Outros elos pessoais

26 fevereiro 2008

Sobre a conferência da lésbicas em Maputo

Realiza-se desde ontem em Maputo a Conferência Internacional de Lésbicas, com 86 mulheres oriundas de África, Estados Unidos da América e Europa. A sul-africana Bonguiwe Low defendeu em nome de todas as mulheres lésbicas que a vida que levam é normal. Um teste excelente para a nossa democracia, um teste para a latitude da nossa aceitação do diferente.
Entretanto, em duas estações televisivas do país, certos círculos religiosos manifestaram, já, a sua apreensão e o seu desagrado.
Um estudo divulgado em 2006 em Maputo pela Liga dos Direitos Humanos mostrou que 48% da população das quatro principais cidades moçambicanas "admite a hipótese de poder ser homossexual".
A 6 de de 2007, numa homilia realizada na Sé Catedral de Maputo, o arcebispo de Maputo, D. Francisco Chimoio, colocou o homossexualismo entre os males que ensombram a saúde moral do país.
A intervenção fez-me, na altura, lembrar o regime de Mugabe no Zimbábuè e a posição do cronista Gabriel Simbine, para quem o homossexualismo é um produto de exportação europeu.
A Bíblia, por exemplo, foi escrita num contexto patriarcal, culturalmente heterossexualista. Sei que quer no antigo quer novo testamento sempre podemos encontrar passagens que, directa ou indirectamente, se referem aos "maus" (transsexuais, por exemplo). Acho até que, em certa parte, se escreveu que os homossexuais não entrarão no reino de Deus.
Ora, de forma alguma o presente pode ser visto com os olhos do passado. Passado conservador, diga-se de passagem.
Não há absolutamente nenhuma evidência de que o homossexualismo inexistisse em África antes da chegada dos europeus. Ele é uma realidade globalizada antes da globalização permitir ao senhor arcebispo Chimoio usar celular, televisão e computador.
Tenho para mim que devemos esforçar-nos por admitir e respeitar as formas diferentes de amar e de ser amado. A intolerância nesse campo veda na alma a machamba da democracia.
Finalmente, sobre homossexualismo e estigma, confira aqui.

20 comentários:

  1. Há alguns estereótipos preconceituosos a registar, principalmente quando se refere a sua reprodução. Com sua autorização narro um episódio, que me incomodou deveras, que me aconteceu ontem - fui jantar com dois amigos ao hotel girassol. Por coincidência é lá que decorre o aludido encontro.
    Jantar não de amigos: um representante da comunidade portuguesa, um empresário de relevo e, depois, um alto quadro do funcionalismo português e, para culminar, este modesto bloguista. Não se conheciam entre eles, eu fui apresentando - o que demonstra o tom do jantar dos quatro quarentões, afável, a criar-se o tratamento de "tu", mas nada familiar. No final fomos beber um whisky (e fumar o proibido cigarro) à varanda, onde conversámos em tom ameno. Duas mesas ao lado cerca de 12 conferencistas em conversa. Nem um olhar, nem uma palavra, nem uma alusão foram trocados - naõ havia justificação para tal, e no nosso quadro de convívio suavemente formal nunca se justificaria qualquer liberdade. Súbito, num inglês irado fomos agressivamente expulsos dali ("ordem"!? que não cumprimos), pois estavam ali num "meeting" e nós fazíamos barulho. Tamanha má-criaçáo, tamanha agressividade descabida, não me lembro de ter encontrado. Disfarçámos o mal-estar, respondemos num português de quem não fala língua estrangeira e lá continuámos, mas sem o mesmo prazer convivencial. Ocorreu-me perguntar porque incomodava tanto a nossa presença: por sermos "latinos"? por eu ser "gordo"? por falarmos uma língua menor? Qual o preconceito ali a fundar o desconforto com o convívio com tais vis pessoas (nós). Mas nada disse, o nosso ambiente era por demais cerimonioso para qualquer tipo de diálogo desagradável.

    Homossexualidade, heterossexualidade, pouco me dizem. Agora preconceitos rácicoso ou estéticos como os demonstrados por aquele grupo de skinheads enojam-me.

