Outros elos pessoais

25 dezembro 2007

Informação-natureza: o pensamento da direita hoje (3) (fim)

Termino hoje esta série muito breve deixando mais algumas ideias frustes, nascidas da leitura de um livro clássico de Simone de Beauvoir (pode ser que retome o tema nesta oficina onde tudo é provisório).
Os mandarins da direita são muito hábeis em várias coisas, das quais saliento quatro:
1. Transformar os seus interesses particulares em interesses universais. Por isso, como escreveu Simone, inventam uma justiça superior em nome da qual a injustiça seja justificada.
2. Fazer da história por um lado uma sucessão de ciclos imutáveis nos quais se operam mutações graduais - mas jamais revoluções - e, por outro, o desenvolvimento moral de um continuum que inevitavelmente vai desembocar nas elites dominantes, seus gestores e os únicos autorizados a estabelecer a verdade. O ideal dessas elites é a natureza divinizada.
3. Tratar os opositores como invariavelmente movidos pelo ressentimento, bem na linha de um Nietzsche. Pelo ressentimento, pela inveja, pela neurose, pela incompetência, em última análise pela enfermidade. Por isso toda uma corrente da psicologia (mas não só) desenvolveu-se no sentido de transformar a mentalidade do oprimido e não o sistema social que o produz, como escreveu Simone. O fundamental é convencer o proletário, por exemplo, de que ele não é um proletário, mas o cidadão de um país, com os mesmos direitos e deveres de quem o produz e o reproduz como força de trabalho.
4. Ao nível dos seus intelectuais mais academicamente musculados, assexuar a reflexão política, evacuando-a, antestesiando-a para a tornar genérica, técnica, científica, fechada na rodoma das teses e dos seminários aclimatados, tratável ao nível do pensamento inteligente, competente. Para ampliar um pensamento de Simone de Beauvoir, nada inspira mais horror à direita do que o activismo político, do que as coisas politicamente comprometidas como a literatura, o jornalismo, o bloguismo. Não surpreeende, assim, por exemplo, o acento posto não nas clivagens sociais verticais, mas nas "diferenças" horizontais (tenha-se em conta o apego amoroso ao multiculturalismo, às especificidades nacionais, culturais, filosóficas e, até, raciais). Como escreveu Simone, ao esquema "simplista" de Marx, que opunha exploradores a explorados, "se substitui um desenho tão complexo que os opressores entre si diferem tanto quanto diferem dos oprimidos, a tal ponto que esta última distinção perde a sua importância".
Não surpreende, assim, que os mandarins da direita insistam tanto nas virtudes terapêuticas da comunicação à Habermas e nos valores da ordem e da autoridade. Eles julgam ser, afinal, como a natureza que idealizam: imutáveis, predestinados, eternos, mesmo que nisso pareçam colocar um pouco de piripiri de esquerda inteligente. Por isso são (fascinante verbo substancial!) hoje como eram há 52 anos quando Simone de Beauvoir deles falou no seu "Pensamento da Direita, Hoje"- só que mais sofisticados.

6 comentários:

  1. Meu querido Professor!

    Então o espírito Natalício, deu-lhe para isto? Quer pôr "piripiri sacana" nos imutáveis, nos predestinados?

    Prepare-se! vamos acabar o ano e começar o 2008 com muita ardência no estômago...muita irritação intestinal!

    Ai vamos....vamos

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  2. O piripiri é multiculturalista, apolítico. É a mais habermasiana das coisas.

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  3. Pois é! Os adversários estão bem descritos. São uns mandarins da direita. Porque perder templo a debater, a argumentar com eles? Creio mesmo que o mais sensato é proceder como o Professor: Descreve-los devidamente

    Obed L. Khan

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  4. Não,não. Não basta a denúncia esporádica!A destruição de insectos obriga ( e recomenda) que se proceda a desinfestações periódicas.

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  5. Adorei este "condimentado" post, meu caro e sempre inspirado, CS !!!


    Aquele abraço

    Atlântico e vigoroso abraço

    Votos e um Novo Ano Prodigioso


    (grata pela companhia ...)


    iv*

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  6. Obrigado a todos. Especial obrigado para si, Isabel, índico abraço, o melhor para si em 2008.

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