Corro o risco de contar uma coisa pícara, mas conto: ali na esquina das avenidas 24 de Julho e Julius Nyerere, cerca das 17:15 de hoje, cidade de Maputo, fazia vento fresco, um cão creio que do tipo bordier collie estava atrelado a um sinal publicitário com uma corrente curta, esperando o dono. Ao lado, deitado, cabelo tipo punk e embrulhado numa manta velha, tentando dormir, uma criança frágil, talvez com sete/oito anos. Claro que deve ser um quadro extremo, tão extremo que não fui capaz de fazer uso da minha máquina fotográfica, temi procurar o prazer do estético. E, depois, fui pensando que, entre outras coisas, faz falta no país uma literatura sistemática que vá para além do fantástico, dos roteiros à García Marquéz, dos enredos mágicos, dos percursos pelo passado, de uma certa fuga do real e, de frente, com visibilidade total, nos traga enredos à Émile Zola, nos mostre os caminhos dos extraordinários desencontros sociais do país, o quadro vivo e doloroso das desigualdades sociais entorpecido por certo tipo de discursos e de glosas ao desenvolvimento.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
1 comentário:
Infelizmente, Professor, situações equiparadas são abundantes.
Bem perto, na Ponta Vermelha, na Rua Mateus Sansão Muthemba com a Armando Tivane, próximo do Tribunal Administrativo, vivem como ANIMAIS homens, mulheres e crianças, na via pública, no passeio, debaixo de uma plataforma da construtora CM.
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