Outros elos pessoais

30 junho 2007

Poemas de amor




Os poemas de amor regressaram ao lugar onde amoro. A imagem mostra uma escultura de Rodin.

Deixa-falar


O geneticismo de Sarkozi começou a ser discutido no meu deixa-falar.

29 junho 2007

Dois linchamentos na Beira

De acordo com a estação televisiva TVM, ontem duas pessoas foram linchadas na cidade da Beira.

Conte a sua vida


Um texto da brasileira Sílvia neste outro meu blogue, no conte a sua vida.

FaleQueixe-seDesabafe


Pois é, aqui tendes mais um blogue meu, vejam-no. E lá já poderão ver que nem sempre a "força do vinho" contrabalança a força dos buracos da cidade de Quelimane.

O conflito na produção de heróis em Moçambique (2)


O sensato seria começar por definir o herói. Mas deixem-me começar da forma seguinte:
Se, por destino dos bons deuses e dos bons espíritos, os que governam este país e os que esperam governá-lo, decidissem conjugadamente, com a alma dos irmãos gémeos, fazer um inquérito nacional para conhecerem as percepções populares sobre heróis, sobre quem são, sobre quem merece estátuas, talvez se surpreendessem com o surgimento de heróis que, por hipótese, teriam, por exemplo, as seguintes dimensões hierarquicamente organizadas:
(1) Heróis familiares ou de parentela alargada
(2) Heróis locais, extra-familiares
(3) Heróis distritais
(4) Heróis ao nível de uma província, eventualmente de duas provínciais o máximo
(5) Heróis conhecidos em todo o país
Estatisticamente, os gestores da heroicidade talvez viessem a saber que quanto mais saímos do círculos familiar, local e distrital, mais difícil é conhecer os heróis oficiais, aqueles comemorados em dias festivos, na rádio, nos comícios, etc.
Se ao conhecimento dos heróis popularmente reconhecidos juntássemos o conhecimento sobre as suas características, talvez nos espantássemos ao verificar a variedade de critérios para estabelecer o perfil de heroicidade. Poderia até acontecer que tivéssemos por heróis, espíritos de heróis.
Por hipótese, também, um trabalho desse género permitiria que soubessemos um pouco mais sobre as razões por que os estudantes e nós, afinal todos nós, pouco sabemos dos heróis.
Mas não é assim que as coisas se passam e se fazem.
Regra geral coisa de herói é coisa de poder. Melhor: produto de relações de poder.

Assaltos sucedem-se

Anteontem, 27 de Junho, cerca da 10 da manhã, na cidade da Matola, quatro indivíduos armados com metralhadoras do tipo AKM assaltaram um estabelecimento comercial roubando uma avultada quantia de dinheiro.
A 26, quase às 20 horas, na Sommerschield, próximo da embaixada americana, cidade de Maputo, quatro homens armados com metralhadoras do tipo AKM roubaram a viatura de uma senhora que no momento se aproximava de casa.
No mesmo dia e por volta das 19.30, homens armados com metralhadoras do tipo AKM assaltaram um estabelecimento comercial sito na Av. 24 de Julho, imediações do Hotel Royal, cidade de Maputo, levando consigo uma avultada quantia de dinheiro bem como equipamento diverso.
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Fonte digna de crédito.

Linchamentos: primeiro seminário

A Unidade de Diagnóstico Social do Centro de Estudos Africanos prepara o primeiro seminário de apresentação de resultados preliminares da pesquisa que realiza sobre linchamentos na cidade de Maputo.
O seminário deverá realizar-se no dia 18 de Julho, em hora e local a indicar brevemente.
Após um segundo seminário, o terceiro e último realizar-se-á em Novembro, com a presença da investigadora brasileira Jacqueline Signoretto.

O conflito na produção de heróis em Moçambique (1)


Na cidade da Beira - gerida municipalmente pela Renamo (UE), o maior partido da oposição em Moçambique - a rotunda 2314 chama-se agora André Matadi Matsangaíssa, em homenagem àquele que a Renamo considera ter sido seu fundador.
E, a fazer fé no “Savana” de hoje, prepara-se para atribuir mais nomes de heróis seus, mortos e vivos, a praças e ruas da cidade.
Isso está a provocar uma grande celeuma e uma viva reacção do partido no poder, a Frelimo.
A produção conflitual de heróis é o tema desta postagem.
Aguardem a continuidade.

28 junho 2007

Papoila selecciona este diário


O muito lido Papoila escolheu as sete maravilhas da blogosfera e este diário foi um dos seleccionados. O meu obrigado pela honra.

Sarkozy e o inato

Em 2006, então ministro do Interior, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, trabalhando numa lei destinada a prevenir a delinquência, pediu o levantamento do segredo médico e a generalização da despitagem nas crianças de 36 meses para análise dos seguintes comportamentos: indocilidade, baixo índice de moralidade, hetero-agressividade e fraco controlo emocional. Como se houvesse uma predisposição genética para a delinquência. Gerou-se um enorme protesto.
Acrescente-se que Sarkozy tem insistido no determinismo hereditário da homossexualidade e da pedofilia.
A tónica cerrada colocada no naturalismo e na biologia, com o eclipse do social, deixa, naturalmente, muito com que pensar. Em França o debate ainda é forte a esse respeito. Aqui, entre nós, certas teses sobre a homossexualidade parecem tomar um rumo similar.
Ora, só em casos muito raros, nas doenças chamadas monogenéticas, é que se poderia falar em determinação genética.
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Para uma análise e para um desmentido científico das teses de Sarkozy, leia Philosophie Magazine (10), Juin 2007, pp. 27-31.

