Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
30 setembro 2006
Sociólogos
Há factos sociais que se interrogam sobre para que servem os sociólogos.
Há astrólogos que passam por sociólogos.
Há sociólogos que são astrólogos.
E há sociólogos que se convenceram de que estão nos tribunais.
Chicualacuala
Tete
29 setembro 2006
La Habana
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* Ortiz, Fernando, Los negros escravos. Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1987, pp. 54, 74.
Comprei esse livro em Habana.
Moscovo
Exterior da estação. Aqueles prédios cinzentos, frios, estalinistas.
Eu sou do país do Sol e falta-me aqui o Índico.
E chega-se-me logo um russo enorme, ar de negociante, sorriso cúmplice: Товарищ, Вы хотите девочку? (Camarada, quer uma rapariga?).
Onde está o sol?
28 setembro 2006
Siargao: paraíso dos turistas e dos rins para transplante
Mas Siargao é provavelmente também o local de maior concentração de vendedores de rins. Entre 2001 e 2004, 60 residentes da ilha venderam um rim a um dos maiores hospitais de Manila, onde os seus órgãos foram transplantados para ricos pacientes árabes, japoneses e filipinos. Pescadores de subsistência, farmeiros empobrecidos de coqueiros, vendem os seus rins a preços entre USD 2.000 e 4.000.
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Coronel, Sheila and Dixit, Kunda, Setting the context/The development debate thirty years after What Now, in What next, Development Dialogue (47), june 2006, vol. 1, p. 13.
Deepest thanks to Dag Hammarskjöld Foundation for this review.
Rio de Janeiro
Oslo
Mas falta-me a desordem, o não previsto, algo que seja a perversidade amiga e cúmplice da emoção.
Volto a Maputo, que prazer esta subversão do sempre organizado, este caos táctil, forte, esta vertigem de chapa-cem, esta ontologia xiquelenística.
Mas quando vejo as bases das acácias negras de urina imperial, volto a Oslo.
E assim estou eu entre Oslo onde procuro Maputo e Maputo onde procuro Oslo.
Apenas me dou bem nessa intemperança mestiça e em permanente bifurcação.
John veio do John
Cupalha para agradecer aos espíritos benfazejos.
O mineiro tem os pulmões estragados e veste um grosso casacão apesar do calor.
A deliciosa natureza humana
-Meu, sabes o que é natureza humana?
-Claro que sei. Somos nós.
-Nós quem?
-Nós, os seres humanos.
-E como sabes que somos nós?
-Porque somos a natureza humana.
-E que provas tens de que as coisas são assim?
-Por que somos a natureza humana eterna, somos o que todos sabem. Para quê falar sobre uma coisa tão óbvia?
-E os habitantes da Sommerchield têm a mesma natureza humana que os do Xipamanine?
-Claro, não somos todos humanos?
-E em que é que nos distinguimos por exemplo das alforrecas? Estas também sentem, pensam, agem. Se não o fizessem, morriam.
-Estás enganado, que crime o que dizes! Nós pensamos as alforrecas, elas não nos pensam.
-Ah sim? E que mais?
-É natureza humana e prontos.
27 setembro 2006
IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais
Secretariado do IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais
Universidade Agostinho Neto
Faculdade de Direito (Secretariado da Pós-Graduação)
Caixa Postal 1354
Av. Ho Chi Minh, Luanda, Angola
E-mail: ixclabcs@yahoo.com.br
Telefones: +244222325538/923215340/923565845
Fax: +244222325538
Eu estarei lá, como investigador e membro da Comissão Científica.
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http://www.ces.uc.pt/misc/IX_CONGRESSO_LUSO-AFRO-BRASILEIRO.pdf
26 setembro 2006
Baixaaaaaaaaaaaaaaaaooooo!!!
24 de Julho, junto à clínica 222. Chapas, chapismo. Baixaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaooooooooooooooooooo!!!!!, buia alene eh wena!!!!, grita o chamador corpo de fora na porta sem porta, ar gingão de filme americano, um corpo entre outros todos encostados, ensardinhados, ida para a baixa da cidade, hora de ponta. Pára o chapa roncando, made in Korea: apinhado, o único espaço que há é a falta dele. Estudantes, mechas, tchuna-babes, operários, funcionários do Estado, bonés, come-se amendoim, alguém lança por uma janela uma lata de coca-cola. O semi-colectivo não tem tubo de escape, o pneu direito dianteiro está semi-vazio. O condutor fuma uma beata. Meu! Vamos! Baixaaaaaaaaaaaaaaaaaaaooooooooooooooooooo!!!! E lá vai o chapa envolvo em fumo. Caminho para o meu carro. E lá estão as crianças da rua. Patrão dá mil, patrão fome!
Metros autistas
O corpo
Concebemos o social à medida do corpo, das suas partes, etc. Leia-se, por exemplo, Émile Durkheim.
Tenhamos em conta, nas teorias do social, as imagens da sociedade doente, da sociedade com saúde, da moral, da perda da moral, do equilíbrio, das funções e disfunções, do comportamento anómico, das revoluções, do Estado intervencionista, etc.
25 setembro 2006
Consciência jurássica
Maputo, sábado, Av.ª Friedrich Engels, Jardim dos Namorados, faz um sol lindo, chegam e partem as comitivas ruidosas dos noivos recém-casados com a benção dos respectivos grupos corais.
