Outros elos pessoais

31 dezembro 2007

Até amanhã-2008: por um mundo mais justo

Amanhã é 2008 para muitos.
Para outros, também muitos, o calendário é diferente. Mas na vida prática, na vida dos detalhes que sempre se casam com os contrários, mesmo para muitos de calendário diferente amanhã será, também, 2008.
Para vós, um forte abraço (homens) e um forte beijo (mulheres).
Que em 2008 o mundo se torne mais solidário, mais justo, que menos pessoas sofram.
Até amanhã.

Diário de um sociólogo: o mais lido dos blogues moçambicanos em 2007


Em 2006, o Diário de um sociólogo, nascido a 18 de Abril desse ano, teve alguma dificuldade em situar-se de forma permanente no primeiro lugar dos blogues moçambicanos em termos de número de visitantes, de páginas lidas e da classificação da technorati e da google.
Mas este ano, a partir de Setembro, tornou-se definitivamente o mais visitado, o mais lido, o mais comentado e melhor situado na classificação da technorati e da google, com 272 visitantes diários e média de 844 páginas diariamente consultadas de acordo com o site meter.
Dois acontecimentos foram, creio, importantes para atingir essa posição.
Em primeiro lugar, a reportagem de um jornal brasileiro seleccionou-o como um dos "50 blogs que servem como referência para a vida política e cultural de mais de 30 países."
Em segundo lugar e pela primeira vez na história da blogosfera moçambicana, foi top 10 mundial nos blogues em língua portuguesa entre 599 concorrentes na classificação júri (juntamente com nove blogues brasileiros) e terceiro classificado na votação público do concurso BOBs 2007) - estando agora no primeiro lugar no top 10 Sociedade dos 529 já inscritos em vários línguas do BOBs.
Outros prémios foram, entretanto, concedidos a este diário, como a sua coluna da direita mostra.
O nosso país, o Brasil e Portugal forneceram o maior número de leitores diários.
O Diário de um sociólogo é, hoje, ponto de referência para cientistas, estudantes, jornalistas e leitores em geral um bocado em todo o mundo de língua portuguesa.
E se chegou onde chegou e está, foi em grande medida graças ao préstimo dos leitores, em contacto permanente comigo pelos comentários e pelo email, pelo acordo e pelo desacordo, pelo elogio e pela crítica.
A todos o meu grande obrigado e a promessa de prosseguir no próximo ano, combinando ciência, jornalismo e activismo social.

O que acham deste trabalho?

O que se segue não é a letra de uma canção de Azagaia ou do país da marrabenta da banda Gprofam, não é um texto de Custódio Duma ou de Noé Nhantumbo, tudo coisa e gente nossas, mas um trabalho escrito em Dezembro de 2001 por Fernando Bessa Ribeiro, professor universitário português: "Observando, deste lado do Índico, o desenvolvimento do muito gasto e universalizado programa de "reajustamento estrutural", tudo se torna transparente. Tal como no passado, na época dos impérios coloniais, a periferia continua sujeita ao domínio e aos interesses dos que hegemonizam o sistema mundial. Neste contexto, perante o descalabro africano e décadas de sucessivos falhanços nas políticas de desenvolvimento, Moçambique é utilizado como tábua de salvação, um exemplo da boa transição a mostrar ao mundo por aqueles que ditam as regras que o conduzem. A situação no terreno é, e eles sabem-no, bem diferente. A vida do bom aluno continua miserável e, sobretudo, crescentemente dependente da ajuda externa. Apresentando-se as coisas deste modo, ganha sentido a convocação saudosa do tempo de Samora Machel feita pelos mais pobres e pelos que, não o sendo, conservam a decência, essa qualidade humana ausente e esquecida nestas paragens. Nesse tempo, hoje diabolizado pelo pensamento único e enjeitado pelos arautos locais do neoliberalismo, a dignidade não era uma palavra vã. Nesse tempo, de pesadas dificuldades e grandes carências, o pouco que existia era partilhado com razoável equidade. Nesse tempo, do carapau transformado em prato único de todas as refeições, o roubo e a corrupção eram combatidos com energia e, sobretudo, com boa-fé. Hoje, decorridos quinze anos do desaparecimento trágico de Samora e quase dez do fim da guerra de desestabilização, nas cidades e nos campos, viver é cada vez mais um exercício de vida ou de morte, embora não seja menos certo que uma pequena minoria tenha prosperado a uma velocidade estonteante."
Agora deixem-me colocar as seguintes perguntas:
1. Acham que o conteúdo é válido? Se sim, por quê?
2. Se não, por que razão não é? Não é válido por que a situação mudou de 2001 para 2007? E se a situação mudou, mudou em que sentido e em que níveis?
3. O que distingue Bessa de Azagaia, Gprofam, Duma e Nhantumbo?
4. Que perguntas não fiz e deveria ter feito?
5. Seria possível um outro tipo de abordagem? Se sim, qual?

Posição sobre o rap

Do Jazzy aka 5 Elemento CEO, escrevendo no Jardim para o mundo: "O processo de escrita é muito importante no desenvolvimento do artista. Rappers como poetas urbanos, devem apegar-se cada vez mais a esta técnica arcaica, rupestre e cada vez mais moderna e importante no desenvolvimento do ser humano." (a imagem pertence ao blogue de onde a passagem foi reproduzida)

A mulher é a poesia de Deus



Sempre chego atrasado às novidades e por isso só hoje soube que a bela angolana Micaela Reis ficou em segundo no concurso de Miss Mundo 2007, realizado este mês na China.
Ao ver as imagens de Micaela, lembrei-me de uma frase de Jean-Jacques Rousseau: "A mulher é a poesia de Deus; o homem a simples prosa."
Se o destino for lesto, que ele lhe faça chegar um dia esta webreverência, Micaela.

Sarkozy e Guebuza



O meu texto com o título em epígrafe, aqui publicado em Julho, foi primeiro divulgado em português no Global Voices pela autora deste blogue. Mas encontra-se também traduzido para inglês e espanhol.