Aconteceu

1. O homem vive com uma mulher há 12 anos, de quem tem filhos. Levanta-se de manhã, supostamente para ir para o emprego, mas vai casar-se ao Palácio dos Casamentos na cidade de Maputo, com uma outra mulher, sem antes dizer à primeira que a ama. Está a casar-se com a segunda quando surge em peso a família da primeira, protestando duramente. Ignoro o desfecho do caso, mas sei que a conservadora do Registo Civil nada podia aparentemente fazer dado que a primeira relação não estava legalizada.
2. A 2.ª esquadra da polícia na Matola foi assaltada. Detalhe: polícias recuperaram um carro roubado e parquearam-no na esquadra. Os ladrões foram à esquadra, balearam um polícia e levaram o carro.
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Noticiário da estação televisiva STV de hoje à noite e da Rádio Moçambique no tocante à segunda notícia.

Vilamègbo


De acordo com um secular costume africano, os aldeãos pobres, incapazes de educar e de alimentar os seus filhos, confiavam-nos a famílias capazes de o fazer. Os pequenos vilamèbgo (=crianças confiadas a, em língua mina do Togo) executavam então tarefas caseiras. Mas hoje, sob o reino da miséria e das miragens da abundância, as tradições familiares de entre-ajuda sofreram uma profunda erosão. E, no Togo, muitos pais vendem literalmente os seus filhos. Em múltiplas redes de tráfico, sujeitas a todo o tipo de sevícias, milhares de crianças são enviadas de camião ou piroga do Togo para a Nigéria, o Gabão, o Bénin ou o Gana. Cerca de 400.000 crianças trabalham no Togo, 500.000 no Bénin.
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Luret, William, Vilamègbo, Enfants d´Afrique en esclavage. Paris: Éditions Allan Carrière, 2007.

Sarkozy e Guebuza (fim)


Temos assim um Sarkozy contra uma França preguiçosa, contra o assistencialismo, tal como temos um Guebuza contra o Moçambique preguiçoso à espera do Estado paternal. À busca da França sarkozyana gloriosa, antecipou-se Guebuza com a pátria amada e com a pérola do Índico. À família francesa unida de Sarkozy, pré-anunciou Guebuza a honesta família moçambicana.
E em múltiplos outros campos é possível encontrar identidades entre os dois presidentes.
Por exemplo, no campo das alianças e da cooptação política.
Se Sarkozy incluiu no seu governo ministros socialistas, Guebuza visitou o presidente do maior partido da oposição quando este foi hospitalizado na sequência de um acidente de viação e acaba de receber generais da Renamo descontentes com a sua situação profissional.
Entretanto - e este é um ponto capital -, ambos os presidentes evacuaram e evacuam do seu discurso qualquer referência séria e sistemática à divisão e às assimetrias sociais. Se à divisão se referiram e se referem, situaram-na e situam-na em campos inócuos (divergências de visão, perspectiva psicológica, globalização, etc.). Não surpreende, assim, que a preguiça seja por ambos encarada como algo exterior a um sistema social determinado e surja como algo que tem inexoravelmente a ver com as pessoas em si. No caso de Sarkozy a defesa do inatismo (homossexualidade, por exemplo) foi constante.
Ambos são dois bons líderes populistas no sentido do sincretismo político, da indeterminação e do minimalismo das orientações programáticas. Ambos oscilam entre uma orientação autoritária e uma deriva hiperdemocrática*.
E assim termino estas breves notas, às quais dei o selo do imediato e das quais aboli deliberadamente a análise em profundidade.
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Leia Taguieff, Pierre-André, L´Illusion populiste, Essais sur les démagogues de l´âge démocratique. Paris. Champs/Flammarion, 2007.

O problema de Belmiro

Em crónica publicada hoje no semanário "Zambeze" com o título Espectadores com saudades do "deixa-andar"?, o jornalista e estudante universitário José Belmiro escreveu que no recente jogo de futebol entre a nossa selecção e a do Senegal realizado em Maputo no Estádio da Machava, o ex-presidente Joaquim Chissano foi recebido em apoteose, enquanto o presidente Guebuza quase passou despercebido. O jornalista pergunta aos cientistas sociais que interpretação dar ao fenómeno. Boa questão, sem dúvida.

Generais

Generais descontentes, oriundos da Renamo e compulsivamente passados à reserva no quadro das Forças Armadas de Moçambique, foram recebidos pelo presidente Guebuza, que lhes disse ter havido erro no processo e, segundo o "Zambeze" de hoje, lhes prometeu "atribuir viaturas, casas, os subsídios exigidos e outras regalias que o Estatuto do Militar preconiza no que diz respeito à classes do generais e oficiais superiores".
Recordei-me então do que há dias me disse o reitor de uma universidade angolana a propósito dos generais da UNITA: com benemerências e mordomias atribuída pelo MPLA na terra do petróleo, os seus protestos terminaram e praticamente desunitaram-se.

Bem-amado Palange

Há um novo bem-amado na corte do Homo Sibindycus e do Homo Chambecus: chama-se António Palange, presidente de um obscuro partido da chamada oposição, o Partido dos Democratas Unidos. A oposição está doentia e a Renamo vai perder as próximas eleições porque apenas a Frelimo tem trabalhado, afirmou o Homo Palangius fazendo fé no "Notícias" de hoje. Sugeria ao dr. Palange que desse ao seu partido um nome mais adequado, a saber: Partido dos Democratas Desunidos.

27 junho 2007

Actualização dos blogues


Deixem-me pôr em ordem certas coisas, ultimar relatórios, após o que actualizarei os meus vários blogues. Por agora avanço apenas neste.

