Mais um pouco da série, prosseguindo com a dramática história dos leões de Muidumbe, província de Cabo Delgado.
Foram chamados os curandeiros para aplacar o mal. As mortes aumentaram de número. Os meses iam passando, o impasse persistia, a angústia aumentava, não havia meio de chegarem caçadores profissionais contratados pelo Estado, a sede da administração distrital de Muidumbe não tinha uma única arma.
Os principais acusados de comandar os leões à distância eram figuras do Estado ou a ele associadas ou com “bem-estar” acima da média local (o comerciante). Numa situação de crise, de desorientação, de eclipse do social, os pobres lançaram aos "ricos" a culpa do seu mal-estar e das suas privações. E, sobretudo, foi clara a mensagem: o Estado afastara-se deles, não atalhou o mal a tempo. As figuras do Estado, a figura do comerciante (acusado de usar a magia para enriquecer), figuras consideradas do bem-estar, surgiram aos olhos dos camponeses, em meio à sua privação, como intrusos perigosos, como a substância plena de uma alteridade subversiva, desestabilizadora. Não podendo atingi-los todos, viraram a sua cólera e o seu desnorteio para os tão pobres quanto eles. Uma linguagem errada para traduzir um problema real, o da privação. Uma causalidade objectivamente falsa mas sentida como subjectivamente verdadeira.
Um ano depois, chegaram dois caçadores: os leões foram abatidos, pânico e chacina terminaram (foto reproduzida daqui).
(continua)

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