Figuras do ano no "Diário de um sociólogo"

Sei que irei cometer muitos erros - dos quais me penitencio desde já - deixando de fora muitos, mesmo muitos exemplos de compatriotas que se salientaram das mais variadas maneiras neste ano. Faltam-me, por exemplo, dados sobre operários e camponeses. Espero melhorar a selecção no próximo ano. Entretant0, eis a selecção que fiz (em "decisão subjectiva", como escreveu um dia alguém) das figuras do ano:

Joaneta Eduardo Mahumane

Solteira, com 12 crianças sob sua responsabilidade - três das quais órfãs e igual número de crianças abandonadas pelos pais -, Joaneta começou com o negócio informal de cereais, leguminosas e feijões, no mercado de Xai-Xai. Em 2004, com um crédito concedido pelo Fundo de Desenvolvimento da Mulher (FDM), entrou no comércio de gado bovino trazido da província de Tete. Hoje é criadora, tendo no seu curral 55 cabeças de gado bovino (27 das quais produto de poupança na sua carteira de crédito concedido pelo FDM) e muitos cabritos.
Em frente, Joaneta!

Maria Ivone Soares

Autora de dois blogues e co-autora de um terceiro, a única mulher que em Moçambique pratica webpolítica, Ivone Soares tem também webpoesia. É ainda locutora e presidente da União Nacional para o Desenvolvimento Estudantil, uma organização que, desde 1996, procura mediar conflitos entre os professores e os estudantes e ajudar no combate à corrupção, com delegações em Nampula, Pemba, Niassa e com sede nacional em Maputo.
Em frente, Ivone!

Edson da Luz (Azagaia)

Rapper, autor de numerosas canções que o tornam cada vez mais conhecido e actuante no país, Edson da Luz, de seu nome artístico Azagaia, estudante de geologia na Universidade Eduardo Mondlane, é um activista crítico na nossa sociedade.
Em frente, Edson!

Egídio Vaz Raposo

Historiador probo, cidadão frontal, investigador e oficial do DFID - Department for International Development, autor de um excelente blogue - temporiamente interrompido por motivos de força maior desde Julho -, co-autor de um outro sobre direitos humanos, Egídio é um cientista que faz webactivismo social recusando o conforto almofadado do academicismo.
A luta continua, Egídio!

Justiça Ambiental

A Justiça Ambiental, associação moçambicana de defesa do ambiente (portal disponível a partir de Janeiro do próximo ano), salientou-se este ano, de inúmeras maneiras, na chamada de atenção para os riscos ambientais que o país corre e poderá vir a correr em várias áreas. Temas como barragens e desmatamento foram constantes nas suas intervenções.
Em frente, colegas, a luta continua!

Carta para o Senhor Presidente da República, Armando Guebuza


Senhor Presidente

Permita-me que regresse ao tema que me levou a escrever aqui a primeira das cartas que desde Janeiro deste ano lhe tenho dirigido sobre os mais variados temas.
Presidente: segundo o "Notícias" de ontem, toros de madeira preciosa ilegalmente abatida encontram-se abandonados e espalhados a 80 quilómetros da cidade de Mocuba e nos distritos de Maganja da Costa, Pebane, Gilé, Morrumbala, Mopeia, Guruè e Milange, província da Zambézia.
Essa é uma notícia alarmante, terrível, Presidente.
A situação do desmatamento no país no que concerne à nossa madeira preciosa agrava-se mês após mês, com a participação de estrangeiros e de nacionais, como o "Notícias" e os ambientalistas têm mostrado regulamente.
Mesmo a olho nu é triste olhar a Zambézia. Mas não só a Zambézia: Inhambane, Sofala, Cabo Delgado, Niassa, etc. Nada escapa: umbila, pau-ferro, panga-panga, chanfuta.
Trata-se, Presidente, de um autêntico, desumano saque, sem maneio, sem real controlo.
Tal como lhe escrevi na primeira carta - permita-me recordar - floresta é raíz, floresta é o conjunto das nossas raízes, desta terra amada, mas desta terra cada vez mais desmatada.
Presidente: enquanto nos desflorestam, nos desmatam, enquanto a nossa rica madeira desaparece, estão muitos, cada vez mais muitos, a enriquecerem e a sentarem-se nos sofás e nas cadeiras com ela fabricados, em orientais e ocidentais terras, em múltiplos mercados e confortos deste planeta.
Presidente: corremos o risco de perder as raízes.
Presidente: corremos o risco de deixar os nossos filhos e netos entregues a um país sem raízes e sem alma.
É tudo, Presidente.
Feliz 2008 para si e sua Família.
A luta continua.
Carlos Serra

29 dezembro 2007

Geração diploma

Sim senhor, digo-vos que vale a pena ler este delicioso texto: "Geração diploma é aquela que gosta de carregar chumaços volumosos para fazer toda a gente saber que eles são produtores do saber, porém, o seu saber resume-se a carregar esses volumes. Geração diploma é aquela que olha verticalmente a quem não possui títulos enquanto que na verdade, devia olhar horizontalmente qualquer ser humano uma vez que um dos grandes postulados da pós-modernidade é tratar (de forma igual) os homens não por serem seres sociais mas sim por serem seres humanos."

O triste destino do Sr. Cumbe e do PUMILD

O presidente do Partido Unido de Moçambique e de Liberdade Democrática (PUMILD), Leonardo Francisco Cumbe - partido sem qualquer expressão votal no país -, "considera ser difícil exercer a actividade política no país, devido à falta de sensibilidade tanto do Governo assim como do sector privado em desembolsar apoios a iniciativas de género."
Isto é, de facto, uma real e franciscana chatice: se o Estado não ajuda, se os empresários não ajudam, se não há uma teta de vaca generosa, os partidos políticos não existem. E como a Renamo alijou a carga dos seus pequenos e aflitos satélites e a Frelimo deles não precisa para nada, a vida está numa má. Que tristeza cumbeana, que triste fadário pumildiano!
Oiçam, Sr. Cumbe e outros aflitos presidentes de aflitos partidos políticos: se não quiserem inscrever-se na IURD, façam como o Elias Mugombe da "Geração da Utopia" de Pepetela, que, tendo apostado no fértil mercado das crenças em Angola, criou uma igreja salvacionista, toda muito milagreira e dizimeira. E já agora, usem o nome que Elias lhe deu: Igreja da Esperança e da Alegria.