Duas jovens passam devagar, no sentido ascendente da avenida, catorzinhas, ambas calçam sapatilhas coloridas nos pés direitos e botins nos esquerdos, uma delas coxeia, provavelmente porque um dos botins a magoa. Nas cabeças, mechas vermelha uma, castanha outra.
Em sentido contrário passam mulheres com vestidos garridos, todas com os habituais folhos nos ombros, típicos dos trajes das deputadas e das acompanhantes dos casamentos, sinal de quarentonas severas, ainda que sempre predispostas à dança e ao menear das ancas.
Todo o meu estoque rotineiro de estética corporal fica empenado ante as sapatilhas e os botins.
Esboço a tentativa de me aproximar das catorzinhas e entabular diálogo com a diferença para conhecer o segredo daquela assimetria no calçado.
Mas desisto, procurando digerir a minha consciência jurássica.
Perguntas ociosas
Maputo: salões de beleza, em toda a sua variedade, formais e informais, com todo o seu público feminino; sextas-feiras dos homens, no seu mundo das barracas. Mundos densos, palavras agarradas umas às outras, frenético diz-que-diz, bula-bula transfronteiriço na revisão comunitária da vida.
Quantas horas ocuparão as mulheres com as mechas, as unhas, a depilação, etc.? E os homens nas barracas? Que custos financeiros estão aí envolvidos? Que variáveis devemos usar? Que perguntas devemos fazer?
Custos? Mas também: quantos ganhos sociais, quanto mundo imagético, quantas vitórias underground?
Tenho para mim que o mundo se pode refazer num salão de beleza com três mulheres e numa barraca com quatro homens. Por hipótese, claro.
A tese do chanceler Gerson
Simmel e a estética
Mechas+ tchuna-babes
Há dias dei-me em verificar que numa turma minha de estudantes universitários, apenas uma mulher tinha os seus cabelos naturais cuidadosamente arranjados.
Mechas que podem levar horas, muitas horas a colocar e a tirar, em locais femininos de fala e revisão da vida, nos quintais ou nas varandas.
Mechas que se combinam crescentemente com as tchuna-babes (vesti-las e tirá-las também pode levar tempo) em raparigas longilíneas e numa gestão corporal inexistente no look de há dez anos.
Uma completa revolução na estética corporal que importa estudar.
A propósito de mechas e do seu significado social, veja o portal a seguir:
http://www.lpp-uerj.net/olped/exibir_opiniao.asp?codnoticias=9495
Livros de estórias: imagem masculina do mundo
"Os livros de estórias mostram invariavelmente uma imagem masculina do mundo: homens e animais machos são mais numerosos e nitidamente valorizados. A representação dos personagens femininos explica a manutenção dos estereótipos e das desigualdades. Com efeito, de cada dois um é "apenas" uma mãe, e sua relação com os filhos é reduzida a uma ligação de serviço. Neles, apenas 5% das mães trabalham, enquanto que na realidade elas são 80%, e são reduzidas a enfermeiras, professoras primárias ou vendedoras. Já os homens, estes são inseridos socialmente em todos os escalões." - Sylvie Cromer
http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label37/dossier/
As cadeiras masculinas
Dificilmente nos interrogamos sobre as cadeiras. Sentamo-nos nelas e é tudo. Mas é justamente sobre as coisas mais banalizadas pelo uso, mais aparentemente estrangeiras aos mitos e às relações de poder, que devemos interrogar-nos.
Existem diferentes tipos de perguntas que podemos colocar às coisas modestas.
No caso das cadeiras, podemos rapidamente fazer duas perguntas, uma de tipo digamos filosófico e outra do tipo prático-situacional, a saber:
(1) Por que razão usamos cadeiras e pura e simplesmente não nos sentamos no chão?
(2) Por que razão a cadeira continua a ser em Moçambique um atributo generalizadamente masculino?
Deixemos de parte possíveis respostas para a primeira pergunta.
Quando à segunda, devo confessar que ainda não investiguei isso, mas se cada um de nós estiver atento, verá que, especialmente em zonas rurais, a cadeira é ainda um quase exclusivo dos homens, sentando-se as mulheres no chão, em esteiras.
Nas sessões de tribunais comunitários, não poucas vezes as mulheres sentam-se no chão e os homens em cadeiras.
Mais: os homens sentam-se em espaços abertos e as mulheres em espaços fechados, no interior das casas ou em locais de pouca visibilidade.
A cadeira tem duas histórias: uma horizontal (no sentido da sua origem) e outra vertical (no sentido das relações de poder).
Através de uma cadeira pode fazer-se a história e a sociologia de um país.
N.B. Excluí falar dos primos burgueses das cadeiras, os sofás.
Ídolos
Digerir os outros
A epistemologia da Sra. Vanessa Brown
Mas decidiu ir mais longe: escrever um livro sobre a sociologia e a psicologia das mulheres negras bisexuais. E solicita voluntárias para participar no projecto:
http://www.kuma2.net/blog/?p=11
Não há dúvida de que os campos do saber são matematicamente vastos e de que o conhecimento pode mesmo ser um sedativo.
Imagino o tema bem americano da Sra. Vanessa Brown a ser desenvolvido aqui, em Moçambique. Imagino as pragas que seriam lançadas pelas boas consciências.