Sarkozy e Guebuza (3)


Homem de direita, Sarkozy não hesitou, porém, na campanha eleitoral para a presidencial francesa, em surpreender os seus adversários apontando como seu guia político o comunista italiano António Gramsci. "É com ideias que se ganha o poder" - afirmou.
Não estou certo de que a frase seja gramsciana (e mesmo que seja não representa a linha dorsal do pensamento político de Gramsci), mas o importante é que Sarkozy citou o homem cujo cérebro (recorde-se, a talhe de foice) era necessário "impedir de pensar por vinte anos" na óptica do fascismo italiano de 1926.
E o fez numa estratégia plural, na qual a luta contra o que chamou imobilismo e inércia dos seus antecessores (o deixar-andar de Guebuza) devia fazer-se em múltiplas frentes de actividade.
O Estado é fundamental, claro, mas há limites para aquilo que o Estado pode fazer. Os Franceses deviam estar claros de que a França que se levanta cedo e trabalha muito não podia tolerar mais a França que se levanta tarde ou que, mesmo, nunca se levanta e que dorme e nada faz. Era preciso que todos trabalhassem, que todos abandonassem o fatalismo e o costume da mão estendida, que todos acreditassem em si-mesmos * (recordemos a auto-estima do alfobre ideológico guebuziano). No nosso país, em recente presidência aberta (que é sempre uma antecipação eleitoral), não fustigou Guebuza a preguiça moçambicana, atribuindo-lhe a responsabilidade pela pobreza e pela fome que afectam muitos de nós?
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* Leia o excelente Le Monde Diplomatique deste mês, pp. 8-9.

26 junho 2007

O salve-se-quem-puder em Torrone Velho (1)



Amanhã escreverei sobre a autêntica cidade de Torrone Velho, erguida sobre mangal, junto a uma avenida singularmente chamada Avenida de Maputo, na periferia da cidade de Quelimane. Uma perversa e triste Veneza, esta, cheia de pontes precárias, onde é necessário aterrar regularmente o mangal para conter a água do mar e onde se vive em condições sanitárias péssimas.

Olívia e a condição de pedinte

"Assim vivemos nós neste calvário e remamos contra a maré, porque os que nos representam ainda são aqueles que pensam só no presente. Amealham riqueza e revestem-se de bens de ostentação sem pelo menos investirem para, de alguma forma, fazerem com que outras pessoas possam ter por onde começar.
E assim a pobreza vai se reproduzindo e o país fica cada vez mais com as saídas limitadas. Moçambicanos, pedir não é per si um acto mau, porque o homem em sociedade vive em complementaridade. Mau é perpetuarmos voluntariamente a condição de pedintes."
Regressado ao país, recomecei a visitar os nossos jornais. E lá fui eu bater à porta da Olívia Massango, como é meu hábito. Daí o extracto acima.
Se a situação fosse vivida em França, o presidente Sarkozy teria afirmado que a mendicidade tem origem genética, tal como o homossexualismo (voltarei em próxima oportunidade a este tema tão controverso do inatismo e que tanto debate tem gerado em França).

Mungiki (1)


Parece ser uma seita, chama-se Mungiki, criada no fim dos anos 80, cuja sede parece estar em Mathare, no bairro-da-lata mais populoso de Nairobi, capital do Quénia, onde o povo procura sobreviver com menos de um dólar por dia. Um fenómeno político que se constitui como um Estado dentro do Estado queniano, com jovens desempregados apelando ao passado, punindo e cobrando impostos aos chapistas locais, aos comerciantes e aos proprietários de casas, em luta contra a polícia. Aguardem a postagem.

Sarkozy e Guebuza (2)


São dois presidentes de países diferentes, de continentes diferentes, com histórias diferentes, com problemas certamente, eles-também, diferentes ou, pelo menos, de coeficientes de extensão e de intensidade diferentes.
Mas ambos vivem numa mesma época e esta época pode dotar histórias diferentes com um fio condutor político do mesmo teor, com um magma semântico da mesma intensidade.
Quando estive recentemente em Paris procurei estudar o programa eleitoral do presidente Sarkozy. Tentei, mesmo, recuar um pouco até à altura em que ele foi ministro do Interior do governo de Jacques Chirac.
Depois dei por mim a encontrar nos temas políticos de Sarkosy um eco dos temas de Guebuza. Como se, vejam lá, Sarkozy fosse o Guebuza francês.
E, se quiserdes que eu diga as coisas com o humor doce da nossa terra, ambos em luta contra um certo deixa-andar.
Presidentes de capital simbólico forte, de aura carismático, com uma traça populista imediata, ambos se identificam em temas como o trabalho, a família, a unidade nacional, a ordem e a segurança.
Prossigo logo que puder.

Um livro a ler


Um livro a ler do investigador brasileiro Valdemiro Zamparoni, publicado este ano pela editora EDUFBA/CEAO de Salvador. O autor encontra-se neste momento em Maputo. O meu obrigado pela oferta.

Sarkozy e Guebuza (1)


Existe alguma afinidade política entre os programas políticos do presidente Sarkozy de França e do presidente Guebuza de Moçambique? Essa uma pergunta cuja resposta procurarei aqui dar nas próximas horas.

22 junho 2007

Sapatos

Coordonnerie Gilles…Estive muito tempo aqui hoje, vendo um gentil senhor argelino arranjar sapatos. Máquinas, arte, gosto, um cheiro quente e doce a couro. Algo me diz que ainda ninguem fez a sociologia do social por aquilo que calçamos.

Multidoes e violencia

Estudo Le Bon, Tarde, Robert Park, René Girard, também "A violencia" de Michel Wieviorka (2005) a propósito de multidoes e de violencia. Os linchamentos na periferia de Maputo sao a razao de ser desse estudo. Voltarei aos linchamentos quando regressar a Maputo.

Quase-guerrilha urbana em Paris

O "Le Monde" de hoje fala do prosseguimento de manifestaçoes de jovens armados e de violencia nos quarteiroes "sensíveis" (sic) da periferia de Paris. Um porta-voz da polícia fala mesmo em "quase-guerrilha urbana".

