Multiplicam-se os apelos à não violência, ao civismo, ao bom comportamento, desde que eclodiram as manifestações populares do 5 de Fevereiro na cidade de Maputo. Dirigentes estatais, políticos, líderes religiosos endereçam à nação ferverosos apelos à expressão serena dos sentimentos e dos agravos.
Há quem entenda que a alteração electro-fisiológica (digamos assim), a perversa adrenalina social das pessoas tem a ver com uma mão externa que agita um corpo social unificado que é considerado ser, por natureza, bondoso, pacífico, compreensivo. Esta mão externa pertence a dois tipos de forças: a dos mal-intencionados internos e a das forças
cegas do mercado internacional. Os primeiros buscam fins obscuros; as segundos contribuem, com o seu malévolo
efeito borboleta à Lorenz, para aumentar os preços dos combustíveis e dos alimentos. Uns e outros são supostos desestabilizar ou poder desestabilizar a ordem social.
Mas esta enigmática e rizomática história da violência tem outros níveis, mais constantes, mais estrangeiros às mãos externas. Por exemplo, a violência doméstica. Aqui, é como se existisse um fundo natural, a-histórico, de violência que leva homens a magoar mulheres ou, como nos últimos meses tem sido relatado pela imprensa, mulheres a magoar homens.
É esse fundo, esse estoque como que biológico de violência que é, também, implicitamente, atribuído, por exemplo, aos linchadores e às suas horríveis proezas de justiça primária e selvagem no país, esquecidos que estão eles de que existem instituições destinadas a resolver conflitos e a dar-lhes o destino legal conveniente.
Finalmente, há quem entenda que os meios de informação, que as novelas, que o cinema, criam ou aceleram a violência.
Por outras palavras: há todo um múltiplo mundo (porque outros campos de canalização de violência poderiam ser mencionados) que entendemos estar irrigado pela violência, expressa ou latente. São quase tantos os campos de expressão da violência quanto os ângulos e os contextos sociais que quisermos considerar.
Violência que aparece, regra geral, como um instinto de agressão primordial, natural, inato, independente da história e das relações sociais, como uma pulsão primária brutal que afecta, magoa, que mutila outrem.
E porque suposta natural, produto de aleivosia ou obra intencional, regra geral a violência apenas merece o labelo da condenação, do vitupério, da criminalização. Prosseguirei.