24 setembro 2006
Casar com mulheres educadas e trabalhadoras= risco de divórcio para os homens
Casar com mulheres educadas, que trabalham, mulheres de carreira, é um risco de divórcio para os homens.
Um ponto de vista bem androcêntrico e com invocação de sociólogos, defendido por Michael Noer na edição on-line de Forbes com o título "Não case com uma mulher de carreira", o que, naturalmente, provocou logo reacções.
Nesta e em outras posições, a dúvida metódica é sempre o melhor antídoto para não nos divorciarmos do bom senso.
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Veja o ponto de vista de Noer e os pontos de vista contrários nestes portais:
http://www.forbes.com/2006/08/23/Marriage-Careers-Divorce_cx_mn_land_print.html
http://www.pobronson.com/blog/2006/08/response-to-forbes-dont-marry-career.html
Ilustração extraída de : http://loup05.deviantart.com/
23 setembro 2006
Malaika e os garanhões da net
Naturalmente que cada um de nós sabe que a net é um excelente e rizomático laboratório sociológico.
No que me concerne, adoro os programas de mensagem instantânea tipo msn ou skype.
Um dia, em momento de lazer, decidi estudar o comportamento reactivo dos garanhões da net, os garanhões netianos, via skype.
Procedi assim: criei uma personagem feminina, muito sensual, fi-la habitar Paris, escrevi uma frase muito hot no perfil em inglês e francês, importei um seio espectacular de um programa destinado a dar esperança aos impotentes de todos os azimutes e, finalmente, coloquei-me em skype me.
Decidi estar rigorosamente uma hora a skypar.
Nesse período, a doce, fascinante e parisiense mulher, de nome Malaika, foi rápida e consecutivamente interpelada por 245 garanhões, dos quais 145 pediram logo para fazerem sexo pela cam (enquanto chamavam desesperadamente pelo audio) e 30 dispuseram-se a mostrar os seus dotes corporais e baixo-ventrais pelo mesmo canal. Quelle féerie, mon dieu! Do ponto de vista da origem regional de semelhante fauna, 85% era constituída por tarzans ansiosos de Marrocos, Argélia, Egipto, Lisboa e Paris. Lembro-me ainda de um russo, de um mexicano e de um habitante do Alasca.
Por agora não vou comentar. E muito menos comentarei o conteúdo digamos que didáctico das mensagens que ela ia recebendo.
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Ilustração em:
http://loup05.deviantart.com
Virtudes exorcistas dos advérbios
Assim, os sábios adverbiais imediatamente emitem um comentário-tipo ou uma diatribe-tipo do género "quem nos critica devia olhar primeiro para a sua casa, onde a corrupção também prolifera".
Com o belo também exorcizamos os fantasmas punidores, remetemo-los para a malevolência e, docemente, sem ressaibos de consciência, prosseguimos a saga acumuladora.
Quem ousa ter o desplante de afirmar que não temos direito à corrupção?
22 setembro 2006
A Pátria de Salman Masalha
Por exemplo, o poeta árabo-israelita Salman Masalha propôs a criação da Pátria, uma Pátria singular, uma Pátria de todos os cidadãos, uma pátria que não é nem de Israelitas, nem de Árabes.
Nessa Pátria multi-cidadã a poesia substituiria a prece, uma Casa de Encontros o templo. Seriam proibidos os sinos de igrejas, o shofar judaico ou o muezzin das mesquitas que chama à oração.
"Não quero um passado neste lugar", disse Masalha. "Aqui não há lei de retorno. Apenas temos obrigações para com o futuro ", acrescentou.
E disse ainda o seguinte: "Há tanto passado que não conseguimos ver um futuro aqui. O judaísmo e o islão capitalizam a importância da lembrança. Nós, cidadãos da Pátria, queremos esquecer. Não queremos deitar fora as memórias pessoais, mas queremos começar uma jornada conjunta a partir do que temos aqui e agora."
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Leia em detalhe este fascinante fenómeno no portal:
http://www.haaretz.com/hasen/spages/766045.html
Ao rico não se rouba....
-É pá, isto de roubo está mesmo numa alta.
-É verdade. Mas um gajo precisa ver que roubo não é roubo muitas vezes.
-Roubo não é roubo, meu?
-Não, roubo não é roubo quando tu roubas os ricos.
-Como assim, meu?
-Roubar um rico não é roubar, é só diminuir-lhe um pouco.
De novo a origem e os pressupostos da sociologia
Vou, de forma breve, retomar o tema.
Escreveu um dia o escritor inglês Herbert George Wells que a sociologia tinha por tarefa essencial a de fabricar utopias.
Na realidade, os primórdios da sociologia são exactamente isso mesmo, a produção de utopias.
A sociologia nasce como uma terapêutica, como um projecto de regeneração social, como uma tentativa para eliminar as térmites do corpo social. O sociólogo aparece em cena (cena exclusivamente urbana na altura) como um grande pontífice, um arauto messiânico. No século XIX, muitos dos sociólogos eram reformadores sociais.
Os seres humanos foram convidados a entrar no reino da razão, a abandonar de vez a emoção e a revolução e a pautarem-se por dogmas e por regras morais severas. O saint-simonismo foi efectivamente uma religião. Auguste Comte criou uma religião. Durkheim, um excelente sociólogo, nunca perdeu a sua veia de reformador social, de fabricante de sistemas morais e de inimigo das revoluções, de inimigo dessas crispações da emoção, da sem-razão.