21 junho 2007

Um sociólogo moçambicano em Paris (2)

1. O anúncio aparece na estaçoes de metro: cada ano 60 mil caes e gatos sao abandonados pelos donos. Ao fixar melhor este anúncio hoje, lembrei-me de que em 1992 estive cerca de duas horas a estudar o desusado movimento de uma oficina de limpeza de caes em Bordeaux. Entravam sujos a montante e saíam puros e com o cheiro do perfume escolhido pelos donos a jusante.
2. Chama-se GoodWorks International (GWI) a sociedade criada por Andrew Young - ex-maire de Atlanta nos Estados Unidos - e apoiada pela Fundaçao Sullivan, criada pelo militante americano dos direitos cívicos dos anos 60, Leon Sullivan. A GWI tem feito fortuna com o petróleo nigeriano e serve como polidor de imagem para a Nigéria, a Costa do Marfim, o Bénin e, mais recentemente, o Ruanda e a Tanzania. Actua exclusivamente em locais que possuem protecçao aduaneira americana. Essas duas organizaçoes criadas por ex-militantes afro-americanos dos direitos cívicos sao hoje os cavalos de tróia dos americanos na sua luta económica contra europeus e chineses em África – este o resumo de um trabalho inserto no Le Monde Diplomatique deste mes.
3. Por mais que me esforce, nao consigo entender os jovens que falam o juvenil frances de rua.

Um sociólogo moçambicano em Paris (1)

1. Métro Poissonnière : 8 horas de hoje, o silencio habitual do métro. A senhora entra, senta-se e logo de seguida, com os dedos da mao direita, inicia uma demorada limpeza do seu calmo e grande nariz. Impressionante a limpeza em profundidade, arqueológica. Após cada limpeza, enrola demoradamente com os dedos o produto pesquisado e atira-o placidamente para o corredor.
2. Arthur Fellig, conhecido por Weegee, o famoso fotógrafo americano (1899-1968), de quem ha uma espantosa exposiçao no Museu Maillol, rue de Grenelle , Paris, 7e, com 228 fotos. Nos anos da Depressao, ele foi o fotógrafo da brutalidade em Nova York (1935-1945), do salve-se-quem-puder, da pobreza, das desigualdades sociais, entre pistoleiros, bebedos, artistas, prostitutas e arranha-céus. Dentro da sua Chevrolet, fotografou pessoas assassinadas ou queimadas nos carros, mas fotografou especialmente os públicos de curiosos que olhavam a morte com o mesmo prazer com que se está no circo ou no cinema. E fotografou também os pedintes , as crianças de rua. Creio que nos falta um Weegee moçambicano.
3. Mercado St Quentin, 10è, amo estes cheiros todos das mais variadas coisas e dos mais variados países. E encontro camarao de Madagascar a 3 euros o quilo. Pensei entao no nosso camarao e no made in Mozambique do Eng. Fernando.
4. Sempre me fascinam as multidoes, esta espantosa diluiçao táctil do eu. A esse propósito, recordei-me hoje de Gabriel Tarde, do que um dia ele escreveu sobre a dificuldade de encontrar um elo que ligue, logicamente, o diverso, o plural, o desencontrado, o nao linear.

Sarkozysmo

E agora temos, com uma vitória retumbante, o reinado de Nicolas Sarkozy em França, nesta França ameaçada pela precarizaçao e pelo desemprego. A integraçao de uma parte dos socialistas de direita no governo, um populismo bem na linha do republicanismo neoconservador americano, de Berlusconi na Itália ou de Maria Azanar na Espanha. Uma esquerda de rastos, ela que, enquanto governou, bloqueou salários, fechou fábricas, suprimou empregos, privatizou uma parte do sector público. As primeiras medidas económicas e sociais estao já em curso. Supressao da carta escolar, impugnaçao do contrato de trabalho e do direito de greve, baixa da fiscalidade para os altos rendimentos, reforma das universidades apontando para a autonomia orçamental e para a propriedade imobiliária: um imponente programa de direita dura. Aguardemos as reaccoes populares.
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Com base no "Le Monde" de hoje e no "Le Monde Diplomatique" deste mes.

20 junho 2007

Rap

Paris, esta manha, linha métro Porte Clignancourt, o silencio sepulcral de quase sempre, entram 3 rapistas creio que argelinos, cantam e dançam, um deles faz saltos mortais entre dois varoes, uma coisa bem agradavel, apeteceu-me também dançar. Pois é, patrao é patrao do pudor, para usar o nosso bem-amado Mc Roger.

19 junho 2007

O mundo das mulheres

Nao, nao vos vou falar das eleiçoes aqui em França, nem do facto de que a presença feminina na Assembleia Nacional continua a ser muito inferior à dos homens (107 mulheres sobre 577, seja 18,5%). Vou, antes, propor-vos que leiam o "O mundo das mulheres", de Alain Touraine, saído aqui em 2006 numa ediçao da Fayard. Sessenta mulheres, algumas muçulmanas, foram ouvidas por Touraine e sua equipa. Lembro-me de ter assistido em 2003 à sessao inaugural de Touraine no seminário que lançou o projecto, na Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais, aqui em Paris.Vale a pena ler esse livro e compará-lo com a "A dominaçao masculina" de Pierre Bourdieu.

O país da utopia

Ao passar numa livraria encontrei um postal com esta afirmaçao de Oscar Wilde (1854/1900): "Nenhum mapa mundial é digno de um olhar se nele nao figurar o país da utopia".

