Outros elos pessoais

07 setembro 2010

Causas e características das manifestações em Maputo e Matola (2)

"Na verdade, a estabilidade política do México é um testemunho triste da enorme capacidade de suportar a miséria e o sofrimento que caracteriza o mexicano médio" (Oscar Lewis, Os filhos de Sánchez)
Mais um pouco desta nova série.
Uma série portadora de um título que, instintivamente - creio - apela à produção digamos que palpável, física, do por quê e do como das manifestações. Queremos causas e morfologias que façam sentido explicativo imediato.
Quem não fica, num certo prisma social, confortado com frases do tipo a agitação foi causada pelo oportunismo de criminosos, os tumultos foram provocados pela alta de preços, a violência aconteceu porque uma mão externa a preparou aliciando jovens? Ou com contextos do tipo a carestia de vida tem a ver com a alta de preços internacionais? Ou com morfologias do género tudo o que se passou resume-se a violência primária e a saques? Ou, ainda, com precauções genéricas do tipo as causas são muitas?
Sem dúvida que a violência do tipo aqui em causa deve ser condenada. Mas condenar não é analisar. E analisar não é aceitar um dado estado de coisas, legitimá-lo. O que é analisar? Proposta: analisar é decompor um fenómeno em partes, analisar cada parte e, depois, apresentar um quadro explicativo novo, reestruturado e interligado. Isso, independentemente de gostarmos ou não do percurso, de ficarmos ou não indignados com os resultados.
O fenómeno das manifestações tem, logo à partida, uma parte a considerar, um problema: as palavras ligadas às definições e ao processo de etiquetagem.
Na verdade, um grande problema é que aprendemos a usar as palavras como se tivessem vida por elas-mesmas ou como se efectivamente nomeassem fenómenos reais, fenómenos contendo neles-próprios a sua identidade e a sua razão de ser. Quer dizer, aprendemos que o bom e o mau existem em si-mesmos, aprendemos que há coisas boas e coisas más independentes das relações sociais, da conflitualidade dessas relações e da produção de pontos de vista e de etiquetas que, surgindo no interior da conflitualidade política, tornam-se dominantes e legítimos (a esse propósito, permitam-me sugerir a leitura de um livro de Howard Becker, com a referência mais abaixo*). Para uma dada realidade, as palavras manifestação e tumulto, por exemplo, produzem realidades distintas.
Tenho para mim que estamos, afinal, perante dois tipos de manifestações: as que aconteceram e as que analiticamente criámos e continuamos a criar através dos nossos prismas sociais.
No mundo semântico produzido descritiva e analiticamente, a palavra violência jogou e joga um papel decisivo. Na realidade, ela foi e é a mãe fundadora da teoria do caos (foto reproduzida daqui).
* Becker, Howard S. 2008 [1963]. Outsiders. Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.
(continua)

1 comentário:

  1. Essa foto é, para mim, comovente, impactante. Talvez seja a mais viva das fotos do movimento de 1-3 de setembro de 2010 em Maputo. E creio que seja a foto do evento que mais tem circulado mundo afora.

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