Hoje ainda, muitos sociólogos continuam a guardar dentro de si a semente da reforma social.
Na verdade, ao perfil do sociólogo vivisseccionista (aquele que disseca o corpo social para o compreender) irmana-se o perfil do sociólogo reformador (aquele que luta por uma sociedade diferente). O primeiro trabalha no reino do "isto é assim"; o segundo enxerta nisso o reino do "isto deve ser assim".
Hoje: severos problemas com a net
21 setembro 2006
Os chifres no coelho
Os chifres no coelho
SR. DIRECTOR! Se os cuidados e tratamentos tradicionais tiverem a legítima defesa por reconhecimento e os curandeiros concluírem o nível superior, a identidade assentar-se-á nos valores culturais e a moçambicanidade florescerá jubilosamente.
Os falsos chifres ao infiltrado coelho descolar-se-ão pelo escaldante verão no obséquio dos verdadeiros chigudos que se solidificarão firmemente no inverno. O igualitarismo absoluto reprimirá o falso. A força da botânica curativa e preventiva vai vencendo a vergonhosa negação de tradições aos cuidados curativos e tratamentos costumeiros numa clara rejeição de valores culturais.
A superioridade cultural escravizará a outra. A partir das sociedades primitivas os cuidados curativos e tratamentos locais evidenciam-se de imediato e urgentemente nas comunidades longínquas dos hospitais.
O ódio é a fase superior de inveja.
Feliciano Geite Mangue
Maputo, Quinta-Feira, 21 de Setembro de 2006:: Notícias
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9687
O espírito do espírito do deixa-andar
Cerca de oito mil dólares, esse o custo da obra.
O problema é que a área escolhida tinha sido morada de um chefe tradicional, cujo espírito ali morava. Construir o poço iria perturbar o espírito.
Só após intenso processo negocial foi possível transferir as ossadas do chefe para um outro local e , mediante cerimónias propiciatórias, acalmar o seu espírito.
Essa história fez-me lembrar o nosso famoso slogan: vamos todos combater o espírito do deixa-andar!
E se, por razões que só a ignara razão conhece, combater o espírito do deixa-andar fosse para muita gente uma perigosa forma de combater milhares, milhões de espíritos deixa-andarentos, que se iriam revoltar? Não será por isso que tanta coisa anda ainda?
Belo enigma sociológico que joga pelo lado brincalhão o que, na outra margem, o lado sério não desdenha analisar. Concordam?
20 setembro 2006
Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (4)
Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (1)
O primeiro jornal de Moçambique nasceu em 1868, na Ilha de Moçambique e chamou-se O Progresso.
Também na Ilha nasceu em 1986 o África Oriental, com tipografia própria.
Coube a Quelimane ver nascer em 1877 o terceiro jornal local. Chamou-se O Africano. Aqui publico o frontispício de um exemplar de 1880.
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Cf., entretanto, Rocha, Ilídio, Catálogo dos periódicos e principais seriados de Moçambique, Da introdução da tipografia à independência (1854/1975). Lisboa: Edições 70, 1985.
Mais um partido político
Nenhum programa inovador, apenas um conjunto de ideias iguais às dos outros pequenos partidos deste país.
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9660
19 setembro 2006
As neo-cruzadas no Oriente
Os anos 90 possuem dois livros fundamentais: "O fim da história e o último homem" (1992) de Francis Fukuyama e "O choque das civilizações" (1996), de Samuel Huntington (1).
O primeiro profetizou o fim da história e a sua sedimentação na democracia liberal.
O segundo deu ao conflito em curso o selo de uma guerra civilizacional entre o Ocidente (Europa e Estados-Unidos) e a dupla Islão/China.
Esses dois livros capitais surgiram-me à memória quando soube que, terça-feira, numa universidade alemã, o papa citou um imperador cristão ortodoxo do século 14 que afirmou ter o profeta Maomé apenas trazido "coisas más e desumanas"(2), uma crítica frontal ao chamado fundamentalismo islâmico e à jihad. O pedido de desculpas do papa Bento XVI não conseguiu evitar o enorme efeito bola-de-neve causado: a flecha não voltou atrás.
A posição vincadamente intervencionista de Bento XVI provocou e provoca ainda um forte coro de protestos no mundo islâmico, tendo um proeminente líder muçulmano pedido aos crentes islâmicos um "dia de ira" na próxima sexta-feira (3). Os seus Saladinos ideólogos estão, na verdade, em pé de guerra.
A intervenção do papa cauciona indirectamente o espírito da neo-cruzada que tem levado os cavaleiros americanos a interferir sistematicamente no Oriente, numa guerra cruel (como exemplar e sistematicamente tem mostrado em seus livros o linguista americano Noam Chomsky) destinada por um lado a decapitar o crescimento militar local e, por outro, a manter uma pressão hegemónica permanente sobre as fontes de petróleo (4), ao abrigo da sombrinha ideológica da luta contra o mal (terrorismo islâmico) em nome do bem (democracia liberal).
O papa mais não fez do que ocultar a militarização crescente do capitalismo, atribuindo ao lado contrário o bónus do malefício total, ressuscitando, sem disso se aperceber, o espírito belicista de Urbano II.