O candidato

Paris, hoje, estou numa das caixas para pagar o que comprei no supermercado, a rua està a vista, buliçosa e em fim de tarde calorenta. Quatro jovens, entre os quais uma rapariga, todos tatuados, todos a fumar, dois ostentam fardamento do tipo militar. O mais baixo, eventualmente o mais velho, com auscultadores gigantes nos ouvidos, diz algo à rapariga e entra no mercado. Tem o ar decidido, cada gesto guarda serenidade e segurança. Por cerca de um minuto , o mais alto mira-o de lado, estudando-o ansiosamente. Um olhar visivelmente guardando na soleira uma intensa vontade de liderar o grupo.

O sujeito

Em Maio de 2006 o sociólogo frances Michel Wieviorka reuniu em Paris 50 cientistas sociais vindos um pouco de todo o mundo para discutirem os conteúdos e as mudanças operadas nas diferentes "ciencias sociais e humanas". Nenhum cientista africano presente. E o tom de Michel, que tem sido e é, sempre, também, o de Alain Touraine, foi o sujeito, a necessidade de reabilitar o pensamento e o estudo do sujeito. Sempre me espantará essa descoberta assexuada, como se algum dia, nao importa onde, o sujeito tivesse deixado de o ser ou tivesse sido alguma vez dessocializado. Deverei voltar ao tema quando regressar a Maputo.
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Veja Wieviorka, Michel, Les sciences sociales en mutation. Paris : Éditions Sciences Humaines, 2007, pp. 7-21.

Moçambique: afro-optimismo

Ao passar por Moçambique, o visitante “poderá sentir um vento de afro-optimismo refrescando-o” – sim senhor, isso está escrito num guia turístico com o título "Petite futé, Mozambique – Country Guide – édition 2005/2006", p. 7, ali na L’ Harmattan, rue des Écoles, 16, Paris, onde também fiquei surpreso por encontrar tres títulos de livros meus.

18 junho 2007

Curtas notas parisienses

1. Rue du Cherche Midi, boulevard Raspail, café « Le Raspail », mesmo ao lado do edifício da Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais. Certamente conhecem-no. Bebia aí o meu café quando passou o homem, sobraçando com o braço direito um livro com o título « O Estado por dentro » e levando na mao esquerda uma chave de fenda e um alicate. Levantei-me rapidamente para o seguir e confirmar o que vira. Confirmei.
2. Linha metro direcçao Porte d’ Orléans. Muita gente , calor. Duas jovens beijam-se, a que está de frente para mim está visivelmente ardente, a que está de costas parece apenas complacente. O beijo da rapariga ardente é do tipo 4/4, polifacético, com um trabalho notável de língua.
3. Gabinete do sociólogo Michel Wieviorka, oitavo andar do edifício da Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais. Sujou a camisa ao almoçar, saiu e comprou outra, vestindo-se à minha frente.
4. Paris está cheia de turistas, todos iguais, todos engraxados de pressa e de espanto de almanaque. E em quase todos os pratos de almoço que mirei hoje havia regra geral alface e mayonese.
5. Corpo, pilosidade, sangue, memória, identidade : territórios temáticos de montes de livros na FNAC.
6. FNAC, rue de Rennes : desalfandego-me de algum tempo de jejum, desforro-me agora com os livros. Tanto livro, tanto apetite. Contento-me com os aperitivos.
7. Metro : a morte das emoçoes, o reinado do eu-fortaleza.
8. A rapariga passa grácil e altaneira, 1.76, botim alto. Aquele botim podia parecer exagerado de exterioridade, tipo do nosso madjonijoni, mas nao: parece uma peça natural do corpo.
9. Bonjour et pardon: as suas palavras-chave na Paris burguesa (na Paris popular é mais difícil vê-las desembainhadas). Com a primeira criamos a ilusao de que deixamos franquear a nossa porta afectiva, com a segunda mostramos que nao (ou queremos passar ou nao queremos tocar ou ser tocados). Duas palavras de solidao aromatizadas pelo costume.
10. Rue du faubourg Poissonnière, décimo arrondissement: tenho a sensaçao táctil de que por aqui, mesmo à minha frente, passa gente de todos os continentes. Sinto-me plural.
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Perdoem, nao sei controlar os acentos neste computador. E escrevi a correr.

16 junho 2007

Quartos e cor

Apos um belo cafe negro (desculpem, nao sei onde param os acentos neste teclado tenebrosamente chato e kafkeano), eis-me aqui de novo para mais uma curta nota.
Nao consegui encontrar um hotel duas estrelas no quarteirao latino, por isso estou a norte de Paris, territorio norte-africano. Um quarto pequeno, onde em cada gesto se choca com algo e que guarda a memoria de quem apenas por ali passa ficando sem ficar.Quem limpa os quartos? Como quase sempre nos hoteis onde tenho estado nestes parisienses anos todos, sao as mulheres da Africa Ocidental.
Conversei ha momentos com uma, dos Camaroes.
-Bom dia, Senhora.
-Bom dia, Senhor.
-Ca va?
-Ca va bien, merci.
-Senegal?
-Nao, nao, Camaroes. E voce?
-Mo (z) ambique....
-Ah bon...E o Senhor e portugues? Brasileiro? Argelino?
-Nao, nao, mozambicain.
-Mais....
-Sim, sou branco, mas enfim, tambem mozambicain.

Em Paris

Aqui estou na Paris que tanto amo. Chuvosa.Deixem-me repousar um pouco, tentarei aqui voltar nesta internet-cafe buliçosa.

