Outros elos pessoais

24 setembro 2009

A tesoura do racismo cultural

Uma das mais sofisticadas formas de racialização e de racismo dos centros hegemónicos do poder mundial hoje consiste em salvaguardar as diferenças culturais, em defender discursivamente a todo o transe a especificidade cultural deste ou daquele país, desta ou daquela cultura, desta ou daquela "raça". Assim fazendo, os ideólogos do racismo "inteligente" muralham a suposta pureza dos nichos culturais dos centros hegemónicos que produzem a cartografia das diferenças, segregam com doçura e ópio perfumado os Outros no momento preciso em que os abraçam. Mas este problema é bem mais complexo do que pensamos, ele tem, afinal, a alma elástica dos boomerangues. Na verdade, segregados, fechados em muros sociais que os outros criaram, os alvos do racismo cultural assumem a segregação como um ícone bendito, a substancialização definitiva do que são, a irredutibilidade do seu suposto ser em si, dotando, com variados matizes, a falsa inferioridade de que são acusados, com a pimenta da vitalidade musculada.
Adenda: o que acima estais a ler foi pensado na cidade onde neste momento em encontro, São Paulo, foi lendo o extraordinário "Cidade de muros - crime, segregação e cidadania em São Paulo", de Teresa Pires do Rio Caldeira.

5 comentários:

  1. Tem toda a razão.

    Aliás, não nos esqueçamos, o criminoso apartheid sul-africano foi legitimado em termos retóricos exactamente com base na defesa da "diferença cultural"! Supostamente, não se tratava de excluir a maioria da população por motivos "raciais", mas de manter separadas "culturas" diferentes, para que a "mais fraca" (a local) não fosse desvirtuada pela de origem europeia...

    Grandes barbaridades foram deliberadamente feitas (tanto por grupos dominantes externos, como por grupos hegemónicos dentro dos grupos dominados) sob o argumento da salvaguarda da especificidade cultural.
    A outra face preocupante da moeda é que também a mais bem intencionada intervenção externe que pretende "salvaguardar a especificidade cultural" pode arrastar consigo efeitos muito semelhantes, de potenciação dos abusos feitos, internamente, pelos dominantes locais.

    Enfim... talvez a raiz de tudo isso esteja nas visões essencialistas de "culturas" vistas como homogéneas e exclusivas, em vez de resultados provisórios e mutáveis de dinâmicas sociais e relações de poder.

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  2. gostaria de perceber um pouco melhor essa possibelidade de "visoes essencialistas de culturas vistas como homogeneas e exclusivas".

    assim sendo seria de supor que toda uma cultura hegemonica e exclusiva fosse "protegida ou salvaguardada"

    poderao existir casos de nao ser a visao essencialista cultural e ser apenas a questao financeira?

    note que os efeitos devastadores do HIV parecem recair mais, actualmente sobre a tal cultura hegemonica ou exclusiva, para o nosso caso.

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  3. Gostaria de dizer o seguinte sobre o HIV:
    Os efeitos devastadores do HIV recaem sobre a população com menor educação e com maior pobreza (população com pouco acesso à informação, a trabalho, a redes sanitárias, agua limpa, lazer saudável). E esse facto esta ligado à população da tal "cultura hegemónica" que aliás sempre foi, historicamente a mais desfavorecida.
    A superação das diferenças educacionais e culturais como é sabido, leva muito mais tempo que a das diferenças económicas. Por isso, acho eu que, lamentavelmente, teremos por ainda mais tempo esta e outras doenças a afectarem mais a população com menor capital educativo.

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  4. por essa razao que considero que podem nao existir desculpas ou legitimacao de actual estagio de pobreza atravez factores culturais.

    no nosso caso, os problemas sao simples, como: corrupcao, imponidade, injustica.

    veja que as doacoes internacionais foram usadas mas os numeros de HIV cresceram.

    houve dinheiro para educacao, mas a qualidade de ensino decresceu.

    no caso do apartheid( como descrito no comentario de Paulo Granjo) foi legitimado na base de diferenca cultural.

    no nosso caso, culturalmente a preservar, seguindo o raciocinio do apartheid, seria Maputo e Gaza protegidas, mas nao, 'e ai onde incide actualmente a maior taxa de prevalencia do HIV.

    alias existem sinais claros de o partido no poder considerar Maputo e Gaza seus bastioes, mas sao exactamente esses bastioes que actualmente sofrem mais. Logo, podera ser a componente financeira, a unica razao da tal taxa de prevalencia, visto os tais bastioes nao terem beneficiado dos financiamentos adequados para uma melhor qualidade de ensino, informacao, alimentacao e demais, e tudo isso porque os chefes dos tais bastioes nao permitiram o fluxo financeiro nacessario, nao obstante terem recebido doacoes para tal.

    parece-me um problema simples de gestao de topo e caracter dos dirigentes e nunca um problema cultural.

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  5. Tem razão o Abdul. Os problemas são simples mas de solução extremamente complexa! Eu agregaria, para o caso dos problemas e relacionado com o HIV o OPORTUNISMO e a falta de exemplos. Nós temos poucos exemplos que são usados para mudar atitudes.

    Por exemplo, uma pessoa que tem trabalhado no Niassa me comentava que após a cerimónia do Unhago (ritos de iniciação), as meninas de 12 anos em diante que tenham participado destas cerimonias podem praticar, livremente actos sexuais. E, no mesmo dia da festa isso muitas vezes acontece e com gente muito mais velha. Inútil será dizer que isto acontece muitas, se não todas as vezes, sem protecção.

    Conhecendo que em Moçambique temos tantas pessoas com tão conhecidas e com tanta influencia (e daquela província), como se explica que elas não usem da sua influencia para começar a lutar contra essas atitudes negativas? Quem diz destas poderia dizer outras. E quem fala do Niassa poderia falar do Maputo ou doutro lugar qualquer.

    Essas pessoas têm que sair da casca a apresentar-se junto aos seus para falar dos problemas abertamente. Quem diz do SIDA, também pode dizer da corrupção, ou de outros problemas que nos afectam...

    A solução destes problemas poderia nos ajudar a avançar mais rapidamente.

    Infelizmente, acho que estamos num pais onde assumimos que os problemas foram trazidos de longe(colonialismo, racismo, etc), que as soluções também deverão ser trazidas de longe(ajuda externa, ONG internacionais, etc)! E, enquanto for assim... NADA FEITO!

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