E é aí que, neste mundo cheio de fundamentalismos e de purismos crescentes, sob a batuta do imperialismo total, os fios dos dois livros se dão o nó górdio aproveitando a boleia papista: o que se passa hoje no Oriente é, na óptica dos ideólogos ocidentais, a rota final da democratização capitalista à Fukuyama nos carris da luta civilizacional à Huntington.
Mas, segundo, Huntington, ainda não chegámos ao que ele chamou "choque total" (5).
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(1) Versões francesas: Fukuyama, Francis, La fin de l´histoire et le dernier homme. Paris: Flammarion, 1992; Huntington, Samuel P., Le choc des civilisations. Paris: Éditions Odile Jacob, 1997.
(2) http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/58
(3) Youssef al-Qaradawi, chefe da União Mundial de Ulemás Islâmicos- idem.
(4) Veja, a propósito, as recomendações de forte teor maquiavélico feitas por Huntington, op.cit., p. 345.
(5) Op. cit., p. 357.
Trabalho infantil
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www.fao.org
O meu obrigado à Fátima Ribeiro por me ter chamado a atenção para o relatório.
18 setembro 2006
Os auto
É a fauna dos auto.
Ela é constituída por meritórios auto-escritores, auto-historiadores, auto-sociólogos, auto-analistas políticos, auto-qualquer coisa, que nunca deram ao público um livro, magro que fosse, para que pudéssemos avaliar as suas qualidades, que nunca tiveram uma escrita sistemática na imprensa.
Mas surgem nos jornais, nas televisões e nas rádios cheios de títulos, de predicados e de fala cardinalícia.
Eles, os auto, fazem doutas conferências para plateias maravilhadas ou discutem não importa que tema após terem lido o “Notícias” e/ou recolhido a bibliografia de um colega.
16 setembro 2006
Sociólogo?
O conservador
A agricultura do conservador é inevitavelmente praticada no passado.
Indeterminação
Ideias
- Constant, Benjamin, De la force do gouvernement actuel de la France et de la necéssité de s´y rallier (1796). Paris: Champs/Flammarion, 1988, p. 77.
14 setembro 2006
De novo a cólera da cólera!
"Oito indivíduos encontram-se detidos pela Polícia da República de Moçambique em Nacala-a-Velha, supostamente por serem os cabecilhas de um grupo de 68 pessoas que há dias protagonizaram uma manifestação violenta contra os activistas da organização não-governamental britânica "Save the Children", acusando-os de estarem a introduzir uma droga que provoca o surto de cólera naquele distrito costeiro de Nampula."
(http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9349)
Uma vez mais ressurge a cólera da cólera em zona costeira de Nampula, afectando a Save the Children. Há três anos atrás, eu publiquei um livro no qual procurei explicar essa cólera da cólera, essa cólera social, em resposta a uma solicitação de uma organização não-governamental holandesa (SNV), que me pediu investigasse o fenómeno, depois que os seus activistas tinham sido agredidos e ameaçados, sob acusação de introduzirem a cólera mediante o cloro. O governo provincial de Nampula leu o relatório preliminar. O fenómeno nada tem a ver com criminalidade, nada tem a ver com malandros ou com ignorantes. O fenómeno em causa tem uma linguagem errada para sublinhar um problema real. E é este problema que temos de saber identificar, com serenidade, sem viseiras. Gaston Bachelard escreveu um dia que "não há ciência senão do que está escondido”.
Reproduzo mais abaixo o prefácio do jornalista e professor universitário britânico Joseph Hanlon àquele meu livro.
Prefácio
Como é que lidamos com um mundo em rápida mudança que aparentemente só piora as nossas vidas? Frequentemente culpamos o “outro” ou o “estrangeiro”. Carlos Serra e a sua equipa produziram um extraordinário estudo deste fenómeno na província de Nampula, onde pessoas pobres responderam violentamente na base de uma forte crença de que ricos e poderosos de fora estariam a contaminar a água com cólera numa tentativa de os matar. A resposta traduziu-se em violência contra os estranhos à terra e seus aliados na comunidade e resistência passiva contra as instituições do Estado.
A reacção a essa violência contemplou também a atribuição de culpas – a Frelimo culpou a Renamo pela campanha de desinformação e os poderosos culparam os pobres pela sua ignorância. Um dos achados chave deste estudo é que a resposta das pessoas à cólera, apesar de errada, foi racional e lógica e não produto de desinformação.
Os leitores deste livro “saberão” que cloro na água ajuda a prevenir o alastrar da cólera e assim “saberão” que a população local estava errada ao acreditar que a aplicação do cloro era a causa da cólera. Porém, alguma modéstia é aqui pedida ao leitor. Quão diferente é o debate da cólera em Nampula do debate do HIV/SIDA na África do Sul, onde o próprio presidente, um dos mais respeitados lideres mundiais, questionou a sabedoria e o entendimento de alguns dos mais eminentes cientistas mundiais? Ou considere o leitor o mundo de economias em desenvolvimento, onde escritores tal como eu acusam o FMI e o Banco Mundial de serem falsos padres apenas representando os interesses dos ricos, enquanto eles, por seu turno, me acusam e a colegas meus de ignorância e analfabetismo económico.