14 junho 2007

Descaboverdeanizada

Cidade de Praia, Cabo Verde. Estou sentado na esplanada de um hotel, manhã, fumo o meu cachimbo, o mar está tão perto que certamente está encostado à alma. Acompanham-me uma assistente e o reitor de um dos estabelecimentos de ensino superior do nosso país.
Surge a mulher, alta, forte, anca larga, envolta naquelas fascinantes capulanas da África Ocidental que eu sempre amo ver no aeroporto Charles de Gaulle em Paris. Em francês, pede-me que lhe acenda o cigarro. Acendo-o.
-Desculpe, por que fala em francês?
-Porque amo.
-A senhora é de Cabo Verde.
-Era.
-Era? De onde vem?
-Escute, nasci aqui mas vivo em Dakar no Senegal.
-Mas é caboverdeana.
-Era. Agora sinto-me senegalesa.
-Há muitos caboverdeanos no Senegal?
-Sim, 100 mil.
-Tantos! O que fazem lá?
-Muitas coisas, uns até são da polícia, outros são administradores.
-E eles sentem-se caboverdeanos?
-Não, senegaleses.
-Olhe, o meu país vai jogar brevemente com o Senegal.
-Ai é? Sei que o Senegal vai ganhar!
Fumo docemente o meu cachimbo, enquanto colonizo o mar com a alma.
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Bem, esta é a última vez que entro no blogue em Cabo Verde.

De Praia a Paris

E já na martírio da saudade estou prestes a deixar Praia e este belo povo cabo-verdeano a caminho de Paris.
Abraço atlântico!

09 junho 2007

Modi ki nhôs s´ta!

Modi ki nhôs s´ta! Bom dia pa nhôs tudu!
Olá, bom dia a todos.
Aqui estou na cidade da Praia, Cabo Verde, Hotel Oásis.
Acredito que foram os deuses quem criou este belo espaço, neste belo dia, neste cidade linda que os cabo-verdeanos arrancaram aos vulcões e à pedra.
Vejam lá que até o dinheiro aqui tem poesia. Nas notas de 2000 escudos, por exemplo, está este belo poema de Eugénio Tavares:
Se é pam vivê na es mal
De ca tem
Quem que q' rem,
Ma´n q´re morrê sem luz
Na nha cruz
De dâ nha bida
Na martirio de amor!
Enfim, aqui estou eu na martirio de saudade de vós.

04 junho 2007

Ausente


Meus amigos, estarei ausente até ao dia 26. Se me for possível, tentarei mandar-vos cumprimentos de Cabo Verde e de França. Em qualquer dos casos, até breve e perdoem a pausa. Forte abraço!

Erosão come marginal de Maputo




A erosão avança na marginal da cidade de Maputo. As fotos que está a ver foram tiradas respectivamente a 2 de Outubro de 2005, a 6 de Agosto de 2006 e a 3 de Março deste ano, no mesmo local do Bairro do Triunfo.
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O meu obrigado a Carlos Serra Jr, autor das fotos, pelo envio.

Pedido de compreensão

Por razões profissionais não tenho podido postar aqui com a regularidade que conheceis. Voltarei a essa regularidade a partir do dia 25. O meu pedido de compreensão, as minhas desculpas.

03 junho 2007

Mambas mambaram hoje!


Sim senhor, anda festa na cidade e com razão. Após anos de desaires, de vitórias tuberculosas e sem continuidade, a nossa selecção nacional dos Mambas voltou às vitórias expressivas, ganhando hoje no Estádio da Machava, cidade de Maputo, ao Burkina Faso por 3/1, com dois admiráveis golos do internacional Tico-Tico, em jogo a contar para a 4.ª jornada do grupo 7, mantendo intactas as esperanças de se qualificar para o Campeonato Africano de Futebol, Gana 2008.

O campeonato dos negócios (3) (fim)

Os salários foram aumentados, reportei eu aqui com base no "Notícias": "O governo fixou em 1645,21 meticais o novo salário mínimo nacional para os sectores da indústria, comércio e serviços, incluindo o Aparelho do Estado, e em 1126,18 Meticais o novo vencimento para as áreas de agricultura e pecuária. Segundo decisão tomada ontem pelo Conselho de Ministros, reunido na sua 12ª sessão ordinária, os novos salários mínimos nacionais têm efeitos retroactivos a partir de 1 de Abril último."
Ora, os sindicatos mostraram que esse aumento não vai, uma vez mais, resolver as necessidades básicas dos trabalhadores. Um porta-voz da Organização dos Trabalhadores de Moçambique, Francisco Mazoio, afirmou há dias que apesar do aumento "ainda existe uma distância muito grande entre o ideal e o possível, visto que o cabaz para uma família de cinco pessoas está avaliado em 3700 MTn (3.7 milhões de MT), sem tomar em consideração outras despesas com a Educação, Saúde, Transporte, etc. Segundo Mazoio, os trabalhadores vão continuar a viver em condições difíceis.
E assim temos que é magra a possibilidade de os trabalhadores fazerem face não só à sua própria subsistência, quanto à subsistência dos familiares. Para usar os termos de Marx, estão incapazes de "perpetuar a raça dos trabalhadores".
Lembrei-me do que sucedeu em Moçambique a partir dos anos 60, depois que a Frelimo se formou e a luta de libertação nacional começou. Um bocado por todo o lado, o governo colonial procurou melhorar as condições salariais e alimentares dos trabalhadores rurais. Tive ocasião de estudar esse fenómeno nas plantações da Zambézia. O problema não era apenas pagar um salário, mas, também, saber o que deviam comer os trabalhadores para que pudessem trabalhar melhor. Confrontado com a luta de libertação, o governo colonial procurou equilibrar a composição orgânica da política, melhorando as rações alimentares com quotas diárias de proteínas, vitaminas e sais minerais, quotas que figuravam em determinações administrativas, determinações que eram acompanhadas de inspecções mensais aos locais de trabalho e à qualidade dos alimentos.
Mas, ao contrário do que propunha uma clássica canção do nosso cancioneiro revolucionário, agora "vamos esquecer o tempo que passou".
Este tempo é o da produção da mais-valia sem ressaibos de consciência.