    Desculpe o desabafo em sua blogocasa. Mas foi demais o fascismo ululante que presenciei. E sofri. Ainda hoje com mal-estar

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  2. Ao reler-me constato que tenho que lhe pedir desculpa. Usei uma retórica abusiva, "com sua autorização" presume uma autorizaçaõ prévia que não existiu (apenas no latissimo sentido de ter a caixa de comentários aberta). O escrito está aí, como é óbvio, sem qualquer consulta prévia ao dono do blog.

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  3. Bem, uma situação desagradável. E bastante.

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  4. Diz um amigo que algumas vezes na defesa da bandeira da näo discriminaçäo e contra o patriarcado todo aquele que tenha falo é vítima de agressäo e intolerância por parte das lésbicas em particular, sobretudo as que militam sob a bandeira das denominadas feministas pornográficas, que olham o falo e todos os que os têm como inimigos.

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  5. Tanto quanto os meus parcos conhecimentos do tema me dizem, há mulheres lésbicas que são bisexuais e, portanto, pró-fálicas, em saudável alternância sazonal. Provavelmente o que sucedeu foi que o José e amigos deram de caras com mulheres exclusivamente lésbicas e, portanto, anti-fálicas...José, vamos lá, um pouco de humor...

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  6. Quando seremos de facto verdadeiros SERES HUMANOS para não julgarmos as pessoas segundo a sua cor, credo ou preferência sexual, etc?

    Onde está o " amai-vos uns aos outros como eu vos amo"?

    "A intolerância nesse campo veda na alma a machamba da democracia." Lindo Professor! mas a intolerância só pode ser aceite quando à ganância, mesquinhez...bom! e em mais uma ou outra "qualidade" a que infelizmente nos habituamos cada vez mais.

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  7. Os seres humanos devem-se respeito mútuo, e ser gay ou lésbica näo faz-me melhor que ninguém e muito menos dá-me o direito de atropelar os outros. Reivindicar tolerância sendo intolerante com os outros näo acho muito boa ideia.

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  8. Pois pensei que fossemos seres humanos, porquê reivindicam sermos iguais e näo discriminatórios quando no lugar de seres humanos chamam-se lésbicas e fazem reuniöes só para elas, imaginam se os heteressexuais decidem o mesmo? Aí será discriminaçäo, cá por mim tenho que esse encontro é um atentado a nossa constituiçäo, porque o seu acesso me é vedado em virtude do meu falo, mesmo preferindo mulheres como parceiras, isso é discriminaçäo com base no sexo.

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  9. Onde estäo as defensoras locais contra a poligamia, que até marchas organizam contra esse elemento do patriarcado, ou näo viram uma das delegadas dizer que tem, de posse, quatro mulheres. Atençäo que poligamia serve para ambos os sexos.

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  10. Bem, aguardemos algum comunicado final da conferência.

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  11. Não estou preparado para falar de homosexualismo prefiro pensar que isso não existe pelo menos assim viverei em paz com o meu eu conservador.

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  12. O humor é saudável - e o que me custou foi estar "desprevenido", num ambiente que não me induzia a uma resposta. Ali a ironia ou até o sarcasmo poder-me-ia ter aliviado.

    Não é possível esquecer as questões do poder - a homossexualidade é confinada, ostracizada (ainda que haja uma onda histórica de integração, no sentido de levamento de ónus culpabilizador). Tudo bem com os movimentos (ainda que muitos sejam folclóricos, e me agridam o palato) que reclamam contra a discriminação: "Ich bin ein gay", diria num dia particularmente ético (ainda que ficasse um bocado atrapalhado, confesso).

    E, por maioria de razão, tudo bem com a luta pelos direitos das mulheres (o epíteto "feminista" recobre um espectro largo de posições políticas e teóricas).

    Agora estas tropelias são taralhoucas. E, pior, castrenses. Apenas justificam o "nosso" humor (falocrata, diriam algumas colegas). E, repito-me, a irritação quando não o podemos exercer.

    Quanto À senhora que possui quatro mulheres nada contra. Aliás, como poderia?, "é um dos nossos", não é assim?

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  13. Bem, acho correcta a leitura de Gabriel Simbine, pois mesmo que as práticas designadas homossexuais preexistissem, a identidade homossexual como movimento politico é um produto exportado também da Europa sim, a semalhança do Estado tal e qual o temos.