Este estudo é particularmente bem sucedido pela subtileza no seu conhecimento de como as objeções ao uso do cloro podem ser cientificamente infundadas, mas reflectindo conhecimento político-social bem fundamentado. Em particular, este estudo descobre que a campanha contra a aplicação de cloro na água não foi contra o Estado ou contra a modernização. Foi um protesto contra um Estado que se tinha distanciado do povo e apenas aparecia nas vésperas das eleições e que crescentemente deixou de providenciar de serviços e um melhor nível de vida. Não foi um protesto contra a modernização, mas contra a inexistência dos frutos da modernidade.
O trabalho realça que o protesto foi frequentemente liderado pela juventude desempregada e sem futuro e cujas acções tiveram o apoio tácito dos mais velhos. Tornou-se um protesto contra figuras de autoridade – régulos, oficiais do governo e trabalhadores das ONG’s, que eram vistos como distantes, arrogantes e, mais decisivo ainda, sem soluções. As motas vermelhas dos extensionistas da SNV, guiadas perigosamente e a alta velocidade através das vilas[*], tornaram-se um forte símbolo de arrogância e distância. Serra e a sua equipa concluem que os protestos contra o cloro na água revelaram “uma profunda intranquilidade e uma falta de confiança no Estado”.
Este estudo é importante porque escutando a população local sobre o que realmente pensa, demonstra em detalhe o clima de falta de confiança e carência. Os símbolos de carência transparecem repetidamente nas entrevistas. Uma série de fenómenos naturais – doenças inexplicáveis em pessoas e plantações, seca e uma pesca escassa – une-se a símbolos de poder maligno vindos de fora: desemprego e fábricas fechadas, motocicletas e carros de ONG’s em geral e os subornos exigidos por pessoal da saúde. A resistência passiva e violenta à aplicação de cloro em abastecimentos de água locais necessita de ser vista como uma tentativa desesperada da população local para reganhar algum poder; como o exercício de um grupo carenciado finalmente tomando uma posição para defender as próprias vidas.
Pessoas entrevistadas neste estudo levantaram questões fundamentais acerca das acções dos que eram um pouco mais ricos e poderosos. Se um enfermeiro ou um funcionário num posto de saúde exigem normalmente um suborno para providenciar um tratamento devido, porque se deveria confiar neles ao dizerem que estão a fornecer cloro de graça? Se uma ONG auxilia apenas alguns grupos selectivos, por que se deveria subitamente confiar nela para ajudar populações empobrecidas em áreas chave de saúde? Se acções do governo apenas levaram a uma pobreza em crescimento e perda de empregos, por que confiar nele agora? E se chefes locais e secretários de partidos têm usado as suas ligações com o exterior para recolher impostos e aumentar o seu próprio poder, por que se deveria confiar neles para ajudar agora?
Esta desconfiança bem assente é demonstrada mais claramente pela resposta à epidemiologia. Oficiais da saúde conduziram reuniões com elites locais para dizer que era provável que a cólera se espalhasse na área e isto foi apoiado por programas de rádio e outra publicidade. Pessoas locais perguntaram: Como é que estas pessoas na cidade sabem que a cólera está para vir? Claro, só pode ser porque eles a trarão. Elas dirão que não, mas são as mesmas pessoas que nos disseram que votar pela Frelimo nos traria um futuro melhor e que os camponeses seriam ajudados com o fecho da fábrica local de processamento de castanha de caju.
As ONG’s, pessoal de saúde e chefes locais foram sinceros nas suas tentativas para controlar a cólera, mas as populações locais estavam também certas ao quererem saber quem estava por trás dessas pessoas e por que é que a sua “ajuda” seria benéfica agora quando o não o tinha sido no passado. À sua maneira, as populações locais provaram ser mais sofisticadas do que muito pessoal do governo e trabalhadores da ajuda, porque elas contextualizam os temas – perguntam quem está por trás e quem irá ganhar. Elas demonstraram uma compreensão de que os interesses dos ricos e dos pobres são diferentes e as suas afirmações de desconfiança de que os ricos estariam a “ajudar” os pobres são bem fundamentadas. São afirmações de estarem simplesmente a criqr uma cobertura para um nova forma de exploração?
Do pessoal do Banco Mundial e dos ministros em Maputo com as suas finas casas e Volvos com motoristas, até ao pessoal de ONG’s locais e trabalhadores de extensão agrícola, a maioria dos envolvidos em “desenvolvimento” acredita sinceramente naquilo que está a fazer para ajudar os pobres, acredita sinceramente que a sua tarefa é de convencer os pobres a agirem de modo diferente e acredita sinceramente que deve ser bem recompensada por dedicar as suas vidas a ajudar aqueles que considera ignorantes e retrógrados. Mas no terreno, os pobres vêem que as únicas pessoas que parecem ganhar são aquelas que vêm para “ajudar”. Os pobres têm toda a razão para questionar se os padres sinceros, os trabalhadores de saúde e o pessoal das ONG’s enviado para áreas rurais não serão somente uma tentativa para, através da confiança, explorar melhor os pobres. E estes têm toda a razão para desconfiar dos líderes locais, que se aliam aos novos exploradores estrangeiros. Os pobres têm a percepção de uma cadeia que remonta à era colonial de pessoas que vieram “civilizá-las”.