Zambézia: o impedioso abate da floresta

Toros de madeira preciosa ilegalmente abatida encontram-se abandonados e espalhados a 80 quilómetros da cidade de Mocuba e nos distritos de Maganja da Costa, Pebane, Gilé, Morrumbala, Mopeia, Guruè e Milange, província da Zambézia - eis o que o jornal "Notícias" constatou no terreno. Enquanto isso, o director provincial de Agricultura da Zambézia, Mahomed Valá, "reconheceu a anarquia que se instalou na área das florestas" (os nossos reconhecimentos a este nível são sempre interessantes).
Quando aqui, neste diário, pela primeira vez no país, dei o alerta do saque da madeira na Zambézia, multiplicando-me depois ao longo do ano em sucessivos alertas para a situação a nível nacional - incluindo uma carta para o presidente da República -, levantaram-se de imediato protestos um pouco por todo o lado, dizendo uns que isso não era verdade, que o corte de madeira estava abaixo do oficialmente estabelecido, dizendo outros que eu estava ao serviço de obscuros interesses estrangeiros, defendendo outros que o problema principal do desmatamento estava com os camponeses e com as suas queimadas descontroladas, fazendo outros, finalmente, doutas avaliações científicas para mostrar que era necessário não generalizar. Gloriosos seminários foram organizados para promover a imagem de um país florestalmente saudável. Em resumo: uma enorme cortina de fumo destinada a vedar a realidade de um impiedoso saque feito (e que prossegue, coisa que se vê logo a olho nu de avião) com a conivência de Moçambicanos dos mais variados extractos sociais, numa clima neo-liberal que dá origem à busca do negócio e enriquecimento a qualquer preço.
Mas hoje já não é possível ignorar o impedioso desmatamento a que o nosso país está votado e o "Notícias" tem sido, felizmente, a esse nível, um excelente vigilante.
Se não tivermos cuidado, se prosseguir esta busca desenfreada de lucro e de exploração selvagem das florestas (e nada indica que vá ser sustida no ambiente ruidoso e festivo gerado no país com a riqueza exportável dos nossos recursos naturais), dentro de 15/20 anos teremos o país desmatado de forma perigosa. Aqui, como em outros muitos campos, os nossos ambientalistas têm a obrigação de denunciar sem tréguas tudo o que visa perigar a biodiversidade de Moçambique.

Figuras do ano no "Diário de um sociólogo"

Nas próximas horas anunciarei aqui aquelas que irei considerar as figuras do ano. Creio que será a primeira vez que o costume nos jornais vai ser praticado ao nível dos blogues.

28 dezembro 2007

Parabéns, Edson!

O rapper moçambicano Edson da Luz, Azagaia de nome artístico - frequentemente referido neste diário -, foi eleito figura do ano pelo "Canal de Moçambique", que o tratou por "guerrilheiro dos sentimentos". Este jornal apresenta, assim, uma diferença em relacção aos outros jornais no tocante ao tipo de pessoas seleccionadas, até porque seleccionou também, como segunda figura, o Parque Nacional da Gorongosa.
Parabéns, Edson!

Intervenção social

Leia o Agry, neste tema: "A divulgação avulsa, descontextualizada de textos dos marxistas clássicos, por parte de alguns anti-comunistas, revela não só uma desonestidade intelectual como, sobretudo, uma total ausência de referências de suporte às suas tão enraizadas e assépticas convicções."

Criminoso: universidades brasileiras querem usar genética para combater delinquência juvenil

Através da colega Tereza Cruz e Silva, do Centro de Estudos Africanos, recebi por email uma nota de repúdio enviada pelo sociólogo Álvaro Pereira, do Núcleo de Ecologia Social/DED/LNEC (Avª. do Brasil, 101 ; 1700-066 LISBOA PORTUGAL, Telef.: + 351 218 443 588, email: apereira@lnec.pt)

"Nota de Repúdio

Estudos sobre a "base biológica para a violência em menores infratores": novas máscaras para velhas práticas de extermínio e exclusão.
É com tristeza e preocupação que recebemos a notícia de que Universidades de grande visibilidade na vida acadêmica brasileira estão destinando recursos e investimentos para velhas práticas de exclusão e de extermínio. A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século XX.
Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos, é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor - o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo, que leve em consideração as Redes que são cada vez mais fragmentadas, o medo do futuro cada vez mais concreto e a ausência de instituições que de fato construam alianças com as populações mais excluídas. É falar da corrupção que produz morte e isolamento e da precariedade das políticas públicas, sejam elas as políticas sociais básicas como educação e saúde, sejam elas as medidas sócio-educativas ou de proteção especial.
Enquanto a Universidade se colocar como um ente externo que apenas fragmenta, analisa e estuda este real, sem entender e analisar suas reais implicações na produção desta realidade, a porta continuará aberta para a disseminação de práticas excludentes, de realidades genocidas, de estudos que mantêm as coisas como estão.
Violência não é apenas o cometimento do ato infracional do adolescente, mas também todas aquelas ações que disseminam perspectivas e práticas que reforçam a exclusão, o medo, a morte.
Triste universidade esta que ainda se mobiliza para este tipo de estudo, esquecendo-se que a Proteção Integral que embasa o ECA compreende a criança e o adolescente não apenas como "sujeito de direitos" mas também como "pessoa em desenvolvimento" - o que por si já é suficiente para não engessar o adolescente em uma identidade qualquer, seja ela de "violento" ou "incorrigível".
A universidade brasileira pode desejar um outro futuro: o de estar à altura de nossas crianças e adolescentes."
Pedido: podem os leitores brasileiros comentar?
Entretanto, recordo o conteúdo de uma postagem por mim colocada há tempos neste diário, a saber:
"Em 2006, então ministro do Interior, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, trabalhando numa lei destinada a prevenir a delinquência, pediu o levantamento do segredo médico e a generalização da despitagem nas crianças de 36 meses para análise dos seguintes comportamentos: indocilidade, baixo índice de moralidade, hetero-agressividade e fraco controlo emocional. Como se houvesse uma predisposição genética para a delinquência. Gerou-se um enorme protesto.
Acrescente-se que Sarkozy tem insistido no determinismo hereditário da homossexualidade e da pedofilia.
A tónica cerrada colocada no naturalismo e na biologia, com o eclipse do social, deixa, naturalmente, muito com que pensar. Em França o debate ainda é forte a esse respeito. Aqui, entre nós, certas teses sobre a homossexualidade parecem tomar um rumo similar.
Ora, só em casos muito raros, nas doenças chamadas monogenéticas, é que se poderia falar em determinação genética.
Para uma análise e para um desmentido científico das teses de Sarkozy, leia Philosophie Magazine (10), Juin 2007, pp. 27-31."

