Outros elos pessoais

31 julho 2014

Amílcar Cabral e a cultura em África

"Há muita gente que pensa que para a África resistir culturalmente, tem que fazer sempre aquelas mesmas coisas que já fazia há 500 ou há 1000 anos. Sim a África tem a sua cultura, de facto, essa é a nossa opinião concreta. Alguns aspectos dessa cultura são eternos, nunca acabam, podem transformar-se sempre pelo caminho, mas nunca hão-de acabar. Por exemplo, os nossos ritmos de dança, o nosso ritmo próprio de África. Mas ninguém pense que o tambor é só da África, que ninguém pense que certas maneiras de vestir são só da África, as saias de palha, as folhas de palmeira, etc., que ninguém pense que comer com a mão é só da África. Todos os povos no mundo, no Brasil, por exemplo, que estão piores do que nós nisso, como na Indonésia, na Polinésia, no Extremo asiático. [Muita gente para defender a cultura da África pensa [que], para resistir culturalmente em África, temos que defender as coisas negativas da nossa cultura. Não, a nossa opinião é que a cultura também é o produto do nível económico em que um povo está. A nossa opinião é que, comer com a mão, e até cantar certos tipos de cantigas, até maneiras de dançar, dependem da vida que o povo leva, do ponto de vista de produzir, produzir riquezas, produzir coisas para ele. (...) O nosso ponto de vista, portanto, é que, na nossa cultura devemos fazer resistência para conservar aquilo que de facto é útil e construtivo, mas na certeza de que, à medida que avançamos, a nossa roupa, a nossa maneira de cantar, tudo tem de mudar aos poucos, quanto mais a nossa cabeça, o nosso sentido nas relações com a natureza, e até as nossas relações uns com os outros. (...) Ninguém pense que porque essas coisas [crenças na magia, C.S.] existem em nós, porque somos africanos, somos mais do que os outros, porque conhecemos 'mézinhos' que outros não conhecem. (....) Isso é o reflexo de um estado de desenvolvimento económico, mais nada." - Cabral, AmílcarAnálise de alguns tipos de resistência. Lisboa: Seara Nova, 1975, pp.74-75, 76, 79.

1 comentário:

  1. Bom dia Sr. Professor!

    Acredito que este texto me ajudará muito na libertação que procuro de alguns preconceitos que tenho para comigo mesmo. É incrível quão verdade é a crítica elaborada por Cabral. Ora vejamos, numa primeira fase, é a estrutura a pesar sobre o indivíduo (neste momento, o indivíduo não tem muitas manobras), porém, numa segunda fase (actual), é o indivíduo que carrega a estrutura, advogando causas naturais, religiosas, culturais... (neste momento, o indivíduo pode libertar-se mas se matem refém por medo do desconhecido, das novidades, dos novos sentimentos, por preguiça...).
    Esta análise nos remete a necessidade de despertarmo-nos dia-a-dia na resolução dos nossos problemas familiares, sociais, politicos... aceitando as novidades que o desenvolvimento social (na sua multidimensionalidade) vai injectando nas nossas realidades.
    Acredito que isto pode tornar fácil a busca de soluções aos nossos problemas (actuais), ao mesmo tempo que pode evitar a ocorrência de certos problemas (consequentes dessa resistência a que Cabral critica).

    Muito obrigado por nos manter cada vez mais formados e informados Sr. Professor.

    Foquiço

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