Este estudo também aponta para uma contradição fundamental. Como é que “nós”, os ricos e poderosos que lemos e escrevemos livros, “os” convencemos, aos pobres e fracos, de que pelo menos desta vez estamos realmente a tentar ajudá-“los”. Esta questão é partilhada tanto por aqueles que realmente querem ajudar refreando a cólera e aqueles que simplesmente querem encontrar novas maneiras para explorar os pobres. É a questão da indústria da publicidade – usamos as mesmas técnicas para explicar às pessoas como viver uma vida mais saudável tal como também usamos para lhes vender produtos dos quais não necessitam?
É justo perguntar se alguém beneficiou da confusão acerca da cólera. A Frelimo acusou a Renamo de uma campanha de desinformação, no entanto o estudo não encontrou nenhuma evidência nesse sentido. A Renamo poderá ter obtido algum capital político de curto prazo, sublinhando as fraquezas do serviço de saúde do governo na província de Nampula. Mas a Renamo não podia oferecer a única coisa que poderia fazer a diferença – autoridade local. Como a Frelimo, permanece altamente centralizada e é incapaz de oferecer outro modelo de desenvolvimento ou de distribuição de poder. Na sua campanha eleitoral de 1999 a Frelimo prometeu dar às pessoas um futuro melhor; a Renamo afirma que ela fracassa nisso. Porém, nenhum partido está a oferecer aos pobres o poder de eles próprios construírem o seu melhor futuro. Talvez não o possam; a comunidade internacional está igualmente relutante em permitir a Moçambique o poder de construir um futuro melhor.
Há quarenta anos, a Frelimo demonstrou que as pessoas podiam ser mobilizadas à volta de uma promessa que daria poder para melhorar as suas próprias vidas. Este estudo mostra que hoje em Nampula, “o poder do povo” não está morto, mas não é construtivo. Num mundo cada vez mais globalizado com riqueza e poder concentrados nas mãos de um grupo reduzido, a maior parte dele, porém, tem cada vez menos poder enquanto se tornam mais frequentes tentativas desesperadas para reganhar pelo menos uma pequena porção de poder local. Como em Nampula, essas tentativas são avisos de que a desconfiança fundamental demonstrada pelos protestos da cólera apontam para violência espontânea do mesmo tipo em outras áreas.
Joseph Hanlon
[*] O estudo mostra, porém, que o trabalho da SNV é respeitado nas áreas onde actua. Ressalte-se que a organização teve a coragem de encomendar esse estudo e de suportar a publicação.
13 setembro 2006
Ideia
Uma ideia nascida quando lia Alexis de Tocqueville.
Crises
Precaução
Paixões humanas
12 setembro 2006
Bonéismo
Mais uma reunião nacional do Instituto Nacional de Segurança Social, iniciada em Maputo.
E, como se vê, o boné lá está (recordam-se de que não é a primeira vez que neste diário me refiro à cultura do boné).
Se partirmos do princípio sensato de que uma hipótese é uma antecipação da relação entre dois fenómenos (a provar ou a infirmar na investigação), proponho então que dentro da sala havia sol e que, portanto, o boné era a solução mais radiosa e bem jet set.
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Foto reproduzida do “Notícias” de hoje (12/09/06), 1ª página
11 setembro 2006
O aguilhão da abelha colonial
Montesquieu vituperou aqueles que estranhavam quem pudesse ser Persa.
Aqui, em qualquer poro desta cidade, em qualquer barraca, passamos a vida a rir-nos dos chingondos, dos que consideramos estrangeiros e atrasados, "aquela gente lá do norte".
Responsabilizamos o colonialismo pelo aviltamento da nossa alma, mas aprendemos bem a lição, muitos de nós.
O aguilhão da abelha colonial ainda nos habita.
Salvo, claro, se quisermos considerar que as nossas abelhas são puramente "made in Mozambique".
Nazismo tropical
Esse o pensamento de Henri Lopès, escritor congolês.
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Lopès, Henri, Mes trois identités, in Kandé, Sylvie, Discours sur le métissage, identités métisses, En quête d´Ariel. Paris: L´Harmattan, 1999, p. 138.
Sobre a valorização
Um discurso organicista, de apelo às raízes, a raízes puras.
Falamos como se cultura e línguas fossem imunes ao tempo, impermeáveis à mudança, como se fossem algo de preciso tactilmente, algo que pudessemos tocar a qualquer momento.
Como se os utentes dessa cultura e dessas línguas algum dia se tivessem posto a si-próprios o problema de saberem se estão fora ou dentro delas! E que se dentro, mais dentro deviam estar!
Que tristeza diluviana não sentem alguns quando, na agrimensura das línguas nacionais, na sua gramaticalização, se defrontam com vocábulos novos, estrangeiros, intrusivos. Que desgraça semelhante virose!
Na verdade, intelectuais há que ganham úlceras só de pensar que uma determinada língua evoluiu e agrega hoje componentes de outras línguas.
Hoje ainda consideramos estrangeira a língua portuguesa, falada em Moçambique desde 1505, numa área onde só bem mais tarde, na mestiçagem cultural do sertão, se começaria a falar Chisena.
Intelectuais há que segregam anticorpos só de pensar que as tchuna-babes substituem as capulanas (cujos antepassados, os bertangins, nos vieram da Índia) ou com elas ombreiam na estética das nossas mulheres.
Tempo houve já em que gente havia -e certamente ainda há -interrogando-se sobre a origem estrangeira da nossa marrabenta.