Quem é o inimigo? (2) (prossegue)

A luta de libertação nacional conduzida pela Frelimo é um excepcional laboratório de estudo de várias coisas. Uma dessas coisas é o processo de produção simbólica do inimigo. No livro "Lutar por Moçambique" de Eduardo Mondlane, existe um admirável esforço para identificar o inimigo, o inimigo colonial. Aí, num exercício analítico pleno mostrando como funcionava a sociedade colonial, é claro que o inimigo não é o povo português, mas o sistema colonial. Creio que não foi nada fácil convencer muitas pessoas de que o inimigo não era o português, mas um determinado sistema que produzia dominadores e dominados. Creio, ainda, que a sistematização do conceito atingiu a partir de 1968 maior rigor, com a liderança de Samora Machel. Uma luta armada diferente, justa, só poderia ter sentido se claro fosse o conceito de inimigo. Mas não foi tudo. Se o inimigo era socialmente determinado, só o podia ser (1) no interior de uma concepção que lesse a sociedade dividida em interesses diferentes, antagónicos, e (2) no interior de uma concepção de sociedade de futuro diferente. Quer dizer, a leitura do colonialismo como sistema social de opressores estrangeiros/oprimidos locais ligou-se intimamente, pouco a pouco, ao nível do grupo liderante da luta, à recusa de uma sociedade nacional que fosse habitada pela mesma dicotomia com Moçambicanos reproduzindo o sistema. Assim, Mondlane escreveu no livro citado não fazer sentido que, atingida a independência, o sistema social continuasse a ser o capitalista. Depois, numerosos textos de Samora Machel e da Frelimo ampliam consideravelmente essa posição. O rigor (em processo e em luta) posto na produção do conceito de inimigo e de uma sociedade diferente, pode ser documentado de várias maneiras. Uma delas está no facto de que os guerrilheiros da Frelimo nunca transformaram o país num holocausto no decorrer da luta armada. Tirando algumas excepções, os alvos foram exclusivamente militares e o conjunto de vítimas e de estragos foi excepcionalmente pequeno. Não foram os Portugueses que foram escolhidos como alvos, mas os soldados, os símbolos e os artefactos que os transformavam em peças de um sistema que oprimia, os Moçambicanos cá, os Portugueses lá.
Nota: (1) peço desde já aos leitores que me vão corrigindo caso eu cometa erros; (2) a qualquer momento posso modificar o que aqui fica escrito.

Aforismos

"Uma convicção é a crença de estar, num ponto qualquer do conhecimento, de posse da verdade absoluta" (Friedrich Nietzsche)
Cá vai mais uma fornada de aforismos perversos:
1. Quanto mais pequena for a capoeira, mais enfatuados e guerreiros são os galos candidatos ao cargo de galoeiro-mor.
2. Quando estás em dificuldades numa discussão, responde até à saciedade com a santa doutrina das perguntas. Se eu disser que isto é baixo, tu respondes perguntando o que é baixo, alto, quente, frio, vida, morte, gordo, magro, rico, pobre, esquerda, direita, etc.
3. Se queres vencer numa disputa sobre quem tem a verdade, tenta persuadir os outros de que os adversários é que se convenceram de que a detêm. Tu não, tu és o santo cruzado que apenas luta humildemente não por ela, mas pelo partorioso caminho para ela.
4. Quando queres lutar a contento, não uses as auto-estradas. Nos caminhos vicinais tens melhor público e aí podes, até, ser o ouvinte de ti próprio.
5. Se queres ser chefe, presidente, ministro, papa, imperador, profeta, santo, tenta provar que as lições que dás sobre arte de governação são despretensiosas e apenas visam o bem da nação.
6. Quando o público não te ouve tanto quanto desejas, assegura-te o doce repouso espiritual de que só tu és presciente e condena os adversários por serem medíocres e não te seguirem.
7. Se estás perturbado na estrada, toma a decisão de provar que o problema está na estrada e não em ti.
8. Quando pregares a santa verdade com todos os recursos da santa autoridade, tenta mostrar que o fazes desinteressadamente em luta contra mentes jurássicas sem escrúpulos.
9. Quando uma realidade te incomoda e tu és amarelo, procura mostrar que os responsáveis dessa realidade são verdes e por isso são perniciosos.
10. Se os teus concorrentes no mercado das ideias têm seguidores, procura convencer os curandeiros de que esses seguidores são acéfalos e têm mentalidade de cipaio.

Aforismos

Faz tempo que aqui não posto os meus perversos aforismos. Aguardem por eles nas próximas horas.

As aspas

O presidente do Partido Socialista, João Likalamba, abandonou o Bloco da Oposição Construtiva, liderado pelo Homo Sibindycus. Enquanto o Sr. Likalamba pede para não se brincar com ele, o Homo Sibindycus chama-lhe míope político. Mas o mais interessante para mim na notícia a cinco colunas no "Notícias" de hoje não é esse exercício de comadres desavindas, mas as aspas colocadas pelo jornal no garrafal título, a saber: ""Socialistas" desistem da oposição construtiva". Enquanto isso, o sheique Abdul Carimo afirmou que a democracia regrediu este ano no país.

27 dezembro 2007

O que são racismo e etnicidade?