Florestas, madeira e fiscais em Sofala - carta de um leitor (4) (continua)

Prossigo a publicação de uma carta de leitor devidamente identificado:
“O grave da situação é que essa infracção está penalizada pelo regulamento com 10.000 Mtn (dez milhões dos antigos meticais) conforme o número 7 do anexo 3 do regulamento florestal.
Por que razão os proprietários dos 18 contentores apreendidos com madeira serrada pagaram uma multa cem vezes superior?
Porque foram informados nos Serviços de Florestas que caso o não fizessem ficavam sem autorização para exportar a restante madeira que continuassem a serrar em sua serração.
O que resulta curioso neste caso é que os 18 contentores de madeira serrada apreendidos na Beira chegaram a Sofala com a documentação em regra proveniente de outra província, como as 80.000 toneladas de madeira ilegal que circularam até o porto desta cidade em 2006 e que não foram apreendidas.
Porque esta empresa, proprietária de uma serração, que realiza um trabalho importante em matéria de industrialização, foi autuada e as outras não foram?
Os directores da empresa proprietária dos 18 contentores foram a Maputo, onde não tiveram a menor oportunidade de marcar um encontro com o Ministro de Agricultura, ficando apenas na Direccãao Nacional, onde lhes deram a oportunidade de prestar alguma ajuda. E prestaram.
Um assessor do Director Nacional foi à Beira onde, já em Abril, celebrou-se um encontro entre os responsáveis da empresa autuada, o assessor do Director Nacional, o Director Provincial de Agricultura e membros dos Serviços Provinciais de Florestas, entre os quais o fiscal-chefe, um ex-militar sobre quem recaem suspeitas de ter sido tolerante com as 80.000 toneladas de madeira ilegal que saíram do porto desta cidade para o exterior em 2006.
Nesse encontro, os representantes do Ministério de Agricultura e Direccão Provincial do mesmo ramo indicaram ao proprietário dos 18 contentores de madeira serrada que foram apreendidos que caso existisse recurso aos Tribunais corriam o risco de lhes ser aplicado o artigo 44 da Lei de Florestas, que indica que da aplicação das penas de multa previstas resulta, entre outras penas acessórias, a suspensão parcial ou total das actividades causadoras da infracção.
Isto é, a suspensão da licença para a sua indústria.
Por isso, a empresa proprietária dos 18 contentores, sem ter recebido o auto de notícia obrigatório por força da lei, auto de notícia que é o único instrumento que permite às empresas defenderem-se de abusos e corrupção, aceitou ficar sem os contentores e aceitou evitar o recurso aos tribunais que lhe fora aconselhado pelos funcionários do Ministério de Agricultura.
Será que a ameaça de fechar uma indústria não o justifica ?”

Pedido

A propósito do cinema Kudeka na cidade de Tete, recebi de Nazim Ahmad, representante da rede Aga Khan, uma mensagem solicitando que aqui ficasse expresso que - vou citar literalmente -"a Fundação nunca teve a intenção como desconhece quem utilizou o nome da Fundação Aga Khan como compradora do dito Cinema abusivamente".

Finalmente: o Homo Turbantus ressurgiu

Eu andava profundamente preocupado e triste com a ausência do Homo Turbantus ou Sibindycus do seu palco político habitual - o "Notícias". E, claro, com a sua ausência neste diário. Mas eis que, felicidade a minha, satisfação a vossa, ele volta à ribalta, para pedir - com a profundidade política que lhe é habitual - aos dois maiores partidos políticos do país que adiem as eleições provinciais agendadas para este ano.

Identidade moçambicana - o problema de Olívia (4) (fim)

Em 1998, convidei o filósofo Severino Ngoenha a falar sobre moçambicanidade num curso aberto que dirigi na Faculdade de Medicina com o tema "Para uma sociologia dos processos identitários em Moçambique".
E Severino fez uma intervenção brilhante, dando-nos o quadro dialéctico de uma identidade múltipla, em construção, que simultaneamente já era e ainda não era*.
E é justamente nesse direcção, de resto clássica, que qualquer reflexão sobre identidade caminhar, mesmo se e quando esta parece acabada, definida e definitiva.
E é nesse campo que se podem inscrever os "sentidos múltiplos" referidos por Olívia Massango.
Mas o problema é mais complexo. Com efeito, a identidade não pode ser lida como algo acima do que Ngoenha chamou "necessidades de base": "Se certas populações não virem as próprias necessidades de bases satisfeitas no mesmo momento em que outras vivem na riqueza, isso vai pôr em causa a unidade nacional".
A esse propósito, tenho para mim que vale a pena reproduzir o que, em comentário ao número 2 desta série, observou Jorge Matine: "Procurar identidade é como tactear uma bússola. As coordenadas nós inventamos, para onde o vento favorece nossa portagem segura. Na busca de identidade nao interessa a ciência da bússola, mas sim a segurança que a bússola reproduz (..) É a técnica mais diagonal para legitimar nossa vantagem sobre espaços sociais e seus recursos."
E assim termino estas breves notas sobre identidade, motivadas pela crónica fascinante da jornalista Olívia Massango.
_______________________________
*Ngoenha, Severino, Identidade moçambicana: já e ainda não, in Serra, Carlos, Identidade, moçambicanidade, moçambicanização. Maputo: Livraria Universitária, 1998, pp. 17-34.

01 junho 2007

Os discursos

Hoje, Dia da Criança Moçambicana, dei-me à tarefa de estar atento à Rádio Moçambique escutando os discursos alusivos. De crianças e de adultos.
Foram muitos os discursos que ouvi. Ouvi crianças lendo (melhor dito, tropeçando nos) textos que lhes deram para ler, textos com uma linguagem claramente estrangeira às suas idades e à sua escolaridade. Ouvi augustos adultos, especialmente augustos governantes, discursar como se estivessem nas Nações Unidas.
Uma tortura.