E certamente muitos sofrem por não poderem ter um tufo rebelde à influência islâmica, um tufo continental, caseiro, hostil à costa e às culturas híbridas do mar, culturas que nos trouxeram a mandioca, a papaia, o caju, a laranja, a banana, o trigo e por aí fora.
Quanto mais os nossos intelectuais orgânicos do sistema se universalizam, quando mais vivem um imenso mundo intercultural nos trilhos da informática, dos seminários e das viagens em executiva, mais desejam que o povo viva para sempre na rodoma de uma amada cultura aldeã, intacta, repleta de tropismos locais, imune à perigosa muchem da mudança e da modernidade.
Para brincar um pouco com uma frase de Wright Mills, muitos deles desejam ver um povo não de radicais ou de reaccionários, mas de inaccionários.
10 setembro 2006
Uma pergunta lixada
Naturalmente que as nossas respostas podem variar. E pode até acontecer que nem respostas tenhamos por não nos termos nunca colocado essa pergunta e, especialmente, por não termos tido nunca a lixada viva de lixeiros.
Defendamos esta tese: se os gostos gastronómicos são socialmente determinados, a fome, essa é associal.
Porém, o ponto central é que os lixeiros gostam do que comem porque não têm outra alternativa...social. São socialmente obrigados a socializar a fome associal.
Mas, depois, no miolo de uma questão tão capciosa na aparência, tão desnecessária, tão banal, tão absurda na aparência (ou na realidade), outros problemas podem surgir: que condições sociais permitem o surgimento de perguntas e, se quiserdes, de temas de pesquisa? De certas perguntas e de certos temas de pesquisa? O que nos leva a escolher, por exemplo, como tema de pesquisa, um fenómeno passado no século XVIII? O nosso gosto, a nossa preferência individual? O que nos leva a uma sessão de jam-session? O que determina a redacção do jornal “Notícias” a escolher os temas das suas páginas 2 e 3?
Marx escreveu um dia que a humanidade só se põe os problemas que é capaz de resolver. Provavelmente tinha e tem razão.
07 setembro 2006
Saborosas reinterpretações da história
E também sabeis que em 1992 se assinou em Roma o acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo, após uma sangrenta guerra civil que durou 16 anos.
Ora, ontem à noite a Rádio Moçambique entrevistou vários jovens e perguntou-lhes se conheciam o significado do 7 de Setembro. Uns não sabiam, mas outros sabiam à sua maneira. Saliento de memória duas respostas:
- Foi a ida da [sic] Lusaka a Roma
- Foi o dia dos acordos de Lusaka em Roma
05 setembro 2006
O que é uma foto bonita?
Naturalmente que cada um de nós responderá com determinados critérios de estética.
O problema está na facilidade com que lhe daremos uma solução psicologizante, uma resposta ao nível do indivíduo.
Bem mais difícil é aprendermos que por trás de opções individuais habitam grupos sociais e padrões diferentes de estética, de avaliação do belo.
Mesmo os questionários correm muitas vezes o risco de multiplicarem a atracção psicologizante.
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N.B. Existem páginas maravilhosas sobre o tema em Émile Durkheim e Pierre Bourdieu.
O que é natureza humana?
Masena = hospitaleiros mas perigosos
Ajaua= portadores de feitiço forte
Matswa (Vilankulo)= murowakoko (caril de coco mal feito)
Mandau= sujos, defecam a céu aberto
Mulatos= ladrões sem pátria *
A sociologia nasce justamente quando questiona esse saber caseiro, orientador, confortante, mas também, nos casos mais extremos, mutilador e exterminador.
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*Percepções recolhidas em 1999.
04 setembro 2006
Lançamento amanhã
Lançamento quarta-feira
03 setembro 2006
Rei Bingo de Angola "binga" calças às mulheres
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=6359&z=15
02 setembro 2006
Espanto e holofotes cognitivos
Escrevi, em entrada anterior, que mais decisivo do que inovar teórica ou metodologicamente, era a nossa capacidade de espanto perante os fenómenos da vida.
Efectivamente, é esse espanto, essa juventude do nosso “olhar” que faz encontrar o que é sempre novo no que, socialmente, parece sempre velho.
E é espantando-nos que deixamos de ser sociólogos, historiadores, antropólogos, sejam quais forem as gavetas vaidosas das chamadas ciências sociais.
Seremos, somos, apenas, estudantes do social.
E, sendo-o, sê-lo-emos tão melhor quanto mais holofotes cognitivos soubermos assentar sobre o que estudamos, quanto mais visibilidade soubermos criar sobre os objectos da nossa pesquisa, quanto mais pontes formos capazes de criar entre fenómenos que só aparentemente estão isolados.
01 setembro 2006
Dois blooks
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Blooks= livros com conteúdos saídos de blogues.
http://en.wikipedia.org/wiki/Blook
Espanto
Eis o velho problema: a crença de que precisamos de ter coisas novas para sermos sociólogos, de ter formas novas, teoricamente novas, de estudarmos e analisarmos o social.
Todavia, em meu entender não são as novas teorias e os novos métodos que, em última instância, nos fazem ler melhor esse social, mas, antes, a nossa capacidade permanente de espanto perante o que sempre parece repetir-se.
O social esgota-se quando o espanto desaparece.
A sociologia é espanto enxertado nos fenómenos.