Certos tipos de comentários racializantes regressados a este blogue por via de comentários, levam-me a recordar passagens de um livro meu sobre racismo e etnicidade, produto de uma pesquisa que dirigi em cinco cidades do país há oito anos:
"Os seres humanos não nascem egoístas, racistas ou étnicos. Eles tornam-se nisso devido às lógicas combinadas de três fenómenos: interacção social, disputa de recursos de poder e educação. É aqui que se tecem os sistemas de referência e os meandros categoriais, é aqui que crescem, se consolidam e se tornam naturais os jogos de alteridade, que se desenvolvem o racismo e a etnicidade, é aqui que o bom senso deixa de ser, como queria Descartes, a coisa melhor partilhada do mundo.
A multiplicidade fenoménica da vida obriga os seres humanos a produzir quadros e categorias simplificadoras do social.
A vida humana é, em grande medida, uma constante disciplina do pormenor, da incerteza e da dúvida. Essa disciplina opera, normalmente, através de três movimentos: o movimento do julgamento retrospectivo (do género "se assim foi no passado, sempre assim será"), o movimento da indução simplificadora (trata-se do "efeito do corvo negro": se encontramos um corvo negro, somos tentados a supor que todos os corvos são negros) e o movimento infra-intelectual da precedência afectiva (primeiro os nossos, depois os outros).
É com esses três movimentos que naturalizamos o que é socialmente produzido. E fazemo-lo apenas com alguns indícios, com alguns dados. Com meia dúzia de fragmentos enfrentamos o futuro, com o que temos atrás vamos ao encontro do que está à frente. Os hábitos são a chave que abre e domestica o imprevisto. Na verdade, face às coisas novas, somos tentados a reconduzi-las, rapidamente, às coisas velhas.
Toda a nossa vida é a conversão do desconhecido ao conhecido. Quando entramos em contacto com o Outro, apresentamo-nos como o coágulo instintivo de milhares de percepções social e culturalmente trabalhadas e armazenadas. O que julgamos ser natural, é, afinal, socialmente trabalho e construído, como se em nós houvesse uma espécie de genética social.
Racismo e etnicidade têm, aí, na sua elementaridade e na sua funcionalidade, um campo de acção exemplar. Na verdade, eles apelam, ao mesmo tempo, para uma essencialidade original e para uma especificação de diferença irredutível supostas preceder a interacção social. No racismo actua-se por marcadores físicos elementares - é a racialização do social; na etnicidade, por marcadores simbólicos (língua, "costumes", anterioridade de chegada a um território, heróis epónimos) da comunidade imaginada de origem - é a etnicização da identidade. Num caso temos a visibilidade somática, no outro a visibilidade da história. Em ambos faz-se a apologia de um certo tipo de superioridade, seja de origem, seja de características intelectuais e morais, seja de ambos ao mesmo tempo. É racista quem defende a superioridade genética de um grupo; é étnico quem defende a superioridade da sua comunidade imaginada de origem. Ambos procuram monopolizar os recursos de poder em função de marcadores, pigmentação num caso, comunidade imaginada de origem no outro.
Racismo e etnicidade são exercícios de inclusão/exclusão sociais que, interiorizados e assumidos, funcionam como os semáforos (o verde para os nossos, o vermelho para os outros). Ambos erigem sistemas acabados de verdades do dia-a-dia em referenciais de conduta e atribuição instintiva de significado social, cuja característica é de comportarem como tropismos sociais, federando atitudes, unindo comportamentos e estabelecendo fronteiras intolerantes entre os seres humanos.
À força de se sentir o diverso e de o produzir como símbolo e acto, atinge-se a intolerância mesmo quando se faz a apologia multicultural. Tecemos e retecemos, então, com o ardor de Penélope, o espírito da casa fechada. Nos casos mais extremos e trágicos, aqueles da alteridade absoluta erigida em armas e extermínio, racismo e etnicidade dão origem a um corpo doutrinário para o qual se busca uma fundamentação científica."
__________________________________
Adaptado de Serra, Carlos (dir), Racismo, etnicidade e poder. Um estudo em cinco cidades de Moçambique. Maputo: Livraria Universitária, 2000, pp. 20-22.

Figuras do ano segundo "Savana" e "Zambeze"

Os jornalistas do semanário "Savana" elegeram o Conselho Constitucional como figura do ano. Atribuíram ainda menções honrosas ao Instituto Nacional de Gestão de Calamidades e ao Instituto Nacional de Estatística. Como pior figura do ano, elegeram o ministro da Defesa, Tobias Dai, claramente devido às explosões de Março no paiol de Malhazine. A seguir ficou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Leonardo Simão, um dos proprietários da empresa Golden Roses (p. 2).
Por sua vez, o semanário "Zambeze" elegeu como figuras do ano, no lado negativo, o chefe de Estado, Armando Guebuza (relevo para gafes inconstitucionais), sua esposa, Maria da Luz (excesso de presença não protocolar), e o ministro da Defesa e irmão de Maria da Luz, Tobias Dai (não se demitiu após as explosões de Malhazine) - o semanário usou a expressão "tríade governativa familiar" (p. 2).
Nota: se juntarmos a este exemplo o do "Magazine Independente" de ontem, verificamos que as figuras do ano foram regra geral seleccionadas no meio governamental, deixando de fora a chamada sociedade civil. A excepção é o Conselho Constitucional.

Quem é o inimigo? (1)

Esse o título de um livro em três volumes da autoria do falecido Aquino de Bragança e do sociólogo norte-americano Imannuel Wallerstein, publicado em 1978 pela editora portuguesa "Iniciativas Editoriais". Trata-se de uma rica colecção de intervenções de dirigentes dos então movimentos de libertação nas ex-colónias portuguesas e na África do Sul. No calor da luta, a pergunta era sempre a mesma: quem é o inimigo?
É esse título que me levou a esta nova curta série. Então, a pergunta é: quem é o inimigo, ontem e hoje, em Moçambique? Veremos como a produção política do inimigo o foi metamorfoseando à medida que a concepção das relações sociais foi mudando, até o tornar hoje numa figura técnica, amorfa, animal mesmo. E fazendo isso, tentarei manter a linha de pensamento das minhas postagens anteriores concernentes à informação-natureza: o pensamento da direita hoje e aos mandarins.

