que a autora do texto, que está em Maputo por alguns dias, irá ler os comentários.

nachingweya disse...

A RM anuncia um debate sobre o ProSavana para hoje as 14:00h.
Tomara que os "debatentes" lessem o documento e os comentarios acima.
PS:Moçambique tem a MOZAL e nos moldes em que a empresa opera acho que é errado afirmar que "Moçambique produz aluminio". "Em Moçambique produz-se aluminio" será mais apropriado.
O ProSavana, tal como está a ser com a industria extrativa, seguirá o mesmo figurino.Moçambique não vende os seus recursos, Moçambique, quando não isenta, beneficia de taxas sobre a concessão e a exploração dos seus recursos.