Quarto e último número da série. Prometi no último número escrever um pouco sobre os "estrangeiros" socialmente construídos como "inimigo total". Vamos lá, então. Existem dois tipos de estrangeiros: nós e eles. Nenhuma sociedade é destituída de amigos e de inimigos, de próximos e de afastados, de ricos e de pobres. Toda a sociedade é, ao mesmo tempo, um processo diário e repetido de produção de confiança e de desconfiança, de internos e de externos. Por outras palavras, o estrangeiro é imanente ao social, é-nos imanente, mesmo sendo da nossa nacionalidade, da nossa etnia, da nossa igreja ou da nossa "raça". Porém, em certos momentos delicados, de grande intranquilidade social, surge um processo de transferência: o estrangeiro deixa de um dos nossos e torna-se um dos outros, sumariamente identificado pela língua que fala, pela cor da pele, pelos costumes ou, regra geral, por aquilo que se considera ser testemunho de riqueza: uma moradia, uma empresa, uma loja, um carro, um padrão de prosperidade, etc. No processo de transferência culpabilizante, o estrangeiro dos outros é transformado no inimigo total, a sua próximidade física transforma-se rapidamente na distância absoluta, intransponível, fatal. Pequenas coisas, pequenos actos, são suficientes para dar origem a uma imputação causal total, à busca desenfreada de bodes expiatórios, à transformação dos estrangeiros em culpados de todos os males, em responsáveis da pobreza, do desconforto, da tristeza, da falta de futuro ridente. Lojas e bancas costumam ser alvos preferenciais, como se, em sua proximidade, expusessem pelos produtos à venda a indicação da estranheza, da fugacidade mutante e da distância. A história é, afinal, a tragédia inseparável do claro e do escuro, do diurno e do nocturno, do lógico e do ilógico, da serenidade e do desespero.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
06 março 2014
Xenofobia: construção colectiva do inimigo total (4)
Quarto e último número da série. Prometi no último número escrever um pouco sobre os "estrangeiros" socialmente construídos como "inimigo total". Vamos lá, então. Existem dois tipos de estrangeiros: nós e eles. Nenhuma sociedade é destituída de amigos e de inimigos, de próximos e de afastados, de ricos e de pobres. Toda a sociedade é, ao mesmo tempo, um processo diário e repetido de produção de confiança e de desconfiança, de internos e de externos. Por outras palavras, o estrangeiro é imanente ao social, é-nos imanente, mesmo sendo da nossa nacionalidade, da nossa etnia, da nossa igreja ou da nossa "raça". Porém, em certos momentos delicados, de grande intranquilidade social, surge um processo de transferência: o estrangeiro deixa de um dos nossos e torna-se um dos outros, sumariamente identificado pela língua que fala, pela cor da pele, pelos costumes ou, regra geral, por aquilo que se considera ser testemunho de riqueza: uma moradia, uma empresa, uma loja, um carro, um padrão de prosperidade, etc. No processo de transferência culpabilizante, o estrangeiro dos outros é transformado no inimigo total, a sua próximidade física transforma-se rapidamente na distância absoluta, intransponível, fatal. Pequenas coisas, pequenos actos, são suficientes para dar origem a uma imputação causal total, à busca desenfreada de bodes expiatórios, à transformação dos estrangeiros em culpados de todos os males, em responsáveis da pobreza, do desconforto, da tristeza, da falta de futuro ridente. Lojas e bancas costumam ser alvos preferenciais, como se, em sua proximidade, expusessem pelos produtos à venda a indicação da estranheza, da fugacidade mutante e da distância. A história é, afinal, a tragédia inseparável do claro e do escuro, do diurno e do nocturno, do lógico e do ilógico, da serenidade e do desespero.
1 comentário:
Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.
Uma triste situação num alto texto.
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