Outros elos pessoais

28 dezembro 2007

Quem é o inimigo? (2) (prossegue)

A luta de libertação nacional conduzida pela Frelimo é um excepcional laboratório de estudo de várias coisas. Uma dessas coisas é o processo de produção simbólica do inimigo. No livro "Lutar por Moçambique" de Eduardo Mondlane, existe um admirável esforço para identificar o inimigo, o inimigo colonial. Aí, num exercício analítico pleno mostrando como funcionava a sociedade colonial, é claro que o inimigo não é o povo português, mas o sistema colonial. Creio que não foi nada fácil convencer muitas pessoas de que o inimigo não era o português, mas um determinado sistema que produzia dominadores e dominados. Creio, ainda, que a sistematização do conceito atingiu a partir de 1968 maior rigor, com a liderança de Samora Machel. Uma luta armada diferente, justa, só poderia ter sentido se claro fosse o conceito de inimigo. Mas não foi tudo. Se o inimigo era socialmente determinado, só o podia ser (1) no interior de uma concepção que lesse a sociedade dividida em interesses diferentes, antagónicos, e (2) no interior de uma concepção de sociedade de futuro diferente. Quer dizer, a leitura do colonialismo como sistema social de opressores estrangeiros/oprimidos locais ligou-se intimamente, pouco a pouco, ao nível do grupo liderante da luta, à recusa de uma sociedade nacional que fosse habitada pela mesma dicotomia com Moçambicanos reproduzindo o sistema. Assim, Mondlane escreveu no livro citado não fazer sentido que, atingida a independência, o sistema social continuasse a ser o capitalista. Depois, numerosos textos de Samora Machel e da Frelimo ampliam consideravelmente essa posição. O rigor (em processo e em luta) posto na produção do conceito de inimigo e de uma sociedade diferente, pode ser documentado de várias maneiras. Uma delas está no facto de que os guerrilheiros da Frelimo nunca transformaram o país num holocausto no decorrer da luta armada. Tirando algumas excepções, os alvos foram exclusivamente militares e o conjunto de vítimas e de estragos foi excepcionalmente pequeno. Não foram os Portugueses que foram escolhidos como alvos, mas os soldados, os símbolos e os artefactos que os transformavam em peças de um sistema que oprimia, os Moçambicanos cá, os Portugueses lá.
Nota: (1) peço desde já aos leitores que me vão corrigindo caso eu cometa erros; (2) a qualquer momento posso modificar o que aqui fica escrito.

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