Prossigo esta série.
Recordam-se de que já destaquei três problemas, problemas quanto a mim fundamentais, seja na análise do fenómeno, seja na terapia ou no conjunto de terapias destinadas a controlá-lo. Ei-los:
1. O problema da criminalização de um homicida qualificado colectivo.
2. O problema da detenção de suspeitos de participação em linchamentos.
3. O problema da crença na feitiçaria.
No número anterior falei-vos do primeiro problema.Vamos, agora, ao segundo.
Em Março deste ano, o Comando Geral da polícia decidiu investigar factores e causas dos linchamentos nas províncias de Manica e Sofala, escutando dezenas de actores, em entrevistas individuais e colectivas.
A investigação, levada a cabo por uma equipa que incluía uma psicóloga e um antropólogo, revela uma polícia desejosa de ir para além da condenação e de conhecer as infra-estruturas do fenómeno. Fazendo-o, a equipa pôde inventariar vários problemas complexos, entre os quais os seguintes: criminalidade, pobreza e falta de empregos nos bairros periféricos; desconfiança generalizada nos órgãos da Justiça; adesão e participação de polícias nos linchamentos; perda do papel socializador das famílias. Os autores do relatório escreveram, então, que estamos perante a assumpção de “valores de delinquência como estratégia de sobrevivência”.
E fizeram a seguinte advertência (cerne do segundo problema que mencionei): “Detenção emocional de presumíveis linchadores pode resultar em revolta popular contra a Polícia e aumentar os índices de fúria e descambar em desordem generalizada da população contra a Polícia ou contra instituições”.
Finalmente: escreveram os autores do relatório que os linchamentos constituíram-se “como resposta a situações de insegurança das comunidades, geradas maioritariamente por grupo de jovens, sem emprego ou ocupação que propicie recursos básicos de sobrevivência”.
Nota: o editorial do semanário "Domingo" de hoje lamenta os "requintes de barbarismo" dos linchamentos ocorridos há dias na Ilha Josina Machel (conteúdo circunstanciado aqui), mas reconhece que o Estado, através da polícia, nada fez para impedir os ladrões de gado de actuarem (p. 2). Ora, o facto ilícito e culposo causador de danos aos particulares, sobretudo se revestir a forma de omissão, pode ser imputado ao serviço público que devia assegurar a segurança dos cidadãos, portanto, ao Estado. Se, como escreveu o semanário, é necessária uma legislação que enquadre "com mais realismo crimes deste género, cominando-lhe penas com suficiente capacidade dissuadora", não é menos verdade que o Estado deve ir para além da sistemática redução jurídica e penal do fenómeno e interrogar-se sobre, por um lado, as condições de vida dos cidadãos e, por outro, sobre a protecção que deve assegurar-lhes. É o problema da "visão bifocal", do qual falarei no término desta série. É, igualmente, a síndrome de Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem".
Nota: o editorial do semanário "Domingo" de hoje lamenta os "requintes de barbarismo" dos linchamentos ocorridos há dias na Ilha Josina Machel (conteúdo circunstanciado aqui), mas reconhece que o Estado, através da polícia, nada fez para impedir os ladrões de gado de actuarem (p. 2). Ora, o facto ilícito e culposo causador de danos aos particulares, sobretudo se revestir a forma de omissão, pode ser imputado ao serviço público que devia assegurar a segurança dos cidadãos, portanto, ao Estado. Se, como escreveu o semanário, é necessária uma legislação que enquadre "com mais realismo crimes deste género, cominando-lhe penas com suficiente capacidade dissuadora", não é menos verdade que o Estado deve ir para além da sistemática redução jurídica e penal do fenómeno e interrogar-se sobre, por um lado, as condições de vida dos cidadãos e, por outro, sobre a protecção que deve assegurar-lhes. É o problema da "visão bifocal", do qual falarei no término desta série. É, igualmente, a síndrome de Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem".
Sem comentários:
Enviar um comentário
Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.