PALMO palma-se

De acordo com o seu presidente, António Muedo, o PALMO, pequeno partido político sem qualquer relevância votal no país, acaba de se palmar ao partido no poder, a Frelimo.
Aqui está uma boa companhia para o partido de Palange e, especialmente, para o do Homo Sibindycus.
Adenda: tendo a Renamo já garantido que não levará mais passageiros na sua caravana eleitoral e com a Frelimo dispensando perfeitamente o préstimo de qualquer tipo de partido (et pour cause), ficam estes pequenos partidos na desgloriosa posição de um limbo chorão e não remunerado, ainda que assegurando uma mídiapublicidade periódica e grátis no "Notícias".

O Estado da nação segundo Albuquerque

Não, não se trata de Azagaia, trata-se de um jornalista do "Notícias", o Mouzinho de Albuquerque, que, neste fim de ano, em termos de balanços, decidiu que a demagogia tem um limite: "Só que, nalguns casos, quer aceitemos quer não, os pronunciamentos de alguns dirigentes sobre o bom desempenho anual das instituições de que são “timoneiros” tem constituído um repetido hábito demagógico pois não parece corresponderem efectivamente à realidade vivida no terreno, em termos de resolução de grandes problemas que apoquentam as populações."
Ser jornalista capaz de ir contra a corrente dos bem-pensantes fora da cidade de Maputo é, regra geral, uma tarefa difícil. Por isso Mouzinho de Albuquerque é corajoso.

26 dezembro 2007

Com 6 anos: violada, morta e lançada num pântano

"Uma adolescente de apenas seis anos de idade foi raptada, estuprada, assassinada e depois jogada num pântano, ontem, Natal, na cidade da Matola, por um desconhecido ainda a monte."
Um erro do jornal: com seis anos não se é ainda adolescente.

Meque na caça à feitiçaria e à inveja

Segundo o semanário "Magazine Independente" de hoje, o governador de Inhambane, Francisco Meque, decidiu combater a feitiçaria e a inveja na província reforçando os poderes dos chefes tradicionais da província, exigindo em comícios que estes denunciem às instituições adequadas do Estado todos os jovens "que acusam os pais de feiticeiros e os que fingem que se enamoram de raparigas para as engravidarem e depois abandoná-las" (p. 10).
Perante tão castrense e populista medida, sem qualquer análise em profundidade da situação social que gera feitiçaria e inveja, ensejando um clima mackartista de consequências imprevisíveis, o governador Meque arrisca-se, entre outras consequências, a fazer aumentar as tensões sociais, as acusações de feitiçaria e o exército de invejosos, numa província onde as acusações de feitiçaria aparecem intimamente associadas à posse de coqueiros (estudei este campo).

As figuras do ano moram em cima

O semanário "Magazine Independente" tem hoje como sua manchete a selecção do que chamou "figuras do ano": o ex-presidente da República, Joaquim Chissano, a ministra do Trabalho, Helena Taipo, e o ministro da Energia, Salvador Namburete.
Pois é: as figuras estão todas em cima, no trono real. Por que deveria haver figuras no rés-do-chão, em desgracioso meio popular? Povo tem voz, heróis, figuras do ano? Craro que não: é só população e população não tem individualidade. Bem, creio que isto dá uma bela canção para o Azagaia.

Os mandarins

Os mandarins são pessoas saudável e honestamente subtis. A sua proposta de diálogo inteligente disfarça pela bonomia o que é sempre o seu objectivo último: mostrar a superioridade ngungunhânica do seu pensamento. Eles sabem disso, mas sempre pretendem ser madres teresas de calcutá (o bom Schopenhauer era suficientemente calmo e irónico para revelar isso e falar da "obstinação natural ao homem"). Essa a base do competente maquilhado de desinteressado: onde afirma combater pela Verdade, combate pela sua verdade paroquial. Transforma em interesse universal misericordioso o seu interesse privado ciumento.
O mandarim usa várias técnicas para fazer passar a sua disfarçada e burguesa luta pela Verdade (já escrevi neste diário que ele tem um especial horror pela política declaradamente declarada). Eis quatro, entre outras:
1. Recurso às autoridades, aos especialistas, aos textos canónicos, ao manto sagrado da ciência, às hipóstases transcendentes, aos cardeais do saber, às regras impolutas da arte científica de pensar. Mostrar que tem opiniões desinteressadas é a suprema arte do competente no preciso momento em que afirma que os outros não sabem pensar.
2. Recurso ao vernáculo local. Invocar formas línguísticas locais, provérbios, subtilezas idiomáticas, é sempre uma tentativa de mostrar ao outro que existem saberes intangíveis aos estranhos, saberes que são sagrados, intransponíveis, patrimoniais, verdadeiros. E nos momentos mais grandiosos, os cardeais da Verdade recorrem ao latim, que fazem copular com idiomatismos tropicais.
3. Recurso ao assexuamento. Catalogar as opiniões de outrem como pertencentes a categorias execráveis, ultrapassadas pela história. Hoje é o tempo das almofadas globalizadas e por isso os mandarins amam mostrar que não habitam em nenhum local político ou ideológico, que longe, estúpido e inconsequente vai o tempo do activismo social, da esquerda e da direita, dos investimentos políticos, da luta pelos deserdados da terra. Na sagrada família dos mandarins, eles são os centristas livres de conceitos entorpecentes, pois são o conceito em si, os sujeitos em si, os "críticos críticos" como diria Marx.
4. Impugnação da realidade. Os mandarins amam mostrar que o objecto, que a realidade é um logro, que tudo não passa das representações de sujeitos. Lá onde há uma pedra, os mandarins dirão que tudo depende do conceito de pedra que cada um tem. Cada um tem a pedra que quer e o desconforto ou o conforto que deseja. E, afinal, até nem existem pobres (que conceito ultrapassado!): o que existe são diferentes formas de riqueza. Uns têm mais, outros menos, outros estão no meio, é tudo questão de processo e de paladar epistemológico, de conceito.
Nota: a qualquer momento posso modificar estas breves e canhestras notas cheias de...verdade.

