Cidade de Maputo, linha T3/Xipamanine. Hoje é 15 de Abril. Estamos no bairro do Jardim, próximo da Fábrica 2M. O motorista desvia o carro em direcção às bombas de combustível existentes em frente à fábrica 2M, pertencentes à BP, para abastecer a viatura. Depois desta operação, quando estamos para arrancar, aparece um jovem. Diz ao cobrador: "Tenho uma encomenda por levar até T3". O cobrador hesita, mas depois cede. "Quanto pagas?", pergunta o cobrador, o jovem dono da carga responde: "60 000 Mts para transportar até T3". Acerta-se o negócio e desvia-se em direcção ao local onde se encontrava a carga. Afinal de contas era uma banheira de casa de banho, de cor branca. Aparentava ter já sido usada. Quando lhe perguntámos [também éramos passageiros] por quanto havia adquirido a banheira, disse que por 600.000,00 Mts.Das bombas de combustível até ao dito local, foram uns 250 metros. Chegados aí, os passageiros foram obrigados a descer para se carregar a banheira. Ninguém gostou, houve pessoas que lamentaram o desvio (...), destacando-se uma senhora que vinha de uma missa. Os passageiros reclamaram contra o desvio e o cobrador disse: Ny Rivalelene vã patrão (me perdoem, patrões). Mas como todos aceitámos acompanhar o chapa, o cobrador, satisfeito por ninguém ter descido, descarregou na senhora: "Ninguém me vence", disse. E acrescentou com o dedo em riste para a senhora: "Você é uma p..." A senhora, já com os ânimos exaltados, quis, em sinal de desespero (ninguém a defendeu), abandonar a viatura (ou pelo menos assim deu a entender).O jovem ia rolando a sua mensagem insultuosa: "Eu não gosto e nem tolero o comportamento duma senhora como esta. Esta senhora é p…". Desta vez a senhora não quis brincar: "Você chama-me de p…, será que alguma vez já dormiu comigo? Alguma vez viste a minha vagina? (...) Seu filho da p…". Os restantes, inclusive o investigador, ficaram indiferentes a este trocar de mimos. A guerra das palavras não havia chegado ao fim. No cruzamento da zona de Manduca, aliás muito antes da paragem dos chapas, o motorista desvia o carro para a direita. Isto é, em direcção ao T3, mas antes da paragem. Um passageiro recém-entrado e que vinha das compras, não gostou. Ele já havia mostrado a sua indignação quando no local onde se carregou a banheira o jovem cobrador quis meter a sua encomenda nela. Imagine-se: um saco de plástico com pão e alface, o cobrador a querer meter na banheira! A indignação deste passageiro foi grande: "Agora viram aqui?". Enquanto mandava piadas à senhora, o cobrador disse: "Desculpe-nos patrão, estamos a fugir dos polícias ladrões. Desta vez não vão apanhar sequer uma quinhenta".
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Extracto do diário de campo do jornalista Victor Matsinhe, um dos meus investigadores na cidade de Maputo estudando a vida nos chapas (2001)
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
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