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  14. Foram necessários séculos para que as mulheres, por exemplo, pudessem votar e receber o estatuto de seres "racionais".

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  15. Piri-Piri disse:

    Como escreveu o Professor Serra, é uma situação desagradável o jantar dos tugas importantes não ter acabado bem. Talvez acabou melhor depois, na Rua Araújo.

    É triste mulheres homossexuais, que sofreram muito e estão numa cruzada, serem agressivas para o Professor JPT e outras pessoas. Acontece muita vez trabalhadores que sofreram muito e estão numa cruzada que são agressivos para patrões que não conhecem. É uma coisa triste no sofrimento e nas cruzadas mas acontece.

    É muito mais triste o preconceito e homofobia de todos os dias e o sofrimento que nos dá.
    Ouvi e li a homofobia do Professor JPT algumas vezes. O professor JPT não precisa de fazer cruzadas, as leis velhas e os preconceitos fazem a cruzada no lugar dele. Mas é agressivo na mesma e chama á agressão bom senso. Pode queixar-se que as outras são agressivas e lhe estragam o jantar, coitado. Por isso devem não ter razão. E não precisa de olhar para si próprio.

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  16. Piri-piri, o Importante Tuga Professor JPT tem a suprema importância de assinar o que escreve, a inversa de quem se piripiriza para opinar. Mais o Importante Tuga Professor JPT frequenta a Rua (Major) Araújo chamando-lhe, é certo, Bagamoyo, bem como várias outras ruas de Maputo - dado que, como diz, também piripiriza no blog do Importante Tuga Professor JPT bastar-lhe-á para comprovar tal facto googlar o referido blog para encontrar alguns ecos dessa frequência. Falando em googlar será também esse o método mais rápido para que se comprove a sublinhada homofobia do referido ITPjpt. Quanto ao seu apego por cruzadas alheias só posso confirmar que se bem se adequa aos anonimatos internéticos.

    Para si saudações (mui previsivelmente) patrícias.
    Para Carlos Serra a minha vénia por acolher este esclarecimento e, como é óbvio, a minha promessa de não regressar ao tema por aqui.

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  17. Piri-iri disse:

    Não necessito googlar. Ouvi em sala de aula.
    A cruzada não é minha mas tenho benificio. Sou gay.
    Escondo meu nome porque não sou heroi. Fui violentado duas vezes por suspeita de ser gay, não vou escrever meu nome e dizer que sou.

    O que tinha para dizer já disse antes.

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  18. Desculpar-me-á Serra mas o argumento assume contornos diferentes: ser acusado de ser homófobo em sala de aulas (exercício profissional) é diverso de o ser no que escrevo em blog (ou fora dele). O que está escrito está escrito, e as múltiplas interpretações podem ser confrontadas. O resto é diferente.

    "Piripiri" - dada a gravidade da sua acusação vou fazer a única coisa que me é possível: aceitar a sua interpretação. Que é omnipotente, pois reside numa inultrapassável leitura individual. Peço-lhe, se para isso tiver paciência, que me informe exactamente qual o teor desse(s) acto(s) homofóbico(s). Para minha contraposição? sim, se a achar possível e justificável. Mas fundamentalmente para minha auto-percepção (e mea maxima culpa?).
    Dadas as razões que apresenta para o anonimato internético (bem mais justas do que as que habitualmente subjazem o universo anónimo do bloguismo) proponho-lhe que, caso não queira explanar aqui o acontecido dado o contexto que revela, mo diga via email (jpimteix@gmail.com - é o mail pessoal). Darei a mão a palmatória, não com todo o gosto mas com toda a necessidade. E - como me parece óbvio - não divulgarei o remetente (que aliás pode ser anónimo).

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  19. Perdoe-me Serra mas, dada a gravidade que o tema para mim assumiu, aqui me permito deixar uma ligação a um texto no meu blog: "este blog é um diário".
    Apesar do tom ali realço que nada mudei de opinião sobre o sentimento castrense preconceituoso que quis aqui denunciar. E que em nada concordo com o sumo do argumento do comentador piripiri.
    cumprimentos, e repetidos agradecimentos pela utilização do seu blog

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