Outros elos pessoais

06 março 2014

Cidade de Maputo

De lugar de encontros fugazes, a rua é reorientada e convertida à civilização do contacto calórico, das sociabilidades intensas, de uma geometria fractal que subverte as lógicas do espaço simétrico herdado da cidade colonial. Nem as linhas férreas são poupadas por essa invasão das lógicas populares.
Mas a fugacidade que escorre da agitação do mundo febril dos chapas, dos dumbas, das barracas, etc., é constantemente violada e compensada pela produção do tempo antropológico.
Na verdade, milhares de pessoas investem diariamente no diálogo, nas horas que perderam o perímetro, no tempo que rompe os relógios, nos espaços a um tempo afectivos e belicosos, rudes e doces, confiantes e trágicos.
Cerimónias fúnebres, repastos, bula-bula de esquina, inter-ajuda de bairro, solidariedades religiosas, festas populares: tudo isso passa e pára, avança e recua, encurta e alonga, perpassa e sustém.
No tempo que pressiona enxerta-se o tempo grávido do cosmos. Ao relógio da física clássica sucede a nuvem popperiana, complexa, aleatória, sempre mutante; a porta da vida cede lugar à ponte de Georg Simmel: aquela pode fechar-se, esta dá sempre passagem.

3 comentários:

  1. O Ministerio do Plano e Desenvolvimento esta em Conselho Coordenador na Namaacha. A anteceder o evento, os quadros do Ministerio visitaram uma quinta que produz morangos e umas capoeiras para exemplificar o combate a pobreza e a producao de riqueza, nas palavras de Salimo Vala, SP.
    No entanto as pessoas continuam a fazer os 17 Km entre Matola e Maputo em mais de duas horas de tempo. Durante este tempo estas muitas pessoas, e por via delas, o país, não estão a produzir, não estão a combater a pobreza ou seja, não estão a fazer riqueza.
    Para que serve mesmo o Ministerio do Plano e Desenvolvimento?

    PS:O texto é uma fotografia rimada de Maputo. É excelente. Mais umas pinceladas sobre sequestradores,o tráfico de drogas e a completa desorientação das autoridades complementavam-no.

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  2. O texto é bem maior, publicado faz tempo em dois dos meus livros, só mais um pouco:
    "É nas cidades onde toma curso o complexo mundo do informal (que é, afinal, o nosso verdadeiro mundo formal), mundo da nocturnidade para alguns, mundo da diurnidade real para a maioria, mundo da mestiçagem, heterogénea panóplia de actores, de práticas e de processos, federados todos na marginalidade em relação ao oficial e à lei mas sem quebrar os laços com ambos, onde tudo se vende (incluindo provas de exame, drogas, armas e medicamentos) numa permanente negociação sem recibo, onde os preços são feitos e refeitos a cada instante ao sabor do poder estruturante do aleatório, onde o inesperado e a ambivalência são a regra, onde a racionalidade económica e a impiedosa luta pela sobrevivência pagam tributo à afeição, ao dom e às redes de solidariedade, aos espíritos e à contra-feitiçaria, mundo onde as línguas originais são, afinal, línguas crioulas, mundo onde os processos de exclusão social são permeados pela inclusão das representações sociais e da cultura dos centros hegemónicos de bem-estar, mundo do ruído, das aparelhagens com o som no máximo, das querelas, das negociações, da vida permanentemente a descoberto, face a face, à vista de todos."

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  3. Não é preciso mais comentários.

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