Cabora Bassando

Estamos ainda a festejar a reversão da Hidroeléctrica de Cabora Bassa, mas o economista Eugénio Chimbutane interroga-se e cabora bassa-se sobre várias coisas a esse respeito: "Ainda sobre a HCB, veja neste LINK: HCB EM NÚMEROS. Trata-se de dados financeiros desta empresa nos últimos 5 anos. O fraco desempenho económico e financeiro da HCB começa a suscitar outras questões que merecem investigação. Como foi determinado o preço da venda da participação dos portugueses (USD 950 Milhões) à Moçambique? Será que pagámos um preço justo? Será que a HCB revertida valia tanto assim? Os números tendem a dizer que não!"

Zimpeto: à espera do Senhor Godot

Tal como o Godot de Beckett nunca chega, no Zimpeto, periferia da cidade de Maputo, 40 famílias continuam a aguardar que o Gabinete de Apoio e Reconstrução cumpra com o que prometeu há nove meses e lhes entregue as casas que substituam as que foram destruídas quando das explosões em Março no paiol de Malhazine: "Luísa Zucula, uma das vítimas que estava no local para receber as chaves da sua casa, disse que “as festas são para eles que têm casas, nós não teremos nenhuma festa porque estamos preocupados com as nossas casas”. Ela veio aqui e não nos disse quando é que vão nos entregar as casas, só disse para esperarmos”, precisou questionado-se, depois; “mas é para esperarmos até quando?”

25 dezembro 2007

Informação-natureza: o pensamento da direita hoje (3) (fim)

Termino hoje esta série muito breve deixando mais algumas ideias frustes, nascidas da leitura de um livro clássico de Simone de Beauvoir (pode ser que retome o tema nesta oficina onde tudo é provisório).
Os mandarins da direita são muito hábeis em várias coisas, das quais saliento quatro:
1. Transformar os seus interesses particulares em interesses universais. Por isso, como escreveu Simone, inventam uma justiça superior em nome da qual a injustiça seja justificada.
2. Fazer da história por um lado uma sucessão de ciclos imutáveis nos quais se operam mutações graduais - mas jamais revoluções - e, por outro, o desenvolvimento moral de um continuum que inevitavelmente vai desembocar nas elites dominantes, seus gestores e os únicos autorizados a estabelecer a verdade. O ideal dessas elites é a natureza divinizada.
3. Tratar os opositores como invariavelmente movidos pelo ressentimento, bem na linha de um Nietzsche. Pelo ressentimento, pela inveja, pela neurose, pela incompetência, em última análise pela enfermidade. Por isso toda uma corrente da psicologia (mas não só) desenvolveu-se no sentido de transformar a mentalidade do oprimido e não o sistema social que o produz, como escreveu Simone. O fundamental é convencer o proletário, por exemplo, de que ele não é um proletário, mas o cidadão de um país, com os mesmos direitos e deveres de quem o produz e o reproduz como força de trabalho.
4. Ao nível dos seus intelectuais mais academicamente musculados, assexuar a reflexão política, evacuando-a, antestesiando-a para a tornar genérica, técnica, científica, fechada na rodoma das teses e dos seminários aclimatados, tratável ao nível do pensamento inteligente, competente. Para ampliar um pensamento de Simone de Beauvoir, nada inspira mais horror à direita do que o activismo político, do que as coisas politicamente comprometidas como a literatura, o jornalismo, o bloguismo. Não surpreeende, assim, por exemplo, o acento posto não nas clivagens sociais verticais, mas nas "diferenças" horizontais (tenha-se em conta o apego amoroso ao multiculturalismo, às especificidades nacionais, culturais, filosóficas e, até, raciais). Como escreveu Simone, ao esquema "simplista" de Marx, que opunha exploradores a explorados, "se substitui um desenho tão complexo que os opressores entre si diferem tanto quanto diferem dos oprimidos, a tal ponto que esta última distinção perde a sua importância".
Não surpreende, assim, que os mandarins da direita insistam tanto nas virtudes terapêuticas da comunicação à Habermas e nos valores da ordem e da autoridade. Eles julgam ser, afinal, como a natureza que idealizam: imutáveis, predestinados, eternos, mesmo que nisso pareçam colocar um pouco de piripiri de esquerda inteligente. Por isso são (fascinante verbo substancial!) hoje como eram há 52 anos quando Simone de Beauvoir deles falou no seu "Pensamento da Direita, Hoje"- só que mais sofisticados.

Sur le carreau

Acho que as línguas têm espíritos muito específicos, intraduzíveis.
Por isso tenho dificuldade em traduzir para português a expressão francesa sur le carreau, que eu próprio criei. Eventualmente algo como com o joelho em terra talvez se aproxime do sentido em francês. Os habitantes do livro com a imagem à esquerda são aqueles que estão, regra geral, na corda bamba da vida, na precariedade social, aqueles pelos quais luta o nosso rapper Azagaia. Então, se sabe francês, pode ler esse livro aqui.

Sérgio Coutinho

Visitem o blogue dele, deste sociólogo habitando Maceió, Alagoas, lá no Brasil. Abraço índico e suicidemos as fronteiras, Sérgio!

Azagaia: obrigado Pai Natal!


Música: Obrigado Pai Natal
Artista: Azagaia
Label: Cotonete Records

I
2007 começou no meio de chuva e champagne
Ninguém previa que ainda vinha muito chumbo e sangue
Távamos todos a ressacar, babalaze de fim de ano
Povo dança pa não chorar, parece filme indiano
Janeiro:
Começa com a Soico e os tribunais
"Bens penhorados devolvidos", lia-se em todos os jornais
E recebíamos a polémica visita oriental
O presidente da China senhor Hu Jintao
E é claro que rubricámos vários acordos pragmáticos
Uma Barragem no Zambeze, e a construção do novo estádio
E a China é generosa...
só quer madeira em troca
E desfloresta a nossa mata, com nossa mão-de-obra
Barata, e não se boicota como na Zâmbia
Deixa o povo só falar enquanto o nosso negócio anda
Cahora Bassa abre comportas inunda o vale do Zambeze
Deixa famílias ao relento, em Fevereiro isto acontece
Enquanto isso Ciclone Flávio faz mais outros reféns
E as ajudas são benvindas, em dinheiro ou em bens
As calamidades não descansam põem à prova o nosso povo
É tanta ajuda p'ra gerir põe à prova o nosso bolso
Março:
Dia 22, quinta feira
O nosso paiol explodia, eram estrondos e poeira
Terror em Laulane, Bagamoyo, e Malhazine
De Jardim a Hulene, Aeroporto e Magoanine

CORO:
Pelos casos que abafamos
Pelos carros que importamos
O salário que ganhamos
Obrigado Pai natal
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
Pelo povo que roubamos
Pelos danos que causamos
E no fim não pagamos
Obrigado Pai Natal
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.