Identidade moçambicana - o problema de Olívia (3) (continua)

Há tempos escrevi aqui o seguinte: "E coitado do José Mucavel retrogadado que, em programa da Anabela Adrianoupolos na STV sobre música moçambicana, chamou pimba à música do Roger e recebeu em resposta a afirmação de que ele, Roger, era um cantor das massas, querido, amado, respeitado."
Temos aí, o problema de Olívia: "De há alguns anos para cá, anda em voga um atrevido debate sobre a identidade moçambicana. O que é música moçambicana? O que é moda moçambicana? O que é culinária moçambicana?(...) Quando, na verdade, seria mais fácil questionar o que não é moçambicano ou apresentar os critérios necessários para se designar algo de moçambicano."
Deixemos de lado a clássica maneira de traduzir uma identidade nacional pelos critérios que cada país usa. A clássica maneira, certamente sensata, de remeter uma identidade nacional para uma placenta simples, clara, imutável.
Vamos lá ver as coisas de outra maneira.
O que tem feito José Mucavel? Como campositor e cantor, tem estudado a nossa música digamos que camponesa, tem procurado captar a sua alma, diversa, rica. Depois tem criado letras, melodias. Mas o que tem criado é genuinamente o que estudou, aquela música digamos que mais resistente (creio que incorro num pecado!) à mudança, mais fixa porque mais rural? Evidentemente que não: produto de um certo tempo, de uma certa época, Mucavel imprimiu aos ritmos que estudou o selo de uma nova maneira de ver a vida. Ele tem transformado a música digamos (com prudência) original. A sua música quente, por vezes nostálgica, é simultaneamente identidade e alteridade, unidade e pluralidade, repetição e mudança, é, afinal, uma música mista. A sua música não é mais do âmbito da balança, mas da corda e do arco, em tensão perpétua.
E Mc Roger? O que tem ele feito? O que tem feito é estudar o rap, do mais puro. O seu celeiro de inspiração não está no campo, mas nas cidades, nas cidades americanas interpretadas em Maputo. E decidiu enxertar marrabenta nesse rap, maputizando a vida, enxertando a pastorícia de Gaza e as minas sul-africanas no ritmo de Chicago. O cantor do patrão é patrão não pertence à época de Mucavel, mas à de Olívia Massango. As suas coordenadas culturais são outras. Por exemplo, Mc Roger não veste como Mucavel veste, na vida do dia-a-dia ou em palco. Nem Mucavel faz uso daquele luxuoso carro que Roger tanto ama. E, no mais evidente, Mucavel não sentiu necessidade de encontrar um nome artístico como "Mc Roger".
Mas o itinerário de Mc Roger, ainda que distinto do de Mucavel, tem, no entanto, a mesma característica digamos que tensorial, guarda o mesmo devir em acto, a mesma alma da síntese contraditória.
Deixem-me defender uma coisa: ambos cantam, realmente, música moçambicana. Ainda que filhos de épocas diferentes, ambos são espécimes identitários plurais, ambos pertencem, cada um à sua maneira, ao que Olívia Massango aticamente chamou "campo de múltiplas influências".
Prossigo depois, está bem? E pode acontecer que altere algo no que acabo de escrever.

Representante da Aga Khan nega intenção de demolição do Kudeka

Via email chegou-me a seguinte mensagem, que reproduzo na íntegra:

Exmo. Sr. Presidente da delegação do governo Moçambicano na Comissão de Coordenação AKDN – Moçambique e Vice-Ministro das Finanças, Dr. Pedro Couto,

Tendo tomado conhecimento, por diversas vias, de que circulam rumores bem como um abaixo-assinado que pretende obstar à pretensa e suposta intenção da Fundação Aga Khan de demolir o cinema Kudeka, na cidade do Tete, para no seu lugar erguer um hotel, tomo a liberdade de manifestar a V. Excelência a nossa total surpresa e indignação pelo uso inapropriado do nome da Fundação Aga Khan para um fim do qual somos desconhecedores em absoluto.
Como bem sabe, nunca foi nem é nossa intenção proceder a qualquer diligência de demolição do cinema Kudeka, um edifício de reconhecido valor histórico, nem de construír um hotel na cidade do Tete, pelo que urge clarificar a situação junto das entidades competentes.
Tratar-se-á certamente de um enorme equívoco e mal-entendido, eventualmente à semelhança dos pretensos rumores que,. já no passado, e conforme se recordará V. Excelência, associaram indevidamente o bom nome da Fundação Aga Khan a iniciativas em Cabo Delgado das quais éramos completamente desconhedores e que se mostraram ser totalmente infundadas e incorrectas.
Desta forma, e tendo em conta as expressões que já estão a ter lugar por parte da sociedade civil em Tete (do qual o abaixo-assinado que partilho consigo é exemplificativo) venho solicitar a V. Excelência os seus bons ofícios para a tomada de diligências que considere adequadas para a urgente clarificação desta situação e reposição da veracidade dos factos, nomeadamente, junto do Conselho Municipal do Tete e de outros órgãos que considere relevantes.
Na expectiva de merecer o devido seguimento deste importante assunto por parte de V. Excelência,
Subscrevo-me com elevada consideração e amizade.
Cordialmente,
Nazim Ahmad Representative, Aga Khan Development Network
Mozambique Edifício Sua Alteza Aga Khan
Avenida 24 de Julho Maputo - Moçambique
Tel.: +258 21 409 007
Fax: +258 21 409 010
Mobile: +258 82 450 29 00
E-mail: nazim.ahmad@akdn.org
Website: www.akdn.org

Mais um iluminado: O Homo Chambecus


Na esteira do Homo Turbantus ou Sibindycus, temos agora João Chambe, de um minúsculo partido da oposição, uma vez mais atacando o maior partido da oposição, a Renamo.