Outros elos pessoais

12 março 2007

Os fenómenos existem? As mulheres existem?


Naturalmente que vocês se aperceberam logo de quão ilógicas são as perguntas do título desta entrada.
Evidentemente que os fenómenos existem (mesmo os do mundo sub-quântico), que as mulheres existem.
O problema está em que eles, fenómenos e mulheres, não existem em si, mas dentro de processos de pensamento e de categorização que, porque sociais, variam de acordo com muitas variáveis.
Tudo isso a propósito de um encontro que tive esta manhã com alguns estudantes de jornalismo. Um deles disse-me que tinha ouvido muitos comentários sobre a minha recente proposta de haver um reitora na Universidade Eduardo Mondlane e que alguém teria mesmo feito a seguinte pergunta: "Como pode o Carlos Serra propôr uma mulher?"
Ora, se eu tivesse proposto um reitor, poderia eventualmente suscitar alguma discussão em torno dos seus méritos e deméritos. Mas propondo uma reitora, eu entrei num mundo fundamentalmente androcêntrico, masculino e masculinizado. Se não era estranho propor um reitor, estranho era e é propor uma reitora. Se calhar até mulheres poderiam pôr em causa a minha masculina proposta, se admitirmos a hipótese de que elas interiorizaram e interiorizam, naturalizaram e naturalizam a dominação masculina. Portanto, a minha proposta caiu em terra minada. Quem fez a pergunta acima mencionada não se colocou o problema de interrogar os seus processos de pensamento e categorização. Achou que o problema estava a juzante (o fenómeno) e não a montante (os tais processos pessoais, que são, sempre, processos sociais).
Lembro-me bem do espanto que o sociólogo francês Alain Touraine causou uma vez em Paris quando, começando um seminário sobre a mulher, afirmou que "a mulher simplesmente não existe, ela é produto de uma construção masculina." Claro que o falecido Pierre Bourdieu, outro sociólogo francês, teria acrescentado: "Construção masculina interiorizada, portanto aceite, portanto tornada natura, hábito."

4 comentários:

  1. Ja sobre isso diz a Simone: ninguem nasce homem ou mulher...

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  2. Sim, "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".

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  3. Logo, mulher não existe, o que existe é uma categorização social naturalizada.

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  4. Sugiro-vos que leiam Quine em "Three Grades of Modal Involvement", The Ways of Paradox, New York: Random House, 1966,a propósito de as propriedades essenciais ou acidentais de algo dependerem da forma como as descrevemos.

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