II
O povo...
Pede a cabeça do ministro
Ali em frente a assembleia,
Nunca vi nada igual isto
Mas a polícia teve e lá
E prendeu os manifestantes
Repôs a paz, lei e ordem...
No seio dos governantes
Inquéritos não deram em nada
Mais um acidente natural
Causado pelo calor, só despesas de funeral
Se não há provas não há crime
Quase mil entre mortos e feridos
É o balanço do Paiol de Malhazine.
Abril:
A polícia fuzilava à luz da lua
Lá no bairro costa de sol
Que não brilhava aquela altura
O PGR, rendia-se à famosa velha luta
Contra o Crime Organizado
Na Assembleia da República
(he) Quis pescar com rede fina peixe graúdo
Ninguém foi às audiências,
Nunca se viu tamanho insulto
Maio:
Mais um Shopping Center em Maputo
É a pobreza absoluta combatida com o luxo
E o Ministério da Agricultura queimava os seus arquivos
Mais um curto-circuito, não há provas nem arguidos
Lá se foi a base de dados da PROAGRI
Junho, Julho, Agosto, o juiz Paulino
O novo Procurador-Geral, tirou 7 do caminho
É bom que ele venha devagarinho
Porque a coisa tá quente no País do Foguinho.

CORO:
Pelos casos que abafamos
Pelos carros que importamos
O salário que ganhamos
Obrigado Pai natal
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
Pelo povo que roubamos
Pelos danos que causamos
E no fim não pagamos
Obrigado Pai Natal
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.
De nada, filho.

III
"Agora matam-se entre eles
Traição na corporação"
Parece que o tal do Azagaia tinha razão.
Agostinho Chaúque
O homem que deu cabo da saúde
De polícias implacáveis ao crime Chaúque
Não perde de tempo com fraudes
Este homem assalta bancos
Afoga Mambas no Rio,
Só em polícias foram tantos
E o deixa-andar não deixou de mais uma vez ganhar um prémio
Mo-Ibraim, parabéns camarada você é um génio
Excelente governação,
O presidente sem governo
Agora acredito que existe
O paraíso eterno.
Novembro:
Sentimos todos no calor de Tete
O PR emocionar-se com a sua jogada de mestre
É que a dívida que ainda é dívida já não é dívida pra o povo
E não importa quem duvida, se quem duvida não é o povo
E é segredo bem guardado nos negócios do Estado
Esse enredo de empossarmos... o que pedimos emprestado
Com ajuda desse Banco muito bem selecionado
"Cabora Bassa já é nossa", cada um tira o seu bocado.

CORO 2X:
Pelos casos que abafamos
Pelos carros que importamos
O salário que ganhamos
Obrigado Pai natal
De nada, filho
De nada, filho
De nada, filho
De nada, filho
Pelo povo que roubamos
Pelos danos que causamos
E no fim não pagamos
Obrigado Pai Natal
De nada, filho
De nada, filho
De nada, filho
De nada, filho
______________
Baixe o som aqui.
Recorde aqui a minha crítica aos críticos de Edson da Luz, Azagaia de nome artístico.

24 dezembro 2007

Retoponimiar a cidade de Maputo

Parece que há discussão, febre de novo, de coisa diferente em torno da toponímia da cidade de Maputo, que deve ser mudada (diz-se, insiste-se), o que é salutar. Mas não seria saudável que a discussão fosse alargada ao país, em termos de referendo, para que os futuros nomes das nossas artérias não fiquem cativos dos interesses de algumas dezenas de cidadãos, por mais bem intencionados que sejam? (foto reproduzida daqui).

O estado da Nação

Perante um obstáculo, a linha mais curta entre dois pontos pode ser a curva (Bertolt Brecht)
Na psicologia, Freud mostrou que nem tudo em nós é consciente; na astrofísica, Einstein mostrou a relatividade da simultaneidade (esta não pode ser demonstrada, pode apenas ser definida); na mecânica quântica, Heisenberg e Bohr mostraram que qualquer medição implica a interferência de quem mede; na matemática, Gödel mostrou, pelo seu teorema da incompletude, que há preposições que não se podem nem demonstrar nem refutar.
Ora, perante a defesa de que "o estado da Nação é bom" ou de que "o estado da Nação é mau", como é possível evitarmos o bom senso da dúvida ou da curva de Brecht ou do meio termo tão caro aos defensores almofadados do fim da direita e da esquerda?

23 dezembro 2007

As desmotorizadas policiais

Eram 50, as motorizadas com que os agentes da Brigada Anti-Crime (braço da Força de Intervenção Rápida) começaram - briosos e intimidadores, capacete protector e colete anti-bala, aos pares em cada veículo - a circular na cidade de Maputo desde Junho de 2006. De então para cá as avarias e as emboscadas (sic) sofridas nas artérias reduziram o efectivo motorizado para dez. Apesar disso, um porta-voz da Polícia afirmou que os agentes da brigada vão trabalhar nesta quadra festiva "com novas estratégias no terreno".
Mas rareiam, também, as bicicletas com que os polícias circulavam em Maputo, não sei se pelas mesmas razões.
Eis um quadro que não é único e que teve em tantos outros sectores o mesmo começo e o mesmo desfecho (transportes públicos, por exemplo). Começa-se com o novo, com grande aparato e depois ficamos descalços por falta de uma sistemática concepção de manutenção e prevenção.

O monumental saque dos mortos e da história (4) (prossegue)







Prossigamos esta digressão pela vandalização do Cemitério S. Francisco Xavier, cidade de Maputo, ali nas esquinas das avenidas Eduardo Mondlane e Karl Marx (para ver os estragos na estatutária, amplie as imagens clicando duas vezes sobre elas com o lado esquerdo do rato)